CONFISSÃO AMOROSA NÃO É POEMA
Indica-me a autora, confreira do Recanto das Letras – Site para Escritores, o texto que segue, para que eu o usufrua, e, eventualmente, emita a minha análise.
“INÚTIL SENHA
Silvia Regina Costa Lima
E nas noites informes,
é no silêncio da alma
que digo o teu nome.
Eu sei que as palavras
(completamente fartas)
são poucas...tão gastas
e, assim, eu as retenho
lá no fundo da mente
como uma inútil senha
que não sabe mover -
abrir o sonhado cofre.
Sofre demais o meu ser
(em veemente cantilena)
a querer o impossível
enquanto a tua alma,
friamente distante,
dorme serena,
tranquila,
- calma -
e salva...
Publicado no Recanto das Letras em 19/04/2010
Código do texto: T2206291”.
Lido, consumido, de pronto parto para o exame textual.
Eis um texto prosaico, doce e deliciosamente amoroso, com o toque feminino da entrega espiritual e harmoniosamente platônica. A prosa, escrita em versos, pretende que seja vista como poesia.
Tentando o poema (que é a materialização do gênero poesia, na contemporaneidade), a experiente autora deste Recanto intitula bem o texto, utilizando o recurso formal característico da linguagem poética, o de antepor o adjetivo ao substantivo: INÚTIL SENHA.
Porém, no decorrer do escrito há somente uma METÁFORA e nenhuma qualquer outra figura, portanto, não se trata de Poesia, sequer de Prosa Poética, porque ambas se denunciam pelo uso de figuras de linguagem.
Aqui o confessional da autora descreve os seus sentimentos de posse e perda, e pretende que o seu Amado se digne a "abrir o sonhado cofre", que é o único verso em que a Poesia perpassa, porque presentes elementos criptografados, codificados como "quase-poesia", porque verso solto nesta linguagem. Os outros versos são prosaicos, não metafóricos, portanto.
Em poesia não há linguagem direta, ou seja, a Poesia não diz, apenas sugere ao leitor através da metáfora e outras figuras...
O confidencial (personalíssimo) que se apresenta na peça literária se assemelha em muito à dita poesia (com pê minúsculo) a que estamos acostumados no dia-a-dia, feito e consumido pelos leigos em Letras, sensíveis diletantes que têm a pretensão de vir-a-ser poetas.
Atualmente, pela singularidade e imediatidade da internet, fica muito fácil o escriba se comunicar com os leitores, sem custo e sem esperas de editoração. A “inspiração” toma corpo e diz a que veio, num átimo...
Resta produzida a comunicação do que perpassa no coração intimista daquele que confessa as dores do amar. Não há universalidade, não tem por destinatário a criatura humana como um todo, e só aproveita ao EGO do declarante. A necessidade de comunicação criou um texto dulçuroso, como tudo aquilo que provém do sentimento amoroso, com o frescor das ausências e a significativa idealização do que não se tem nas mãos...
A plenitude sentimental construiu o amado no inconsciente da memória e agora o joga no plano dos fatos literários, vívido de esperanças lúdicas do amar. Neste plano tudo é possível, inclusive somatizar abraços tidos ou nem havidos, muitos beijos, e, por que não, os jogos íntimos de alcova?
Porém, o sofrimento da criatura minimizou-se. O ideal desceu ao plano do real. A emoção e a intelecção cumpriram o seu papel. Está posta a garatuja, o embrião do futuro poema...
Tecnicamente, no entanto, não se trata de POESIA e nem se pode classificar o exemplar em estudo como tal. O que temos, então? Um exemplar do mero RECADO DE AMOR sem a delação do destinatário, o qual se encontra dentro do coração da autora, vivendo ali, enclausurado no emaranhado dos sentimentos.
Porém, vale como exercício de fundo e forma. Ganha-se em experimentação, no feliz mas difícil trato com o mistério da Palavra... Não somos nós que escolhemos a Poesia, é ela quem nos escolhe, como quer Mario Quintana.
Construir o poema (com Poesia) é tarefa reservada a poucos eleitos pela persistência...
Sempre é bom lembrar de que não adianta o autor se pretender Poeta, se o leitor ainda não o reconhece como tal. É este pólo da relação literária que vai ser o arauto da boa-nova: há um novo mago na praça dos desejos, um antevisor do futuro!
– Abram alas aos sonhos de reconstrução do mundo!
E curiosamente tudo começa pelo humilde universo da Palavra. Este é o inequívoco gládio do anjo exterminador...
– Do livro DICAS SOBRE POESIA, 2009/10.
http://www.recantodasletras.com.br/ensaios/2212491