Sobre o Amor

Poucos sentimentos humanos são tão paradoxais e intenso quando esse. Motivo de livros e ensaios, tema de contistas, poetas e trovadores em todos os tempos. Certo é que sua concepção teve algumas mudanças, antes os gregos o dividia em várias partes, das quais destacam-se Eros, que é o amor na sua forma erógena, seria nosso equivalente a paixão, Philos, que por sua vez é o amor fraternal, é o amor que nos mantêm unidos e Ágape, o amor dos amores, por assim dizer, o amor mais sublime de todos e intenso, que não tem fronteiras, o amor atribuído aos santos. Nossa sociedade, usando uma expressão de Bauman, líquido moderna, uniu estes três tipos de amor e criou um único, provavelmente por isso o amor tornou-se algo tão simplório, algo que se diz como se falassemos algo trivial, muitas vezes sequer o sentimos, mas usamos para dar um certo coro no discurso.

Mas no fim, o que seria amor? Eis uma pergunta que desde tempos muito idos se fez, e que repercute até hoje, muitos falam frases prontas, como "o amor é algo que nos une", ou então, "o amor é sentimento de liberdade mútuo que damos ao outro e que o outro nos dá", "amar é sentir-se bem com o outro, aceitando-o como ele é" e por aí vai, ninguém nunca disse, pelo menos nunca ouvi dizer "amor é o sentimento que me prende a outrem", ou "é o sentimento que entrego a apenas uma pessoa", todos os grandes mestres e sábios disseram "amem uns aos outros", e francamente concordo plenamente com eles, mas muitas pessoas não falam isso por dar um sentido promíscuo ao dito, nem o fazem por terem tal coisa como sendo impossível, realmente é muito difícil, pouquíssimos conseguiram.

Francamente, penso que amor é o sentimento universal que nos conecta uns aos outros e com a natureza, independente de quem o outro seja, visto que o amor por ser um sentimento não se nutre do lixo do preconceito que por sua vez se atrela ao racional. Podem me dizer "amo somente aqueles que me são semelhantes", por mais lógica que essa frase seja ela não reflete o amor real, mas sim o amor que passou pelo crivo da razão e por aval deste disse "ame este e não aquele, por X motivos". Uma coisa que venho aprendendo com o tempo é que não somos somente pensar, o sentir é parte integrante de nós, a vontade de socializar, que embora alguns não tenham tão bem delineados em si, é nato ao homem. O mais misantropo dos homens no fim quer ser aceito e ter laços, por mais que ele diga que não. Mas o pré-conceito muitas vezes nos priva de amar aqueles que nos são estranhos.

Muitas vezes penso que o homem não feito para amar, visto ele sequer saber expressar isto e por atrelar um sentir ao pensar, quando na verdade ambos devem existir de modo desvinculado, até que se tenha um motivo para haver uma união, como por exemplo, amamos uma pessoa que pouco, ou não conhecemos, e esta pessoa nos magoa de forma profunda, para com este é salutar atrelar o pensar, visto evitar novos traumas, mas não se deve generalizar e repudiar todos aqueles que nos são estranhos, até por que é insensatez querer tomar o todo por um mero caso. É, falando a grosso modo, nutrir um preconceito (negativo).

Voltando ao conceito que tenho, não vejo como sendo lógico querer entregar um sentimento, que fora feito para ser universal, a uma só pessoa, quando há muitos outros necessitados de tanto. Por isso não creio no amor conjugal, que depois de pouco mais de 5 anos, em média, tem fim, minguando não somente Eros, mas também Philos, os que se mantêm por décadas ou até morrer com uma só pessoa, entregando tudo ao outro, talvez tenham sentido Ágape, que por sua vez mantém a pira acesa por tanto tempo, mas como esta forma de amor não é para todos, por isso, a meu ver, o fogo da paixão e a sublimação do amor com o tempo pereça. Quando chega a este ponto o melhor é cada um ir a seu canto, pois tentar reavivar algo que já fora extinto só gera duas coisas: perca de tempo e frustração.

Há estudos que provam que uma pulada de cerca esporádica ajuda a manter o casamento com a mesma empolgação, conheço muitos homens que me disseram que somente estão com as esposas até hoje por terem uns casinhos fora a parte. Querer atribuir a isto a desculpa de que o homem desde muito tempo tem esse comportamento, para mim soa um tanto machista, visto que em algumas culturas havia a poliandria (uma mulher para mais de um marido). O que houve foi uma destruição deste comportamento e uma estimulação do traição por parte do marido. O Código Napoleónico permitia ao homem ter mais de uma mulher enquanto se a mulher fizesse o mesmo seria duramente punida. Passados os anos este comportamento continua praticamente imaculado, e a mulher impregnou a si, como sendo originária a sua natureza mais primitiva, o fato de dever ser fiel e aguentar os abusos do marido, idéia das mais estúpidas para mim.

Defendo com unhas e dentes a total liberdade para ambos poderem amar, sentir e se apaixonar por quem tiverem afinidade, desamarrando o nó que tanto prenderam as mulheres nos adobes dos tempos. Amar inclui ser livre para sentir isso sempre que este sentimento bater a porta, e um casamento, uma mera aliança colocada no dedo nunca deve ser superior a este sentimento, pelo contrário, deve ser de pronto derretida quando nada mais se sente, ou quando o que se sente não é mais suficiente para manter uma relação onde o amor é um instrumento egoístico e se atrela a possuir o outro, desvirtuando assim o próprio conceito de amor. Afinal de contas amor não é somente aquilo que vemos nas telas de TV ou cinema, amor inclui Eros, a paixão, a excitação, e temos o total direito de degustar de tal sentimento, assim como Philos, que nos faz querer estar com os outros. Somos seres que buscam a felicidade, via de regra, querer estagnar-se em algo que não gera nada salutar é o mesmo que ter uma doença curável, mas permitir que ela destrua todo o organismo.

Podem me chamar de libertino, até me agrada tal adjetivo, mas pergunto a vocês que estão a me ler, quantas pessoas estão infelizes e frustradas num relacionamento? Muitos se separam em poucos anos, ou menos que isso por N motivos, enquanto que se ambos tivessem liberdade para sentir aquilo que há de mais belo e puro, haveria uma chance para a perduração da união. Concordo que unir-se a outrem para constituir uma família é salutar e preciso, mas como se sabe somos seres em eterna transitoriedade, nossas vontades e desejos mudam a toda hora. Sempre ouço as pessoas dizerem "me arrependo de ter me casado", "me arrependo de não ter feito tal coisa", como também ouço o oposto, somos os únicos responsáveis por aquilo que acontece conosco. Muitas vezes nos impossibilitamos de fazer certas coisas com medo de ferir o outro, o que é justificável, mas o que há de tão grave em se ser livre para provar, para sentir e para amar outros (as)? Todos somos livres para fazermos aquilo que nossa consciência nos permite. E esse sentimento de mágua e um aperto que nos bate não é nada mais que o sentimento de posse nos afligindo. Rebaixamos o sentimento mais belo de todos a um mero sentimento de possuir, de ter, de, por assim dizer, adquirir, como se o outro fosse nosso, um mero instrumento que está dentro de meu domínio e que ninguém pode tocar. Prefiro ser chamado de libertino, de doido e afins, do que ter um pensamento tão estúpido deste.

O amor foi feito para ser sentido, aproveitado e abraçado sempre que nos bate a porta, não importando em quais dos três tipos seja, nascemos para sermos felizes, tudo aquilo que nos frustra, nos castra e tolhe deve ser removido de nossa vivência sempre que possível. Criamos o pudor, o sentimento de possuir o outro, a vergonha, o recato e tantas outras coisas inúteis, mas fica a pergunta, todas essas coisas nos fazem ser felizes? Podem dizer que é ruim com elas, mas pior sem, aí entra outra pergunta, como saber se é ou não pior? Não sei a resposta, mas sei que vale a pena tentar, como diz sabiamente Schopenhauer, se queremos conhecer algo olhemos com nossos próprios olhos. Degustemos do vinho para saber que gosto tem.

J 4/05/10