Deixas Solitárias - VI

A complexidade do envolvimento pessoal é extremamente sério. Partindo de supostos parâmetros para que pessoas próximas possam viver com certa tranqüilidade, busca-se estreitar atitudes, como que conduzindo para um melhor caminho, sendo que nem sempre é isso o que essa pessoa realmente deseja. Sem querer passar por figura filosófica, mas esse é um contexto extremamente complexo, & me parece que o caminho mais ajustado é o da neutralidade, uma vez que, supondo achar que este ou aquele é o melhor caminho, podemos induzir alguém a tomar atitudes, que mais tarde podem pesar desastrosamente no inter-relacionamento. É certo, que a grande maioria das pessoas buscam influenciar a vida daqueles que se encontram próximos, principalmente se seus laços são vinculados com parentescos, entre outras ligações afetivas. E o que menos se coloca, na maioria das vezes, é mais de um parâmetro para que essa pessoa possa por livre iniciativa escolher o melhor caminho a seguir. Influenciar outrem, sobre todas as formas conhecidas, seja em causa própria, seja por motivar uma suposta melhora de inter-relacionamento, seja para uma mudança de atitude, mesmo que radical, é uma constante entre todas as pessoas. Manter-se na neutralidade, mostrando apenas que existe mais de uma alternativa, é, supostamente, muito mais difícil, uma vez que todos, quase sem exceção, gostamos de influenciar aqueles que nos são próximos.

São inúmeros os casos de influência, seja dentro de sua própria casa, no seu trabalho, na escola, até mesmo em seus momentos de lazer. Se você está vestindo uma cor que não agrada àquela pequena maioria, se você está usando um decote abusado, ou se você tem cabelo comprido, se você faz o trabalho com a mão esquerda, ou mesmo a direita, se começou por um lado, quando deveria ser do outro, se sua casa tem uma TV grande ou pequena, se você tem filhos, ou nunca quis, se você fica até mais tarde no trabalho, ou se passou mais de uma semana sem ver os seus pais, & por aí segue. Não são somente sobre grandes atos ou atitudes que as pessoas procuram influenciar a sua vida. Esse desejo quase premente se mostra nas pequenas coisas do dia-a-dia, como se você se visse obrigado a agir & pensar como a grande maioria, sem ter vontade própria. As pessoas olham para você como se você fosse aquele garotinho ou garotinha, com tenra idade, & sem discernimento para decidir se deve andar rápido ou devagar, ou se é melhor vestir uma blusa mais grossa, porque parece que o tempo vai mudar a qualquer momento.

E o mais engraçado é que, mesmo atingindo uma idade onde deveriam deixar seguir os seus próprios passos, cometendo os erros que lhe desse na cabeça, você é cobrado por uma responsabilidade que não pediu a ninguém.

É como se você estivesse tranqüilo em casa & alguém viesse falando que estava na hora de arrumar uma namorada. Você escuta tanto essa ladainha que até acaba arrumando uma. Depois passam a falar que tem que noivar, casar, ou coisas do gênero. Uma cobrança insana, até que você de novo se propõe a casar ou pelo menos a viver com alguém em definitivo, ou por um tempo. Aí vem a cobrança por filhos, um, dois, porque um é pouco, um novo carro, maior talvez, uma nova casa...

Se você não parar para pensar, & seguir a diante com toda essa cobrança, passada a maior parte da sua vida, você vai perceber, quase no fim que foi manipulado a vida inteira.

Lógico, que se você se revoltar no começo, ou mesmo, no meio do caminho, será visto com um estranho dentro dessa suposta sociedade.

Onde foram parar as suas vontades? Onde foram parar os seus sonhos?

Não é de se estranhar que muitas pessoas hoje procuram ter seus recantos isolados, mesmo tendo relacionamentos afetivos com outras pessoas, mas mantendo um mundo à parte, só para eles, para que possam respirar todo o ar de liberdade que a sociedade, a própria família, & mesmo os supostos amigos tentam lhe impor de uma maneira ou de outra. Acredito, que há alguns anos atrás, tenha já escrito sobre isso, não sei precisar a quanto tempo, & que, mesmo com todos os avanços, sejam tecnológicos, sejam de relacionamentos, seja de conhecimentos, as pessoas ainda buscam na interferência, essa é a principal intransigência, gerir os destinos dos outros.

Chega a ser bisonho que dentro do círculo de amizade &, mesmo, de parentesco, ainda tenhamos esse tipo de interferência.

É certo também que temos uma péssima influência dos chamados meios de comunicação com um constante serviço de desinformação, com uma constante deformação de caráter, & que procura mostrar somente aquilo que lhe é mais conveniente & pertinente, & que somado a ignorância generalizada só poderia redundar em mecanismos de interferência nas inter-relações. Um processo sistemático onde vigiar & punir é a variante mais ajustada dentro do conceito de inter-relacionamento. Costumes & movimentos politicamente corretos para se alcançar uma melhor definição de se viver em sociedade. E o que fugir disso pode passar a denominação de transgressor da ordem pública.

Mas, se por um lado você sair defendendo idéias contrárias, contra-atacando esse sentido de interferência, todos os demais sairão se defendendo, como que em momento algum querem interferir nas suas decisões. Apenas se colocando dentro de uma posição, para que você não faça papel de idiota & não seja prejudicado, afinal gostam de você & só querem o seu bem. E a conversa vai sempre versar por esse lado, para que você se valorize. Mas qual é o seu real valor? Aquele que você tem em sua própria conta, ou aquele que essa sociedade insiste em lhe aferir? Isso é, sua opinião, para eles, talvez não tenha peso nenhum, & eles sim, é que estão com a razão. Qual razão? Algo que você não tem direito de decidir.

Peixão89

Deixas – 1998-2000

Peixão
Enviado por Peixão em 14/04/2010
Código do texto: T2197142
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