BREVE ESBOÇO DE ENSAIO SOBRE A VERDADE DO OUTRO

Nos textos imediatamente anteriores estive a falar da verdade, assim mesmo, com inicial minúscula, para distingui-la da Verdade, com inicial maiúscula, de teor universalista, Verdade sobre cuja existência tenho sérias dúvidas, para não dizer que dela descreio quase por completo.

Muitos indagarão: Então, você não crê em uma Verdade única, algo que valha para todos?

Tema espinhoso este, deveras, aberto a toda polêmica e também a muita prévia reserva e incompreensão. Apesar de cônscia dos riscos inerentes a tal afirmação ouso dizer: Não, não creio em Verdade Universal, sou ninguém para afirmar o que quer que seja em seu nome. Evidentemente, não me refiro aqui a Princípios de natureza ético-moral como o que diz : "Todos os homens são iguais perante a lei." ( claro, estou me referindo ao princípio abstrato, não à sua aplicação no real que aí, tal princípio muitas vezes é letra morta). Talvez aí tenhamos um Universal, de todo modo em termos relativos, porque não existe nem corresponde a qualquer realidade em uma sociedade escravocrata, por exemplo, na Grécia clássica, para citar um exemplo "clássico".

Entâo, volta a necessidade de especificar o porquê da minha não crença sobre a Verdade como conceito universal. O campo mais fértil e polêmico seria abordá-la, a esta minha não crença, a partir da questão da religiosidade. Não pretendo enveredar por este caminho, que isto abriria um campo de discussão inglório e sem fim. Prefiro abordá-la a partir de um conceito corrente no senso comum sobre os relacionamentos amorosos, que diz: "Não se pode amar a duas pessoas ao mesmo tempo."

O próprio teor da frase pressupõe um consenso, uma norma, em resumo: pretende-se um universal. Agora, imaginemos a seguinte situação: uma mulher casada ama profundamente seu marido e ao mesmo tempo afirma a existência de um amor platônico presente há muitos anos em sua vida, por um homem que ela não vê mais que duas ou três vezes por ano e sempre na companhia de outras pessoas. Diante disto, só nos será possível afirmar que, considerando-se a Verdade com inicial maiúscula, que diz não se poder amar a duas pessoas ao mesmo tempo, um dos dois amores da referida mulher só pode ser falso, ilusão ou coisa equivalente. No entanto, se a inquirirmos, ela nos dirá, com a mais absoluta certeza e segurança: "Amo os dois." Diante disso, em nome de que legitimidade contestaríamos a sua afimação? Afinal, trata-se de questão de fôro íntimo, ela fala em nome de sua legítima verdade pessoal, que não cabe na norma aceita como um universal.

É apenas um singelo, singelíssimo exemplo da complexidade que, a meu ver, envolve a questão da verdade e da Verdade. Claro, este esboço para um possível ensaio não pretende mais que isso: ser um esboço mínimo e sem qualquer tipo de pretensão para ilustrar minhas dúvidas sobre a existência de Verdade com inicial maiúscula.