A REALIDADE DOS TRABALHADORES NO CONTEXTO DA REVOLUÇÃO INDUSTRIAL

O período que antecede à Revolução Industrial revela um tempo muito atrasado, quando o mundo em muito se assemelhava a uma pequena aldeia cheia de contrastes, misérias, abandono, exploração e mais uma gama de coisas ruins que afetavam diretamente a vida das pessoas.

Esta similaridade entre mundo e aldeia mostrava um quadro geral onde a fome grassava muito fortemente – ante o descaso das autoridades e da nobreza – em meio à classe trabalhadora, desorientada, maltratada e excluída da sociedade.

E por não haver organização, mesmo alguma centelha, é que essa classe trabalhadora vivia em condições indignas para pessoas que também eram responsáveis pela geração de riquezas – senão os principais responsáveis pela geração de novos recursos e empreendimentos por toda a Europa. No entanto, os trabalhadores não gozavam daquilo que era fruto de seu trabalho e, sequer tinham direito a uma alimentação decente que lhes revigorasse a força para o melhor desempenho de suas funções.

As autoridades, então, maquilavam as estatísticas que mostravam um bem-estar fictício contido na vida dos trabalhadores quando, na verdade, passava-se muita fome, bem como outras necessidades do dia-a-dia. Assustadoramente crescia o número de famintos a cada dia sem que nada ou pouco se fizesse para debelar tal situação.

SISTEMA DE LOCOMOÇÃO

Havia nesse período dificuldades de locomoção e as pessoas eram, em grande parte, gente iletrada, ignorante, que não se interessava por aprender pelo fato de achar que não precisava de leitura para sua sobrevivência em um mundo muito pequeno. Esse mesmo mundo ajudava, então, a partir de ideologias largamente disseminadas, a perpetuar tal situação de marginalização de uma boa parte da população, que pouco se locomovia dadas as situações de dificuldades variadas.

O sistema de transportes era muito precário e viajar a qualquer parte do país “era absolutamente fora do comum” (Hobsbawm, 1997, p. 25) não havendo, portanto, grande fluxo de pessoas se deslocando de um lado para outro. O meio de transporte neste tempo era similar aos atuais na forma como o Povo o usava.

Trabalhadores se deslocavam através de transportes sempre cheios, abarrotados de pessoas as mais variadas, ao passo que os detentores do poder, os ricos e a Igreja tinham seus meios próprios e particulares de empreenderem suas viagens, geralmente sem nenhum aperto e sempre com algum conforto para a realidade da época.

Ainda neste período, segundo Eric Hobsbawm, as notícias demoravam em se tornarem conhecidas. Chegavam às pessoas por intermédio de outras que estavam em trânsito; através de mercadores, de canais oficiais do Governo ou ainda da Igreja por meio de seus documentos. Vivia-se em um mundo essencialmente rural onde quatro de cada cinco habitantes eram camponeses.

Apesar de serem maioria os camponeses viviam de forma precária e em estado de servidão, “que dedicava uma enorme parte da semana ao trabalho forçado na terra do senhor ou o equivalente em outras obrigações” (Hobsbawm, 1997, p.30). Tal quadro ainda está presente nos dias hodiernos - com novas e outras roupagens, bem visíveis - que deixa poucas alternativas para o trabalhador quando este luta pela manutenção de seu emprego e não mais por aumento de salários como outrora acontecia a partir das grandes greves na vida nacional, na região do ABC paulista ou ainda noutras partes da Europa, principalmente no final da década de 1970.

E para mudar o quadro ou humanizá-lo é que a Revolução Industrial surge com muita força modificando todo o sistema produtivo na Europa, conseqüentemente, no resto do mundo. Só que um lado da questão soube colher melhor os frutos, amealhando-os, em detrimento da outra parte que não logrou muito êxito na melhoria de vida a partir do ideário propagado pela dita Revolução: os patrões, que de ricos passaram a mais ricos à custa do trabalhador pobre, cada vez mais miserável e discriminado, incluído enquanto peça-chave no processo produtivo e excluído dos lucros e ganhos da fábrica.

Depois de certo tempo, baseada na trilogia de liberdade, igualdade e fraternidade desponta a Revolução Francesa, empurrada pela pequena burguesia e trabalhadores descontes.

Esta Revolução terá a missão principal da quebra dos grilhões impostos pelo carcomido sistema feudal, cujas relações entre patrões ou senhores com seus subalternos eram de verdadeira escravidão, desumanidade e humilhações aviltantes

Com o advento da Revolução Industrial a vida da classe trabalhadora não melhorou como se poderia esperar ou deveria ser.

Pelo contrário, a classe trabalhadora continuou a ter o mesmo modo de vida (em alguns casos até piorou) anterior às máquinas e mudanças patrocinadas pelas idéias disseminadas pela Revolução que se propunha trazer mudanças em um cenário de explorações por parte do patronato.

O fosso social que já existia entre ricos e pobres se aprofundou, criando-se um clima de revolta entre o operariado que reagia depredando o patrimônio de seus senhores.

Demoraram os operários, a perceber que teriam de usar de outros tipos de protesto para fazer valer seus direitos, cada vez mais diminuídos por aqueles que só queriam sorver o sangue do operariado sem se incomodar com o nível de vida íngreme que os jornaleiros eram obrigados a suportar.

Começariam a perceber não serem as máquinas o motivo de sua derrocada, mas, o sistema que lhes estava sendo cruelmente imposto por aqueles que queriam o lucro a todo custo, mesmo que isso tivesse que custar a vida a qualquer preço.

Há de se pensar como era o ambiente na fábrica e como se comportavam os trabalhadores mediante toda aquela situação, para eles completamente nova. O relacionamento do operário e sua família, ruim muitas vezes, como fruto da realidade da fábrica que só impunha humilhações, deteriorava-se.

O Senhor e o Capataz não queriam saber o que se passava no meio familiar do trabalhador, dele só queriam que desenvolvesse sua tarefa, dando assim sua parcela de lucro para fazer jus ao seu mísero e suado salário.

O SISTEMA EDUCACIONAL E O TRABALHO INFANTO-JUVENIL

Era de conveniência do novo sistema de produção manter os trabalhadores fora da escola, até para que pudessem trabalhar mais e sem nível de escolaridade algum seriam pobres e ignorantes, presas fáceis e desconhecedores de seus direitos e sem muito poder de reivindicação – parecidos atualmente com os agricultores em regime de economia familiar.

Com o surgimento das máquinas o que poderia ser melhor ficou pior, pois os trabalhadores tiveram que acompanhar o ritmo dessas máquinas, cada vez mais acelerado. E esse ritmo impôs uma jornada muito pesada aos trabalhadores que tinham de desenvolver sua capacidade laboral em um prazo estipulado entre quatorze ou dezesseis horas sob as ordens e vistas intransigentes da figura odienta do capataz, capacho e sequaz do novo sistema e, quase sempre ele próprio também um explorado pelo seu patrão insensível que sempre o engambelava com promessas pouco cumpridas.

De repente alguns levantes surgiam, focos de insatisfações promovidas por trabalhadores descontentes que se juntavam às pessoas de outras classes para manifestarem seus desconsolos. De pronto eram brutalmente reprimidos e os líderes da insurreição trancafiados como se tivessem cometido crimes e barbaridades contra a Ordem estabelecida e o Estado.

Além de não haver facilidade para o ingresso dos operários ou de seus filhos no sistema educacional os trabalhadores ainda tinham que passar pelas qualificações exigidas para que desenvolvessem algumas atividades específicas em seu ofício.

Afora as humilhações a que era submetido o “operário tinha que aprender a trabalhar de uma maneira adequada à indústria, ou seja, num rítmo regular de trabalho diário ininterrupto...” (Hobsbawm, 1997, p. 67).

Tinha o trabalhador que se ajustar ao formato do sistema, adequando-se à rotina massacrante da fábrica e das exigências impostas pelos patrões sem qualquer remorso de consciência.

Caso não se encaixasse no sistema havia um elenco de punições reservadas a qualquer trabalhador rebelde que iam desde simples multas até mesmo castigos físicos.

Mas recorrer à Justiça contra qualquer arbitrariedade do patronato não era visto como coisa fácil e que fosse dado ao trabalhador tal direito como parte de sua cidadania. O operário até que podia reclamar nos tribunais os seus direitos, todavia, era difícil vencer qualquer causa, dado o fato de os juízes quando não eram eles próprios os patrões, grandes latifundiários que não viam as reclamações dos trabalhadores, eram amigos dos donos das fábricas.

Estes se cercavam de bons e caros advogados. Os trabalhadores, além de recorrerem a tribunais que nem sempre lhes dava direito, não tinham como pagar defensores que tivessem simpatia por suas causas ao ponto de implementarem defesa pelos direitos dessa gente. O trabalho de mulheres e crianças era bastante empregado. “... descobriu-se que era mais conveniente empregar as dóceis (e mais baratas) mulheres e crianças (Hobsbawm, 1997, p. 67).

Dar emprego às mulheres e crianças era melhor também do ponto de vista de facilidade para se debelar possíveis rebeliões dentro das fábricas. Laborando-se com homens seria mais difícil o controle de motins no âmbito dessas fábricas.

Usar o trabalho infantil era coisa normal, principalmente quando os próprios pais levavam as crianças para também trabalharem no intuito de com o dinheiro dos serviços da criança haver um aumento nos parcos recursos da renda familiar.

Ainda hoje em várias partes do mundo civilizado se emprega o trabalho infantil como grande fonte de lucro no processo de produção desenvolvido pelo capitalismo.

No Brasil a mão-de-obra infantil é largamente utilizada, seja no corte da cana-de-açúcar, nas carvoarias, nas casas de farinha, no sertão do País, nos lixões de qualquer grande cidade e até mesmo na colheita do sisal no interior nordestino.

A Revolução Industrial mudou a vida de todos, modificou hábitos, despertou idéias novas, novos conceitos, consequentemente, gerou a necessidade de se tomar uma nova consciência na busca de mais direitos e mantença dos poucos à época, existentes. Os ricos ficaram mais ricos e os pobres desembocaram na miséria, resvalando sempre para a morte que para muitos era o fim ou lenitivo para todo sofrimento.

A máxima da Revolução Industrial era “comprar no mercado mais barato e vender sem restrição no mais caro” (Hobsbawm, 1997, p. 69). Tornava-se difícil ao trabalhador fazer frente ao poderio e explorações patrocinadas pela classe patronal que era muito forte.

Apesar de haver tamanhas disparidades entre empregados e empregadores, nem uma voz de destaque ou peso se levantava para bradar contra as injustiças então reinantes. O nível de organização do operariado em associações ou sindicatos era ainda muito pequeno, mesmo por conta da repressão do Estado e a perseguição do patronato aos que tentavam, de alguma maneira, fazer qualquer tipo de organização acontecer sem que tivessem que pagar caro por tamanha insolência, na visão dos detentores do poder.

A ideologia transmitida pelos canais da Revolução era tão forte que as igrejas e outras instituições funcionavam como elemento hipnotizador da (in)consciência da classe trabalhadora por um lado, que pouco se organizava para buscar de fato seu direito e lutar por melhores condições de vida, e por outro lado os ricos que não atentavam para o que acontecia com os trabalhadores e pobres, sempre achando ser a vontade divida aquele estado de miséria da classe operária.

Na lógica daqueles que implantavam as idéias da Revolução Industrial o lucro era o que tinha de ser sempre alcançado, a qualquer custo. Enquanto isso “a grande massa da pobreza desqualificada das cidades continuava... profundamente devota e supersticiosa”, consoante Eric Hobsbawm e conforme ainda se pode verificar nos dias atuais nas relações capital versus trabalho.

BIBLIOGRAFIA:

HOBSBAWM, Eric. A Era das Revoluções, 10ª edição, Rio de Janeiro, Editora Paz e Terra, 1997, tradução: Maria Tereza Lopes Teixeira e Marcos Penchel.

José Luciano
Enviado por José Luciano em 07/04/2010
Reeditado em 10/04/2010
Código do texto: T2181933
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