ANTROPOLOGIA DO ESTADO - UM ENSAIO

Resumo: O presente ensaio procurou dar uma pequena contribuição acerca dessa nova Antropologia. Procurou entender as relações do indivíduo com o Estado e como esse é visto pelo indivíduo.

Palavras Chave: Estado – Indivíduo – Antropologia - Representação

Falar em antropologia do Estado requer, obrigatoriamente, reconhecer outras antropologias. O campo de abrangência vai desde a antropologia do capitalismo, da política, antropologia urbana, antropologia da ciência, enfim, são tantas as antropologias que, como dissemos, a gama de temas de abordagem se multiplicariam. É claro, que o presente ensaio não pretende dar conta de todas elas.

Nosso interesse será direcionado com o objetivo de falarmos, unicamente, da antropologia do Estado. Desde já, deixamos em aberto, convidamos os ou o leitor, apenas como provocação, os demais temas a escolha do interessado. Dessa forma procuramos, mesmo que sucintamente, dar uma pequena contribuição e breve interpretação dessa antropologia. E, ainda, porque as “outras” antropologias, em relação ao nosso escopo, já têm preciosas dedicações com, igualmente, preciosos trabalhos.

Preliminarmente, a antropologia do Estado era englobada e entendida como um ramo da antropologia urbana. Esta buscava, no seu objeto, as razões dos grupos e doa movimentos sociais. Se de início parecia tratar de relações entre indivíduos e estruturas hegemônicas, ou seja, a interface entre pessoas estava intrinsecamente colada numa estrutura ou rede de estruturas, que lhe conferiam sentido. E mais, os grupos assim tomados, tornavam-se, quando não desapareciam, na sua perspectiva minoritária. Isto é, eram apreendidos “como estando à margem dos grandes processos hegemônicos”, ou seja, esses processos eram entendidos como os que agem diretamente sobre o grupo ou indivíduo que, passivamente, aceitava essa influência/imposição como algo inerente à estrutura legitimada através de uma burocracia representada por uma elite de Estado.

Sem querer romper, mas buscando outras interpretações retiradas da antropologia urbana, da sociologia e das ciências políticas, a antropologia do Estado parte dos grupos e ou movimentos que se inter-relacionam, dialeticamente, com o núcleo do poder estatal.

Assim, trabalhos de Pierre Clastres, Michel Foucault, Felíx Guattari, Bruno Latour e Roland Barthes, só pata citar alguns, contribuem de maneira fundamental para o desenvolvimento dessa nova abordagem antropológica.

Todos esses trabalhos procuram demonstrar que existe um poder central que só se materializa através de uma burocracia profissionalmente racional, fragmentada e interligada a uma rede maior, que lhe dá sentido para ser portadora do mesmo sentido. Noutras palavras, é o conjunto, fragmentado e compartilhado, que unido à estrutura Estado, dá sentido ao próprio Estado. E o indivíduo, na medida em que busca esse Estado e sua burocracia, acaba lhe conferindo sentido, mesmo que, perante este, se sinta inferior, mas que só através dele é que se realiza enquanto Estado e o indivíduo como indivíduo.

Dessa maneira, a abordagem inaugurada pelos autores citados, nos autoriza a dizer que foram trabalhos e esforços interpretativos que deram à antropologia do Estado e do capitalismo um acúmulo de conhecimentos e um arcabouço teórico como ferramentas imprescindíveis para essa “nova disciplina”.

E o interesse pela antropologia do Estado é atual. Segundo Ciméia Beviláqua, ao se classificados, os antropólogos do Estado, acabam ficando, como dissemos, atrás da legenda da antropologia urbana. Porque essa se apropria dos grupos e ou movimentos sociais sendo restritos de acordo com os locais da ocorrência. O ethos condutor dessa antropologia consistia em reter os grupos e ou movimentos como um fim em si mesmo. Isto é, sua identidade era reconhecida apenas consigo mesma, ao passo que o interesse da antropologia do Estado é o que de subjetividade trazem as relações sociais entre Estado e indivíduo que poderão ser entendidas como um passo a uma objetividade, que poderá se materializar em conquistas de interesses coletivo.

O grande divisor, termo utilizado por Jack Goody, para designar trabalhos preocupados em estudar sociedades indígenas e sociedades complexas (urbanas), marca, por assim dizer, que essa separação, objetivamente em nada contribuía para o entendimento e desenvolvimento da antropologia. Pois não se tratava de uma posição dos de lá contra os de cá, apenas evidenciava posturas e procedimentos de análise, cujo objeto era tratado como um corpo uniforme e que, no qual, o antropólogo manipulava segundo seus próprios interesses.

Para referendar essa posição, o grande divisor realiza uma série de operações. O estabelecimento de uma identificação primeira a fim de mostrar a base de uma comparação. Isto é, procura comensurar elementos que se querem “unidades” para corroborar a identidade. Feito isso, dos elementos escolhidos entre aqueles para identificação “retira-se” um conjunto que seja representado por algum dos seus elementos. Observa-se no que se opõe, para estabelecer elementos que representam outro conjunto. Essa sinédoque, outra operação utilizada por essa nova antropologia, servirá de base para a desproporção. O novo elemento, o grande divisor, nessa etapa mostra uma heterogeneidade, antes renegada pela outra antropologia, que pode ser de ordem temporal. O produto dessa sinédoque será estabelecido como ordem sincrônica ou diacrônica.

A sincrônica presta mais ao reconhecimento de grupos fechados; nesse universo as relações não extrapolam o grupo. O que se observa dessas relações é que elas interessam ao próprio grupo, seja como uma proteção deste em relação ao exterior ou como a tentativa de se manter uma união capaz de permitir ao indivíduo o sentimento de pertencimento coletivo. Ou seja, não há passado ou futuro. A primazia do eterno agora como mecanismo de proteção e pertencimento, deslineariza as relações, posto que a busca de pertencimento ao grupo transmuta deste para o indivíduo, tornando-o reconhecido como tal, como grupo.

A diacrônica, ao contrário, mais aberta pressupõe relações que transbordam o próprio grupo. E o objeto que se quer entender será resultado de um tipo ideal que o grupo apresenta. Não é à toa que Weber seja muito utilizado por essa antropologia, pois se trata, particularmente de sociedades complexas, onde as interfaces relacionais “codificam” padrões e normas que se corporificam e se dirigem às gerações presentes futuras. Os três tempos passado, presente e futuro contribuem para a manutenção do todo.

Por último, no que se refere às operações realizadas pela antropologia do Estado para se firmar, destacamos que a quarta operação por ela realizada, consiste em fazer uma projeção. Das assimetrias recolhidas pelas outras operações, a projeção reconhece que há uma contextualização a ser observada e que do produto dela extraído será necessário reconhecer as diferenças dadas. Não significando, com isso, que a tal reconhecimento deverá ser à base de sua primazia, apenas será entendida como contributiva da ordem ou relação estabelecida.

Ordem que se configura como conjunto de relações referendadas pelos mecanismos da representação (política) e da lei.

O mecanismo da representação se dá escolha de representante no espectro do exercício da participação política. Assim o indivíduo e o grupo dialogam com o núcleo do poder através desses escolhidos. É o que fazemos quando elegemos um governante, um deputado ou senador, só para ficar na chamada “macro estrutura” do poder. É nas casas legislativas que nossa representação se faz. Essa representação não está imune a algum tipo de controle. A casa parlamentar, para se dialogar com a sociedade, naquilo que denota comportamentos compatíveis, ou, ao menos naquilo que parece ser a base, por parte do eleitor, o horizonte norteador da escolha, elabora seus regulamentos internos, o que comumente nos referimos como decoro parlamentar. Ferir esse preceito obriga a casa a proceder contra seus integrantes. Daí, para ficar apenas num exemplo, pode-se, pode-se instalar um processo de cassação. A lei, fruto dessa representação é o mecanismo que se procura para nortear as relações. Mas a lei não é apenas um reflexo passivo da realidade a qual se aplica, traduzindo um consenso normativo. Ela atualiza noções do que significa a ordem e contribui ao lado de outras dimensões da cultura, para a definição de um estilo de existência. Ela é, em qualquer universo social, um amálgama tanto de confusão quanto de ordem, pois, prescrevem normas de conduta como meios punitivos na transgressão dessa conduta. Nesse aspecto, se aproxima do contrato social de Rousseau.

Mas daí vem à pergunta: como se estabelece essas relações e a quais interesses representam?

Uma resposta possível e mais aceitável consiste em reconhecer que o grupo identificado como classe média é o que pode ser o determinante do equilíbrio social. Porque, primeiro, se se pensar que a classe média comporta indivíduos que não são nem os mais abastados nem os miseráveis, o equilíbrio, para a felicidade geral, se dá pela contemplação mediana dos interesses.

Tomemos como exemplo o surgimento do Imposto de Renda. Sua aparição se acontece na Inglaterra, em 1799. Funciona como um termômetro da capacidade do indivíduo de mostrar capaz de produzir para seu sustento. É, por assim dizer, a afirmação do Liberalismo econômico e político na Europa. Por ele, todo indivíduo é auto-suficiente para se manter. Sob essa ideologia o indivíduo que pagava mais imposto de renda, teria ganhado mais porque produziu mais, portanto, mais capaz. Surge, também, como forma de conter a onda de protestos populares contra o custo de vida, mas também, contra a difusão de idéias socialistas. Essas traziam, em seu ideário, a igualdade universal pura e simples, ao passo que o liberalismo defende que a desigualdade, tão atacada, é fruto da desídia de uns contra a dedicação de outros. E disso resulta uma injustiça promovida, não pelo progresso dos mais dedicados, mas da preguiça dos outros que não foram capazes dada a sua aversão ao trabalho. Porque se todos são iguais, e todos são, os que não progridem não o conseguem por sua própria culpa.

Em síntese, concluímos que o estudo da antropologia do Estado, ainda que engatinhando, se comparada, com a antropologia geral, será, e torcemos para isso, a disciplina que abrirá as portas para a compreensão, ou melhor, mais uma abordagem do indivíduo e o Estado na sua concepção holística. Pois, acreditamos que nesse século, o espaço para as dicotomias locais será superado por uma permissão e de uma nova visão acerca do Homem. Homem que, enquanto ser essencialmente político, como o personagem que se materializa na interface da sociedade e do Estado. E dessa maneira, as outras antropologias se unirão não mais para se sobreporem umas às outras, o que se seria pernicioso, mas para se complementarem para o enriquecimento do objeto final, e, diria, propulsor de tudo que nos rodeia, o Homem realmente universal.

BIBLIOGRAFIA:

- Goldman, Marcio (199) – Como se faz um Grande Divisor? in “Alguma Antropologia”

- Beviláqua, Ciméia (1998) – Imposto de Renda e Contribuintes de Camadas Média: notas sobre a sonegação – in cadernos de campo

- Beviláqua, Ciméia (2000). Notas Sobre a Análise Antropológica de Setores do Estado brasileiro – in Revista Antropológica, São Paulo, USP – v. 43 n. 2

-Teixeira, Carla Costa (1998) – Decoro Parlamentar e Cassação de mandato no Congresso Nacional – in A Honra da Política