Entre o Bem e o Mal

Há um hiato entre o bem e o mal que precisa ser entendido ou pelo menos discutido, por uma ótica desprovida de parcialidade. O que é de fato a essência destes dois conceitos humanos-divinos? O mal, olhando no prisma histórico, não raro se percebe que só existe como ser mitológico. Para se compreender o mito se faz necessário a investigação desde seu cerne criativo até os nossos dias. A figura do mal é, por vez, representada pela crença nunca pela ciência. Só existe, portanto, um meio de se analisar o mito, pela filosofia que a meu var se apresenta com mais idoneidade que a teologia. Mas vale dizer que ambos os estudos merecem credibilidade histórica. Ainda cumpre dizer que a teologia não existiria como ciência se não fosse este objeto de estudo - bem e mal. Já a filosofia não se pauta por este sistema ou paradigma único.

Para um filosofo moderno, talvez este assunto fosse resumido pelo crivo niilista - a negação do absoluto, nem Deus nem O diabo suportaria este crivo maligno. Todavia para um ser humano comum este é um assunto deveras complexo, pergunta que nunca encontra resposta definitiva. Minha intenção, portanto, com este ensaio, é trazer uma discussão moderna para estes dois mitos ou conceitos, que tanto inquieta o ser humano. Acredito que não tenha a resposta final, mas me esforçarei para trazer ao leitor um novo ponto de vista, talvez embasado em provas já existentes, uma vez que este assunto não tem sido discutido nos últimos séculos, embora existam vários tomos que abordam este tema, porém, a meu ver todos contaminados por uma doença edênica, por uma metafísica parcial, fato este que pode ser comprovado por uma visita breve aos santos padres, e aos filósofos cristãos.

O Bem e Mal mitificados

“No princípio Deus criou os céus e a terra.” Eis aqui a primeira aparição do bem construtivo, Deus como criador, todavia dentro de uma visão sinóptica demais para se explicar coisas tão grandiosas como céus e terra. Mas esta noção de bem é sobremodo aceita por todos sem discussão. Um Deus que cria do nada um universo denso e infinito. Depois pela lógica comum, surge o homem como criatura inteligente, única, capaz de representar a divindade que o criou. Sendo este homem a semelhança de Deus, portanto semelhança do bem não do mal, neste estágio, porém, o mal é ainda desconhecido.

Depois de criado do barro, o ser humano, a semelhança de Deus passa a agir por conta própria. Investido do seu poder supremo - o livre-arbítrio, com uma liberdade supra-divina, tudo lhe é sujeito, todas as espécies de animais, a terra é seu domínio, não almeja um céu desconhecido, esta ideia nem sequer lhe passa pela cabeça, esta hipótese metafísica não lhe tira a paz terrestre, por enquanto ele é todo físico, carne, nada de psicologia etérea. Podemos inferir, se quisermos que este pensamento é um tanto coerente, uma vez que o homem tem como posse existencial uma visão única do seu mundo físico, apenas o bem rege o seu coraçã. O bem é uno, não há, portanto uma entidade contrária. Certo ou errado? Certo! Por isso leva uma vida simples, não tem pesadelos nem angustias quanto ao seu amanhã. É curioso notar que este homem não reclama a solidão racional, se compraz com os animais e não deseja companhia, é completo, livre de ansiedades, convive bem entre feras, não fere nem é ferido. Podemos concluir, portanto que o bem rege todo seu universo físico. A razão não é empecilho para praticar o bem, nem existe o sumo ego, pelo fato de não existir parceria no desfrute de seu império. Reina absoluto, um deus entre seres inferiores, dotados apenas de instinto.

“E Jeová Deus prosseguiu, dizendo: “Não é bom que o homem continue só. Vou fazer-lhe uma ajudadora como complemento dele.”

Mas esta vida desfrutada sob uma plenitude harmônica não duraria para sempre. Os animais não lhe cobravam a atenção, porque não havia comunicação verbal. Podemos inferir sem sombra de dúvida, que o homem ainda não conhecia o código lingüístico, pois não existia interlocutor. O homem era feliz e não sabia. Conhecia só Bem Supremo, não tinha um prisma para perceber suas virtudes ou defeitos, tudo era perfeito, um mundo pleno de ociosidade criativa, então Deus, O bem materializado, à vista do Homem, resolve lhe dar um presente de grego. Importou-se, portanto em lhe prover algo semelhante, para que o homem não estranhasse ao se deparar com outra alma inteligente, irmã.

“Por isso, Jeová Deus fez cair um profundo sono sobre o homem, e, enquanto ele dormia, tirou-lhe uma das costelas e fechou então a carne sobre o seu lugar. E da costela que havia tirado do homem, Jeová Deus passou a construir uma mulher e a trazê-la ao homem.

O homem disse então:

“Esta, por fim, é osso dos meus ossos

E carne da minha carne.

Esta será chamada Mulher,

Porque do homem foi esta tomada.”

À primeira vista, porém, não houve rejeição, o homem até canta em versos e agradece a generosidade do seu criador. Parecia então que a paz continuaria a reinaria para sempre, com uma perceptiva gloriosa de se encher a terra de pessoas justas. Todavia era preciso dividir todo seu domínio e a sua percepção inteligente, não era mais o único a dominar sobre o paraíso da razão. A mulher, aquela que lhe fora tirada de sua costela ou do seu lado direito também sabia tanto quanto ele sabia, era chegado portanto o fim do seu reinado. Surge doravante um conflito, duas pessoas com a mesma inteligência e livre-arbítrio, cuidaria de modo igual e justo de um mesmo bem? A mulher teria atividades distintas do seu marido, se é que podemos classificar assim, uma relação homem e mulher, no inicio da história conjugal.

O homem, todas as manhãs partia para buscar auto-realização, impor seu domínio moral e territorial, em um universo que, por natureza, já lhe pertencia. A mulher, por sua vez, provavelmente naquele estágio mental, ficara a descansar nas grandes sombras do paraíso, experimentando frutas de sabores diversos. A ociosidade produziu grandes delírios, a falta de exercícios físicos talvez tenha causado uma atrofia mental. E, a cada dia em que o homem volta a sua casa, era bombardeado por reclamações injustas. Do tipo: “Por que me deixou sozinha tanto tempo?” Está gerado um conflito eterno, aquela que fora feita carne de sua carne, passa a ser a sua maior contradição, seu oposto, ou como um espelho, serve para revelar a suas faltas eternas. O mal começa brotar no coração de ambos, mas a mulher trará muito mais potencialidade a este conflito. Então surgirá o mal mitificado e personificado, para justificar as suas ações futuras. Não suportando mais viver apenas em duas cabeças pensantes, entre milhares de seres brutos, a mulher promoverá algo grandiosos, dá à luz ao verdadeiro mal, um mal destrutivo, um terceiro elo separador entre dois elos que fora um dia apenas um harmonicamente conjuntados.

Surge então a figura do diabo, questionando as intenções do bem, construtivo, de um Deus bom o criador.

“Ora, a serpente mostrava ser o mais cauteloso de todos os animais selváticos do campo, que Jeová Deus havia feito. Assim, ela começou a dizer à mulher: “É realmente assim que Deus disse, que não deveis comer de toda árvore do jardim?”A isso a mulher disse à serpente: “Do fruto das árvores do jardim podemos comer. Mas, quanto [a comer] do fruto da árvore que está no meio do jardim, Deus disse: ‘Não deveis comer dele, não, nem deveis tocar nele, para que não morrais.’” A isso a serpente disse à mulher: “Positivamente não morrereis. Porque Deus sabe que, no mesmo dia em que comerdes dele, forçosamente se abrirão os vossos olhos e forçosamente sereis como Deus, sabendo o que é bom e o que é mau.”

Aqui fica estabelecido um entrave supra-racional, só a mulher percebeu a presença do mal personificado, com tal lucidez que chega até dialogar com sua personagem lírica, enquanto que o homem, avesso às maquinações de um mal crescente no coração da mulher, não fora avisado antecipadamente sobre este fenômeno agora já materializado. Esta convivência diária da mulher com mal interior, futuramente produziria frutos nocivos para não dizer malignos. Num mundo pleno, criado pelo bem supremo não caberia a presença constante do mal, então qual seria as conseqüências desta escolha egoísta da mulher? E quem seria punido por tal ato contrario aos desígnios do bem? Homem e mulher seriam arrebatados para outro ambiente, e toda aquela fluidez do rio calmo seria deixada para trás, entraria em cena o devir, com o potencial do imprevisto, a descoberta que fizera lhe colocava em outro patamar racional, tudo estava em suas mãos, a vida que conhecia como infinita e uma morte que não entendia plenamente como e nem quando se daria, pois não percebia a relação tempo, só espaço.. O próprio mal praticado por ambos, um mais por conivência, outro conscientemente, lhes custaria a perda da paz espiritual. Agora existia entre eles um conflito para ser dirimido em um foro injusto sob o comando de um mal consciente. E, em um crisol de dores, teriam que compreender todos os valores da soma do mal praticado.

“Depois disso, Adão chamou a sua esposa pelo nome de Eva, porque ela havia de tornar-se a mãe de todos os viventes. E Jeová Deus passou a fazer vestes compridas de peles para Adão e para a sua esposa, e a vesti-los. E Jeová Deus prosseguiu, dizendo: “Eis que o homem se tem tornado como um de nós, sabendo o que é bom e o que é mau, e agora, a fim de que não estenda a sua mão e tome realmente também [do fruto] da árvore da vida, e coma, e viva por tempo indefinido —” Com isso, Jeová Deus o pôs para fora do jardim do Éden para lavrar o solo de que tinha sido tomado. E expulsou assim o homem, e colocou ao oriente do jardim do Éden os querubins e a lâmina chamejante duma espada que se revolvia continuamente para guardar o caminho para a árvore da vida.”

Pode-se notar que a raiz do mal havia sido definitivamente enterrada em baixo da árvore proibida. Foi ela quem revelou para a mulher que o bem não era perene e nem se harmonizava com uma liberdade absoluta. Foi neste instante que se criou a lei que viera mais tarde, como teoria, ser atribuída a um cientista moderno. O homem pôde experimentar outro gosto, virar a moeda para entender seu valor real. E saber que uma existência plena só seria capaz depois de conhecer sua total potencialidade para o bem e para o mal.

O mundo do eterno descanso se transformou em luta diária, agora o homem precisava trabalhar para comer, e a mulher seria maldiçoada eternamente por gerar filhos que poderiam ser bons o maus, uma vez que em sua essência criadora existiam as duas fontes. O bem e o mal.