Vale a pena?
Talvez, valha a pena falar sobre humanidade e do quanto ela é importante para a legitimidade da relação entre professor e aluno. Ambos compreendem uma série de desejos, necessidades e experiências e assim sendo não seria justo, nem humano encará-los segundo a prescrição insuficiente de um bom aluno ou de um professor dedicado. Não é adequado excluir da relação escolar, ou seja, deixar do lado de fora da escola, os antecedentes dos indivíduos que participam dessa relação, porque é a nossa história, nossa vivência em sociedade que nos constitui como indivíduos. Desconsiderar isso significaria desumanizar-nos. Desprezar os anseios de crianças, adolescentes, adultos e tentar uniformizá-los não é algo coerente com o que deveria ser a retriz da educação. É preciso que eles sejam recebidos em sua integridade humana, como sujeitos sócio-culturais, para que uma mudança realmente necessária possa ser alcançada. É preciso que atrás das carteiras estejam sentados indivíduos capazes de reconhecer a capacidade de a escola fazê-los enxergar novas possibilidades e que de costas para o quadro esteja alguém que compreenda e acredite na importância de seu trabalho.
Não se trata de acreditar na capacidade quase mágica de a escola solucionar todos os problemas sociais e nem de se deixar levar por um “otimismo ingênuo”; mas transcender o idealismo, compreender e lidar com o paradoxo que a escola encerra. Segundo Cortella (2000, p. 136), a escola teria simultaneamente uma função conservadora e uma função inovadora. Essa contradição é justificada pelo fato de a escola, como qualquer outra instituição social, ter refletidas em si características da comunidade em que está inserida. Assim, por ser parte da sociedade, ela reproduz as injustiças sociais, tornando-se um espaço de conservação do statu quo. No entanto, ao mesmo tempo, a escola possui a capacidade de enfrentar e apresentar alternativas a essas injustiças, assumindo uma função inovadora frente à situação atual.
É a partir dessa possibilidade de inovação que se pensa em educação popular, em práticas e posturas que colaborem com a transformação das classes desfavorecidas. Paulo Freire chama essas classes de oprimidas em virtude da condição social e culturalmente excludente. Tendo isso em vista, concebe-se a educação popular como uma forma de refrear essa opressão, por meio de ações pedagógicas, de atividades escolares que tenham como horizonte a inclusão social, política e cultural. Talvez, o ponto fundamental em relação à educação popular seja o intuito de promover a integração, de descortinar caminhos para que os oprimidos levantem-se e tomem parte no mundo, fazendo-se respeitar e respeitando.
Além de um horizonte, é preciso ter em vista os meios capazes de viabilizar essa inclusão. Mais importante do que reconhecer a capacidade de a escola imprimir transformações na sociedade, é compreender as ações que efetivam essa capacidade. É nesse âmbito que a conscientização e postura do educador são essenciais. Em primeiro lugar, é preciso que o professor tenha consciência do tipo de relação que ele precisa estabelecer com seus alunos. Em um ambiente em que se visa à educação popular, não cabe um confronto entre professor e aluno, mas um diálogo constante em que figure o discurso do educador mediador que valoriza, problematiza e amplia os saberes populares. Em segundo lugar, é importante que o fortalecimento das classes populares seja um objetivo que trespasse toda a prática do professor para que ela de fato possa conduzir à transformação social.
Nesse sentido, o primeiro passo para a reconfiguração dos propósitos do educador seria ultrapassar a estagnação do pessimismo, que condena a escola à letargia e à impossibilidade de imprimir mudanças conscientes na sociedade. Segundo Cortella (2000, p. 135), “o pessimismo vem por conta de sua compreensão do papel unicamente discriminatório da Escola, desvalorizando sua capacidade como ferramenta para a conquista da justiça social.” Tendo reconhecido as consequências desse pessimismo não é difícil enxergar sua ingenuidade e o quanto ele é pernicioso. É preciso vencer a imobilidade e procurar agir da melhor maneira possível, mesmo que a realidade não traduza inteiramente o que se deseja alcançar. Vencido o pessimismo paralisante, seguem os outros passos: agir e refletir. Agir a partir da reflexão e refletir acerca da ação. Uma espécie de caminho em espiral, em que a ação passada torna-se fomento para a reflexão que configurará a ação futura.
Talvez, valha a pena falar sobre humanização e do que podemos fazer para concretizá-la. Não há outra forma de alcançá-la, senão acreditando nas pessoas, na diversidade e na necessidade humana de superar problemas, de transformar-se. Os problemas e dificuldades são nitidamente numerosos e a vontade de superá-los pode parecer utópica demais, a distância entre realidade e desejo difícil de ser vencida. Na figura do educador, em seu cotidiano nas escolas, nas salas de alunos com demasiada disparidade cultural, na impessoalidade do ensino, na ineficiência do sistema escolar, essa sina torna-se bastante evidente e pode parecer assustadora. No entanto, é nesse mesmo educador e em seu conturbado cotidiano que se encontram ferramentas capazes de gerar modificações na realidade, de aproximá-la de algo mais humano. Ser educador é ter a chance de conduzir a essa mudança, de semear transformações e de alguma forma contribuir para a inovação da vida.
REFERÊNCIA
CORTELLA, Mário Sérgio. A escola e o conhecimento: fundamentos epistemológicos e políticos. 3. ed. São Paulo: Cortez, 2000. p.129-160.