Como Serão Os Contos & Histórias Juvenis Neo-Pós-Modernos

A "Gata Borralheira" vivia um imaginário virtual onde preservava sensações que a faziam sentir-se princesa dos currais da música caipira (trovadoresca) da Corte dos latifundiários da Távola Redonda e dos saraus camponeses. Gostava de ser chamada de cachorra e comportava-se como uma cadela, por que, afinal, nasceu para ser pasto dos lobos do castelo do medievo e no apartamento atualizado, bundalelê, do colarinho branco. E gosta disso. E ama sua destinação virtualizada, ora representando no salão de beleza, da onde salta para a cozinha gordurosa. Das roupas de ouro e seda, para as vestimentas de uma família trapo.

Ela, hoje, sabe defender-se no mundo real, mas é possivelmente incapaz de afirmar direitos e cidadania. Como poderia ser cidadã e ter direitos se pertence à realidade virtualizada pela tv, pela Internet, pelas mídias, pelas novelas e personagens dos desenhos animados e os personagens das novelas, com os quais está inconscientemente identificada?

A Borralheira medieval possuía muitos pontos em comum, e os também distantes, com a Cinderela moderna. A mãe não mais assume o papel de vaca dadivosa, com os úberes cheios de leite para alimentar a filhinha. Não. A "Gata" atual não alimenta a filha para que a força de gravidade não puxe logo para baixo os seus seios reais (e os virtuais), que devem ficar durinhos o maior espaço de tempo possível. Do contrário, como poderá continuar sentindo-se desejada?

No conto medieval a lareira simboliza a mãe. A mãe que representa ao mesmo tempo o fogo da vida e as cinzas. Antigamente as crianças e as adolescentes desejavam uma volta ao colo materno quando se sentiam desapontadas pelo pai. A Borralheira medieval e a moderna pranteiam a perda da mãe, dos sonhos, da bonança do imaginário das relações que poderiam ter com o pai. Estas interpretações freudianas das Cinderelas, antigas e modernas, são aspectos do desejo e da ansiedade edipianas das meninas e adolescentes. De ontem, de hoje.

Quem disse que as filhas da modernidade têm pai ou mãe? Como podem seres virtuais ter pais biológicos? Todas sofrem da ansiedade de castração. O medo da menina e da adolescente de ter perdido, por não ter sido boazinha, o pênis, se confirma quando se olha no reflexo do espelho, deseja aquela parte que lhe foi subtraída por castigo. Enquanto os meninos e adolescentes têm medo de que um dia venha a lhes acontecer a mesma coisa. E quando eles olharem aquele apêndice entre as pernas (surpresa!) ele possa um dia sumir. Se é que tem alguma utilidade de promover orgasmos reais.

Outra vez a pergunta: seres virtualizados pela propaganda consumista do senhor Mercado podem sentir medo da perda seja lá do que for? Em tempos passados Cinderela poderia ter uma madrasta, hoje, até uma companheira ingrata, perversa, ela gostaria de poder ter para ajudá-la a vencer a fera da solidão. Não é a mãe ou a madrasta que nos dias de hoje faz companhia à filha adolescente. Ninguém providencia alguma promessa de felicidade à filha da propaganda consumista do senhor Mercado. Suas amigas estão na telinha, ela torce para que vençam a luta contra a bruxaria das personagens femininas contrárias a seus interesses. Muitas das vezes inconfessáveis.

Quem lhe exige trabalho duro e uma alienação total de suas melhores possibilidades são as exigências cruéis e insensíveis da vida virtual que as mantêm "espertas", prontas para faturar seu príncipe desencantado, seu Xavier, ou seu namorado. Qualquer pessoa que possa ter condições de chefia, no lar, no bar, na fábrica, na enxovia, capaz de poder dá-lhe um tênis defeituoso em troca de um beijo na boca, e fazê-la penetrar no baile do Príncipe ou da Princesa encantada do dono da padaria do bairro. O sonho acabou mesmo? Não há mais imaginário capaz de fabricar um Príncipe maquiavélico (des)encantado?

Que experiências poderão as adolescentes do Terceiro Milênio vivenciar, para que venham a compreender o que significa amor, respeito próprio e mútuo, cidadania, direitos, auto-estima, autoconfiança? Que adolescente poderá acreditar, se for educada para isso, que faz parte de uma coletividade que não a virtualiza? Se a realidade dos processos sociais de virtualização são mais fortes, perversos e impiedosos que os Príncipes, reis e as Cortes do medievo?

Quem vai ser pioneiro na criatividade de escrever novos contos e histórias infanto-juvenis, para uma nova geração sem pai nem mãe? A afirmação mais atual hoje do que ontem, verbalizada de modo veemente pelo Prêmio Nobel de Física Max Plank, vale repetir até seu aprendizado pertinente com o objetivo urgente (urgentíssimo) de mudar pensamentos e sentimentos da neo-pós-modernidade cromagnon: "O maior perigo da atualidade é representado pelas pessoas que se negam a admitir que a época, ora em fase inicial, é um organismo definitivamente diverso do passado."

Os contos de fadas e histórias infanto-juvenis também terão de sê-lo.

DECIO GOODNEWS
Enviado por DECIO GOODNEWS em 21/04/2010
Reeditado em 26/08/2023
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