DITADURA REVOLUCIONÁRIA E TERMIDOR

DITADURA REVOLUCIONÁRIA E TERMIDOR :

O PROCESSO DE BUROCRATIZAÇÃO DA RÚSSIA SOVIÉTICA

A TEORIA DA REVOLUÇÃO DE TROTSKY

Antes de entrarmos na discussão de casos concretos se faz necessário abordar o estudo feito por Trotsky sobre os processos revolucionários, tomando como ponto de partida a revolução russa de 1917, fundamentalmente, e que aparece de forma mais acabada na sua obra A História da Revolução Russa.

Para tratarmos da teoria da revolução de Trotsky, temos que contextualizá-la e entender o homem que a elaborou: o único marxista que esboçou sobre o tema e que o sistematizou de maneira mais precisa; ele que tinha conhecimento de causa, sendo ainda jovem a principal liderança da Revolução Russa de 1905, como Presidente do Soviete de Petrogrado, e que se configurou no principal organizador, junto de Lênin, da Revolução Russa de Outubro de 1917, na qualidade de Presidente do Soviete de Petrogrado, eleito pelo Partido Bolchevique, e organizador do Comitê Militar Revolucionário, junto com Antonov e Sverdlov, o primeiro como um dos militantes bolcheviques de maior influência nas Forças Armadas amotinadas contra o Governo Provisório de Kerensky, dos partidos “socialistas” conciliadores e da burguesia, em especial entre os marinheiros e que esteve à frente dos combates durante a insurreição de outubro; e o segundo na qualidade de organizador do partido Bolchevique, que elencava os militantes que iriam para o Comitê Militar Revolucionário e dava instruções e que seria mais tarde o futuro presidente do Comitê Executivo Central dos Sovietes. Seria Trotsky, ainda, o comandante máximo do Exército Vermelho, na verdade o seu organizador, na defesa da recém-criada República dos Sovietes durante a guerra civil na luta contra os exércitos brancos, apoiados pelo imperialismo.

Assim como na Revolução Traída, Trotsky, na História da Revolução Russa começa pela análise econômica, pelo nível de desenvolvimento econômico da Rússia czarista. A discussão, então, se inicia com a apresentação da relação da revolução russa com a lei do desenvolvimento desigual e combinado. Segundo essa lei, um país atrasado tende a assimilar as conquistas materiais e ideológicas dos países adiantados. Na medida em que o capitalismo é um sistema mundial, não é possível que todos os países passem necessariamente por todas e as mesmas etapas do desenvolvimento histórico, sendo os países atrasados pressionados a assimilar a técnica dos países capitalistas avançados, nunca chegando, porém, ao seu nível exato de desenvolvimento. Ele fará essa discussão também naquilo que se refere ao que foi o vigoroso desenvolvimento e crescimento econômico da Rússia Soviética, na década de 30, onde nos explica que o vigoroso crescimento econômico da URSS em relação aos países capitalistas avançados é que ela subia de um nível extremamente baixo de desenvolvimento, enquanto que os países imperialistas decaíam a partir de um nível extremamente elevado de desenvolvimento e isso era potencializado pelo fato de ser a URSS uma economia planificada. No entanto, tinha contra si uma baixa produtividade do trabalho, pois não tinha uma cultura do trabalho tão desenvolvida, sendo as técnicas empregadas e o nível cultural dos operários insuficientes. No caso do momento anterior à revolução, tal lei fazia da Rússia uma formação social que tinha uma configuração em que se combinava uma monarquia absolutista, uma nobreza feudal e um desenvolvimento capitalista industrial em que a indústria e o sistema bancário eram dominados pelas potências estrangeiras e que a industrialização se dava a partir de um processo de grande concentração industrial nas cidades de Moscou e Petrogrado, onde havia a maior concentração industrial e consequentemente a maior concentração de operários. Trotsky dará a esse fator demográfico certo relevo, na medida em que muitos operários juntos, sofrendo com o mesmo grau de opressão era um fator de potencial explosivo. Só para dar um dado estatístico, que ajude a ilustrar tal fato, enquanto nos Estados Unidos, em 1914, as pequenas empresas com menos de 100 operários representavam cerca de 35% do efetivo total dos operários de indústrias e as empresas de 100 a 1000 operários ocupavam apenas 17,8% da totalidade dos operários, no caso da Rússia a relação se inverte, sendo essa proporção de 41,4% e chegando nas principais regiões industriais às cifras de 44,4% em Petrogrado e 57,3% em Moscou. No extremo oposto, no que se refere à pequenas indústrias na Rússia, somente 17,8% do total de operários estavam nelas empregados.

Esse atraso do desenvolvimento econômico da Rússia também determinou o caráter da burguesia russa. Se na Revolução Inglesa, foi a alta burguesia que fez a revolução que instaurou uma monarquia constitucional, na Revolução Francesa (um século depois) teve à frente a pequena-burguesia para travar a luta contra o absolutismo e o feudalismo dentro do país e na guerra contra a Santa Aliança e completar as tarefas burguesas que estavam colocadas naquele momento para dar impulso ao capitalismo e derrotar a reação feudal, tendo sido freada em determinado momento por ir pra além dos objetivos originais traçados pela alta burguesia francesa. A Revolução Burguesa na Alemanha se deu a partir de um acordo entre a burguesia e um setor progressista da nobreza, temendo o nascente movimento operário e socialista, evitando ao máximo uma revolução com a participação das massas. A Comuna de Paris de 1871 determinou para sempre a política da burguesia diante das massas e do proletariado e delimitou de forma permanente os campos. A partir daí não era mais possível uma revolução democrática que não se desse contra a própria burguesia. O conceito de democracia se ampliou e para as massas ficou clara a democracia que defendem. O desenvolvimento do capitalismo e da luta de classes no capitalismo colocou de forma definitiva proletariado e burguesia em campos opostos. O imperialismo impossibilitava o desenvolvimento normal por etapas e colocava na ordem do dia e de forma urgente a tarefa da construção do socialismo. Isso era tanto mais verdade na Rússia czarista, em que a burguesia representava nada mais que uma oposição bem comportada e temerosa das massas. A Revolução de 1905 colocou para a burguesia o perigo que representava as massas em luta e que a organização independente dos trabalhadores já era uma realidade na Rússia e que o Soviete de Petrogrado, criado no calor da revolução, era o maior exemplo disso. Suas lideranças não eram mais jacobinos ou blanquistas irresolutos, mas a social-democracia revolucionária. A sua teoria não era mais a de Rousseau ou dos socialistas utópicos, mas o marxismo. A burguesia não podia mais controla-la como na França ou na Inglaterra, nem contar mais com o caráter vacilante de suas direções como se deu na Comuna de Paris. É claro que ainda havia esperança para a burguesia. Sempre haverá esperança enquanto houver mencheviques e socialistas-revolucionários na Rússia, que esperem que a burguesia faça a revolução que ela não quer fazer. E não a quer porque teme os elementos que pode despertar. E teme ainda mais que se coloque à frente das massas elementos semelhantes aos bolcheviques. Elementos perigosos que o czarismo não tardou em mandar pra prisão seus principais quadros e cassar seus direitos políticos, retirando sua representação na Duma, quando ensaiaram falar contra a participação da Rússia na guerra imperialista. Nesse sentido, seria absurdo supor que a revolução na Rússia se daria como nos países da Europa Ocidental. A etapa dava o signo das novas revoluções. Uma revolução, no início do século XX, só poderia ser feita pelo proletariado e a dinâmica só poderia apontar num sentido: o da ditadura do proletariado. Trotsky foi o primeiro marxista a compreender isso, enquanto os mencheviques esperavam por uma revolução burguesa feita pela burguesia liberal e os bolcheviques uma revolução feita pelas classes subalternas, que instaurariam um governo revolucionário, de tipo intermediário entre a ditadura do proletariado e a ditadura burguesa, uma ditadura democrática dos operários e camponeses, tal era sua fórmula.

Os marxistas na Rússia partiam do seguinte esquema: a Rússia era ainda um país de economia atrasada, essencialmente camponês, precisa realizar ainda sua revolução democrática (derrubada do czarismo, da monarquia absolutista). O marxismo é uma teoria desenvolvida a partir de uma análise dos países da Europa Ocidental, mas isso não impediu Marx de chegar a convergir com a análise dos narodniks sobre a possibilidade de um desenvolvimento de uma sociedade socialista a partir das comunas camponesas, uma hipótese teórica que não se confirmou, o próprio Trotsky negava qualquer possibilidade do campesinato de desenvolver o papel de protagonista num processo revolucionário, baseando-se nas análises do próprio Marx, que estão mais bem elaboradas no 18 Brumário e na análise da própria Rússia, a partir do modo de vida do camponês, da sua consciência e modo de vida de pequeno-burguês e a pequena-burguesia jamais desempenhou um papel independente na História, sendo ora arrastada pelo proletariado ora arrastada pela burguesia, mas a própria existência dessa hipótese vinda de Marx mostra a flexibilidade e cientificidade do marxismo, que parte sempre da análise da realidade concreta. Trotsky não negava as tarefas ora colocadas, mas não conferia nem à burguesia nem à pequena-burguesia qualquer papel de protagonista naquele processo e muito menos poderia aderir à fórmula confusa dos bolcheviques. Para Trotsky era fundamental determinar quem dirige esse processo, qual é a classe dirigente e que dá a dinâmica. As revoluções burguesas só poderiam ser completadas pelo proletariado. Esse fenômeno conhecido como substitucionismo de classe, se dá quando uma classe é impelida pelo desenvolvimento histórico a completar as tarefas históricas de uma outra classe. Mas isso não resolve outro problema: e quanto ao desenvolvimento econômico da Rússia. A Rússia agrária não poderia passar, do ponto de vista marxista, direto por cima do desenvolvimento econômico industrial pleno para o socialismo, era preciso desenvolver a sociedade burguesa em sua plenitude antes, com instituições democráticas, leis trabalhistas, proletarização dos camponeses, industrialização do país, elevação do nível cultural da sociedade, reforma agrária e tudo isso era verdade. Por isso que Trotsky não caracterizava a sociedade russa pós-capitalista, pós-revolução de outubro, como socialista e sim uma economia de transição ao socialismo. E ele, baseado na sua Teoria da Revolução Permanente, não pretendia resolver esse problema nos marcos nacionais, somente a Revolução Mundial pode instaurar o socialismo no mundo e consequentemente na Rússia. Não era possível instaurar o socialismo na Rússia sem a revolução socialista nos países avançados do capitalismo. Então, por que começar a revolução pela Rússia e não esperar pela Alemanha, França ou Inglaterra? Pelo mesmo motivo que leva a burguesia a não ser capaz de realizar sua própria revolução: a burguesia nos países atrasados é mais frágil, é o elo mais fraco da cadeia e, por isso, nesses países, mais do que nos países adiantados está colocado para o proletariado a possibilidade de vitória, em aliança com os outros setores explorados e oprimidos da sociedade, porém sob sua direção. É nisso que se baseia a sua crítica da teoria stalinista do socialismo num só país e da tese da social-democracia alemã do desenvolvimento pacífico do socialismo por meio de reformas no seio do capitalismo e da concepção menchevique da revolução por etapas, que depois Stálin irá adotar.

Essas análises servirão para embasar a discussão que Trotsky nos apresenta da Revolução de Fevereiro de 1917. A insurreição de Fevereiro, na qual os partidos socialistas estiveram à margem e que era temida pela burguesia, que tentou até o último minuto agarrar-se à Monarquia, surgiu da exasperação do povo diante da guerra que impunha uma série de sacrifícios, como a intensificação do regime de trabalho, racionamento do pão e o envio de operários e camponeses para morrerem no front. Naquele momento, Petrogrado se levanta e realiza a revolução tendo atrás de si o apoio da província. Para Trotsky, uma revolução não se vota, ela está para além dos desígnios da democracia formal. A centralização da revolução se dá a partir da capital, porque, segundo suas palavras: “O papel da capital é determinado, não pelas tradições do centralismo burocrático, mas pela situação da classe revolucionária dirigente, cuja vanguarda se concentra, naturalmente, na metrópole: isso é tão verdadeiro para a burguesia como para o proletariado”. Contrapondo-se a determinadas análises que se baseavam no caráter espontâneo da insurreição de fevereiro, Trotsky aponta para a direção dada pelos anônimos naquele processo e que muitos foram educados pelas palavras-de-ordem bolcheviques, que no momento imediatamente anterior à guerra vinham tendo um crescimento bastante significativo da sua influência política sobre as massas. E apresentando sua conclusão e o principal argumento em que refuta a teoria das forças espontâneas na revolução, Trotsky dispara: “(...)Quem dirigiu a Revolução de Fevereiro? Podemos, por conseguinte, responder com a clareza desejável: os operários conscientes e bem temperados e sobretudo os que se formaram na escola do partido de Lênin. Devemos acrescentar porém que esta liderança suficiente para assegurar a vitória da insurreição não estava em condições, logo no início, de colocar a direção do movimento revolucionário entre as mãos da vanguarda proletária.” Trotsky esclarece-nos, ainda, no que se refere à insurreição que se trata de um processo em que é a minoria da classe revolucionária que intervém diretamente e que encontra sua força no apoio ou pelo menos nas simpatias da maioria, que pode se manifestar de forma ativa ou passiva. “A minoria, ativa e combativa, sob o fogo do inimigo, põe em evidência, inevitavelmente, seus elementos mais revolucionários e mais abnegados. É natural que os operários bolcheviques tenham, nos combates de fevereiro, ocupado os postos mais avançados. A situação porém mudou com a vitória, quando ela começou a encontrar a sua estabilidade política. Nas eleições para a formação dos órgãos e das instituições da revolução vitoriosa, foram convocadas e afluíram massas infinitamente mais numerosas do que as que combateram de armas na mão”. Esta passagem demonstra que nos momentos eleitorais tendem a predominar os setores mais conservadores da classe, em especial, quando se tem uma certa estabilização do processo político e quando, fundamentalmente, as massas ainda não fizeram sua experiência com as direções traidoras do movimento. Nesse caso, o poder foi entregue aos socialistas de tipo menchevique e socialista-revolucionário que, coerentes, com sua teoria de revolução burguesa entregam o poder à burguesia, contrariando mesmo os anseios das massas que entregam o poder aos socialistas e constroem os sovietes não só porque eram contra a Monarquia, mas porque eram contra a burguesia e não queriam ser governadas por ela. A análise desse processo fez com que Trotsky designasse a Revolução de Fevereiro de revolução socialista inconsciente, porque as massas, a classe trabalhadora, o proletariado fez a revolução, mas deixou o poder escapar entre os dedos porque não estava sob a direção do partido revolucionário. Aqui Trotsky se encontra com Lênin e sua teoria da revolução torna-se completa com a teoria do partido revolucionário de Lênin. Só a teoria do Estado de Lênin não estava perfeitamente clara para Trotsky, em toda a sua profundidade, fato que só irá compreender com a burocratização do Estado operário russo e a usurpação do poder político da classe operária pela burocracia termidoriana stalinista. Importante salientar no que diz respeito à Revolução de Fevereiro que a democracia pequeno-burguesa estabelecida pelos partidos conciliadores é exercida por uma pequena-burguesia de novo tipo, diferente da pequena-burguesia do tempo de Marx, de tipo capitalista, empregados de indústria, de casas comerciais e de bancos, a aristocracia operária, os funcionários da capital de um lado e do outro a burocracia proletária, uma nova terceira casta, em nome da qual fala Edward Bernstein, social-democrata alemão, reformista e revisionista do marxismo; são as novas classes médias dos escritos posteriores de Trotsky e que se situam entre o proletariado e a burguesia, tendo, nesse caso, tido um papel determinante na cessão do poder obtido pela revolução operária e camponesa à burguesia, dado o seu caráter dependente, incapaz de desenvolver um processo próprio, de desenvolvimento particular de uma forma societária específica e de sequer segurar o leme do Estado por muito tempo, sendo que neste caso, a pequena-burguesia russa fez questão de abdicar do comando do Estado o quanto antes, dado o seu caráter tão acentuado de subserviência ao capital.

É importante ver que a revolução de fevereiro não brotou do nada como um raio num céu azul. Depois da revolução derrotada de 1905 evidenciou-se um permanente declínio do número de greves. Um dado importante é o fato das greves políticas serem mais comuns na Rússia que em outros países da Europa Ocidental , onde predominavam as greves econômicas. O seu caráter altamente concentrado nas grandes fábricas e a opressão igualmente concentrada do Estado foram os elementos que nutriram este proletariado jovem e vigoroso na luta política e, sem dúvida, que a influência das idéias marxistas e o peso político dessas organizações e sua influência sobre a classe operária não são fatores de menor importância. Nos anos seguintes à derrota de 1905 o proletariado tentou através de inúmeras greves sustentar as posições que vinham lhe sendo arrebatadas. Porém, no período de 1908-1911, fruto da contra-revolução vitoriosa pelo esmagamento da classe operária e da crise industrial (crise econômica) o movimento operário entra em refluxo. Quando a partir de 1910 se tem uma retomada do crescimento econômico coloca o operariado novamente de pé, que sai à luta pelas suas reivindicações. No período de 1912-1914 quase se igualam no número de greves do período de 1905-1907, só que ao invés de estar na descendente, é uma curva ascendente e que tem como ponto culminante o ano de 1914, que no seu primeiro semestre quase se equipara ao ano de 1905, ano da primeira revolução russa, com o número grande de greves políticas. Esse movimento é freado pela Primeira Guerra Mundial e pela repressão que se abate sobre o movimento operário em decorrência da guerra. Somente a partir de um processo de experiência prática de lutas e greves políticas e econômicas, organização sindical, mobilização da classe é que a crise econômica desempenhou um papel de fator detonador da revolução de fevereiro. Se acompanhada da contra-revolução política, a crise econômica leva à prostração. O movimento operário, no momento de crescimento econômico, se sentiu mais seguro para se manifestar e exigir seus direitos, mas não para fazer revolução. Somente diante de condições desesperadoras é que a classe pode superar as forças de inércia presentes na sociedade e o próprio caráter conservador do movimento, essencialmente reformista nos métodos e nos objetivos, só quando a classe identifica claramente quem é o inimigo e que pode vencê-lo e que para obter todas as reformas que deseja é preciso fazer revolução, é que a classe a faz. Um ponto importante é que enquanto o crescimento dos mencheviques se deu, fundamentalmente, nos anos de refluxo, o dos bolcheviques se deu nos anos de ascenso e que esse período prévio foi de importância fundamental para armar a classe com as palavras-de-ordem bolcheviques, que desempenharam um papel objetivo na insurreição de fevereiro, mesmo na ausência do partido. A tarefa estava incompleta, mas as massas sabiam o que queriam e que não podiam confiar na burguesia, faltava ainda que perdessem a confiança em seus agentes.

“Assim como a guerra, ninguém faz uma revolução de boa vontade. A diferença consiste em que numa guerra, o papel decisivo é o da coação; numa revolução não há coação, a não ser a das circunstâncias. A revolução acontece quando não existe mais outro caminho. A insurreição, ao elevar-se acima da revolução como um cume na montanhosa cadeia dos acontecimentos, não pode ser provocada arbitrariamente, como também não o pode a revolução de conjunto. As massas, repetidamente, atacam e recuam antes de decidirem a dar o último salto.” Tais são as palavras de Trotsky que sintetizam o momento da insurreição. Para ele, a insurreição não pode ser um ato arbitrário em que se toma o poder no momento em que se deseja fazê-lo, mas somente depois das massas terem passado por todo o seu processo de experiência, o que não significa que uma insurreição não deva ser preparada. A insurreição de outubro foi rigorosamente preparada em todos os passos, desde a formação do Comitê Militar Revolucionário, órgão militar do Soviete de Petrogrado, que foi eleito sob a legalidade soviética e em nome da defesa da revolução, sendo em parte colocada a insurreição de forma aberta, em parte de forma simulada para não entregar todo o plano para o inimigo. Para Trotsky, o momento da insurreição não é um momento específico, mas um dado lapso de tempo em que é possível fazê-la. Em julho, os bolcheviques poderiam ter feito a revolução, mas não conservariam o poder, por exemplo. No período de setembro-outubro os bolcheviques poderiam tomar o poder e conservá-lo. Depois disso, seria difícil saber se poderia recuperar o tempo perdido. Trotsky considera fundamental que se tenha esperado pela noite do Congresso dos Sovietes, porque existe um setor majoritário de operários que apoiavam os bolcheviques, mas que só fariam a insurreição de acordo com as determinações do Soviete. Nesse sentido, foi contrário à política de Lênin, de chamar as massas à insurreição diretamente através do partido, porque considerava um erro tático e a noite de abertura do Congresso dava uma cobertura legal para a atividade revolucionária do Comitê Militar Revolucionário, enquanto se preparava a insurreição.

Na parte do livro a História da Revolução Russa em que Trotsky trata das premissas sociais de uma revolução:

“As premissas essenciais de uma revolução residem no fato de que o regime social existente acha-se incapaz de resolver os problemas da nação. A revolução torna-se possível apenas quando, na composição da sociedade, existe uma nova classe capaz de pôr-se à frente da nação para resolver os problemas apresentados pela história. O processus de preparação da revolução consiste em que as tarefas objetivas, demarcadas na contradição da economia e das classes, abrem uma passagem na consciência das vivas massas humanas, modificam as perspectivas das mesmas e criam novas relações de forças políticas.

As classes dirigentes, em resultado da incapacidade manifesta para tirar o país do impasse, perdem a crença nelas próprias, os velhos partidos se decompõem, uma luta encarniçada trava-se entre as camarilhas e grupos, as esperanças voltam-se para um milagre ou um taumaturgo. Tudo isso é que constitui uma das premissas políticas da insurreição, extremamente importante, embora passiva.

Uma hostilidade furiosa em relação à ordem estabelecida e a intenção de arriscar esforços os mais heróicos, de fazer vítimas, para recolocar o país no caminho da recuperação_ tal a nova consciência política da classe revolucionária e que é a base da principal premissa tática da insurreição.

Os dois campos principais_ os grandes proprietários e o proletariado_ não representam, entretanto, no total, toda a nação. Entre eles inserem-se as largas camadas da pequena-burguesia jogando com todas as cores do prisma econômico e político. O descontentamento da classe intermediária, as suas desilusões diante da política da classe dirigente, sua impaciência e sua revolta, sua disposição em apoiar a iniciativa audaciosamente revolucionária do proletariado, constituem a terceira condição política da insurreição, em parte passiva, na medida em que neutraliza as cúpulas da pequena-burguesia, em parte ativa, na medida em que leva as bases a lutarem diretamente, ombro a ombro, com os operários.”

Em síntese as condições que Trotsky enumera para que se tenha uma insurreição (condições também definidoras de uma situação revolucionária) são: 1 – crise nas classes dominantes; 2 – mobilização revolucionária do proletariado; 3 – radicalização e esquerdização das classes médias. A essas ele acrescenta uma quarta, que separa a insurreição de outubro de todas as outras: o partido revolucionário, sua existência e sua condição de direção do movimento no momento da insurreição.

Para terminar, Trotsky não considerava a derrubada do poder como tomada do poder. Além dessas condições, além da insurreição, além do partido revolucionário, era preciso que a classe obtivesse uma situação de absoluta independência política, que se expressa na sua não obediência mais às leis vigentes, a sua não disciplina ao Estado vigente, a constituição mesma de um “Estado dentro do Estado”, a partir do mecanismo da dualidade de poderes. A unidade do poder é a condição de estabilidade de qualquer regime. Sendo assim, a dualidade de poderes só pode ser verificada nos momentos de crise revolucionária, sendo uma de suas características fundamentais. A dualidade de poderes prenuncia a guerra civil e é a expressão da exacerbação dos antagonismos de classe. Ele identifica a dualidade de poderes também nas revoluções francesa e inglesa. Na Revolução Inglesa, primeiro se deu a oposição e dualidade de poderes entre a Coroa e o Parlamento. Com a queda do rei, o Parlamento presbiteriano teve que se enfrentar com o exército de Cromwell e a plebe armada se opôs ao Parlamento da alta burguesia. Durante a República ditatorial de Cromwell, os estratos mais baixos do exército, os levelers (niveladores) se rebelaram contra a alta oficialidade, mas esse duplo poder não pôde se desenvolver tal como se desenvolveu aquele entre o exército independente e o Parlamento, porque a pequena-burguesia ainda não podia desempenhar historicamente qualquer papel independente. Quando trata da Revolução Francesa nos expõe a dualidade de poderes que se deu entre a Assembléia Constituinte e o rei num primeiro momento e depois entre a Assembléia Legislativa e a Comuna parisiense da pequena-burguesia contra os grandes proprietários e que por meio da insurreição tomou a Convenção. No decorrer da análise, Trotsky nos expõe a necessidade de uma ditadura, tão característica das revoluções quanto das contra-revoluções e que procede das contradições intoleráveis do duplo poder. A passagem de uma forma a outra se dá por meio da guerra civil e as principais fases da revolução, com a transferência do poder para novas classes e camadas sociais não coincidem com as instituições revolucionárias, mas, sim, com a ditadura revolucionária. Trotsky, desse modo, em linhas gerais, enxerga tanto para as revoluções burguesas quanto para as revoluções proletárias os mesmos processos, fases e características gerais. Na Rússia, também tivemos uma dualidade de poderes entre o soviete e o Governo Provisório e uma fase de ditadura revolucionária. Resta saber quais devem ser as formas sobre as quais deve se revestir a ditadura revolucionária do proletariado.

A TEORIA DO ESTADO DE LÊNIN

O marxismo revolucionário, além da teoria trotskista da revolução, tem no seu arcabouço teórico a Teoria do Estado de Lênin. A partir deste estudo, podemos constatar que, ao contrário dos oportunistas, Lênin nunca acreditou na necessidade eterna do Estado; ao mesmo tempo, não acreditava, como os anarquistas, numa transição para a sociedade livre como num passe de mágica.

Para Marx e Engels, o Estado existe como “produto e manifestação do caráter inconciliável das contradições de classe” e é, em última instância, nada mais do que “destacamentos especiais de homens armados”. Esta definição é de uma importância fundamental para a teoria leninista. Estas forças armadas especiais estariam a serviço da classe dominante para manter a opressão sobre as classes exploradas.

O Estado no socialismo é um Estado em vias de se extinguir. Isso se deve ao fato de que cada vez mais o governo sobre as pessoas tende a tornar-se a administração das coisas e a direção dos processos de produção. Mas essa extinção gradativa do Estado não se faz sem rupturas. Não é possível, como acreditam os sociais-democratas mais honestos, uma transição pacífica do capitalismo para o socialismo. É necessária a tomada violenta do poder antes da instauração desse Estado transitório. O que não se pode confundir com a defesa descarada da democracia burguesa é o reconhecimento justo por parte de Lênin de que a república democrática é o terreno mais favorável para o desenvolvimento da organização, da educação política e da luta do proletariado.

A tomada do poder no antigo Estado deve pressupor algo mais que a simples utilização do antigo Estado burguês em favor do proletariado. Sintetizando o longo desenvolvimento da teoria do Estado de Marx, passando pelo Manifesto Comunista, O 18 Brumário de Louis Bonaparte e Guerra Civil em França na sua obra-prima O Estado e a revolução, Lênin constrói a sua própria teoria do Estado, atualizando a teoria marxista para os novos tempos, o imperialismo. E é baseado nesse estudo que Lênin, seguindo Marx, e agora mais do que nunca, com todas as modificações burocráticas sofridas no conjunto dos Estados burgueses, propõe a “quebra” do velho Estado e a construção do novo sobre os seus destroços: a destituição de todo o caráter político da polícia, a supressão do exército permanente, a revogabilidade dos mandatos dos delegados eleitos para representar e trabalhar, em nome do povo, na administração pública e a equiparação dos salários dos funcionários públicos aos de um operário qualificado. É a transformação da quantidade em qualidade com o aprofundamento da democracia. Após a tomada revolucionária do poder pelo proletariado, a elegebilidade e amovibilidade de todos os funcionários de Estado e outras medidas democráticas servem de ponte para a transição do capitalismo ao socialismo. Esse é o ensinamento da experiência da Comuna de Paris de 1871. Nesse sentido, a forma transitória do desaparecimento do Estado, ou seja, a passagem do Estado para o não-Estado é o proletariado organizado como classe dominante, isto é, a Comuna.

Lênin, estudando as formas mais adequadas do Estado, advoga da república unitária e indivisível, centralista-democrática, frente à república federativa, como forma política mais adequada para o desenvolvimento do movimento operário. É importante compreender que a centralização defendida tanto por Lênin quanto por Engels pelo governo central em nada se assemelha com a centralização burocrático-burguesa, combinando-se com a auto-administração local, mantendo na tradição marxista revolucionária a concepção de um Estado que fosse uma livre associação de comunas que, no entanto, mantivessem a unidade da nação.

Para Lênin, baseado nos ensinamentos de Marx, o Estado do período de transição só pode ser a ditadura revolucionária do proletariado, o que significa uma democracia que passaria a incorporar o conjunto dos pobres, extremamente democrático para os trabalhadores, mas com uma série de medidas de exceção para os exploradores, sendo um instrumento de opressão dos trabalhadores sobre os opressores e exploradores. A democracia plena e em vias de extinguir-se, porque a democracia nada mais é do que a sujeição da minoria pela maioria por meio da opressão e queremos, a longo prazo, acabar com a opressão, só será possível com o comunismo, quando não será mais necessária a coação. Só aí o Estado começa a se extinguir.

A opressão advinda do Estado operário, no entanto, na concepção de Lênin, seria a vinda de uma máquina muito mais simples, quase sem aparelho especial, nas suas palavras simplesmente a “organização das massas armadas”. Tanto Marx quanto Lênin davam muita importância para a constituição das milícias operárias, do armamento do proletariado, do valor insubstituível do poder real que se expressa no monopólio da força e no controle da economia e no controle absoluto dos dirigentes; são medidas democráticas que sob o regime socialista tornam-se qualitativas, no apontamento do sentido do seu desenvolvimento.

No socialismo ou fase inferior do comunismo o pagamento do trabalhador é de acordo com o quanto ele produziu, parte é deduzido para investimentos na produção, com fomento à tecnologia, e em investimentos na área social, na saúde, na educação e na previdência pública, com a constituição de um verdadeiro fundo social. O trabalho deve ser obrigatório, pois “quem não trabalha, não come”. No socialismo prevalece o direito igual, que é o direito burguês. Os homens na realidade não são iguais; uns têm filhos e outros não; uns são mais saudáveis e outros são mais doentes; uns são casados e outros não, e todos recebem de acordo com o que produziram e não de acordo com o que necessitam, que seria o verdadeiramente justo. A diferença fundamental do socialismo para o capitalismo mais avançado é que já na fase inferior do comunismo os meios de produção pertencem a toda a sociedade; já temos nessa fase a expropriação dos expropriadores, o fim da propriedade privada e, portanto, uma liberação inigualável das forças produtivas, um impulso espetacular para o seu desenvolvimento.

Nesse sentido, não só na etapa de transição ao socialismo, no caso dos países periféricos que chegam mais cedo à estação da revolução proletária, como também no socialismo, de um modo distinto e mais evoluído, mas, ainda assim, prevalece o direito burguês na distribuição dos produtos, fonte permanente de desigualdades, apesar de os meios de produção, a propriedade social já ter sido coletivizada. Por isso, o Estado persiste não apenas pela existência da burguesia no âmbito nacional e internacional, como também pela existência ainda do direito burguês. O Estado existe para manter a desigualdade, seja de uma classe de exploradores, seja de uma casta burocrática, seja uma desigualdade que ruma no sentido de sua supressão. Essa é a primeira parte do desenvolvimento econômico e cultural rumo ao comunismo.

Baseado assim, nos escritos de Marx na Crítica do Programa de Gotha, Lênin aponta como base econômica da extinção do Estado um desenvolvimento elevadíssimo no comunismo, um aumento fantástico do nível de produtividade do trabalho, gerando o fim da oposição entre cidade e campo e trabalho intelectual e manual, a divisão social do trabalho mais primordial, e instituindo um regime social que garanta “de cada um segundo as suas capacidades, a cada um segundo suas necessidades”, essa é a palavra-de-ordem da fase superior do comunismo. Para Lênin, no entanto, como no socialismo ainda temos vestígios da antiga sociedade capitalista, e subsiste o direito burguês no consumo, na circulação de mercadorias, na troca, temos, assim, um aparelho especial de tipo burguês para conservar este direito, ou seja, um Estado burguês sem burguesia. É este caráter peculiar do Estado operário, seja ele burocratizado ou não, que nos obriga a defender a independência dos sindicatos frente ao Estado, pois em alguns momentos a classe terá que resistir ao seu próprio Estado; será de um modo distinto de como é hoje no capitalismo, com uma relação de antagonismo, mas ainda assim haverá lutas que os operários terão de travar contra a burocracia de seu próprio Estado, dado o caráter profundamente contraditório da sociedade socialista. Para fazer avançar a luta do proletariado contra o Estado burguês, nessa etapa do desenvolvimento social, nos apoiamos na democracia operária, ampliando-a, envolvendo cada operário na administração estatal e melhorando substancialmente o nível cultural e educacional de todo o povo, aliando a isso o impulso à revolução mundial, construindo a Internacional proletária revolucionária, fomentando a unidade internacional das organizações de massas independentes em todo o mundo e apoiando financeira e militarmente, com armas e homens, as revoluções em cada parte do mundo.

O PROCESSO DE BUROCRATIZAÇÃO DA URSS

Para os objetivos deste trabalho, o aprofundamento nas questões teóricas acima citadas cumpre o papel mais fundamental. O principal para nós, nesse momento, deve ser comparar os ensinamentos e o desenvolvimento teórico de Lênin e de Trotsky com o seu governo soviético. Isto é de fundamental importância, porque os reformistas repetem para os quatro ventos que Stálin nada mais é do que uma continuação de Lênin. Como pudemos ver nada mais mentiroso. Além disso, alguns militantes verdadeiramente socialistas e revolucionários têm uma visão distorcida do que vem a ser a ditadura revolucionária do proletariado e identificam com a ditadura do partido. Se lermos E.H.Carr, em sua Revolução Bolchevique, veremos que o processo de cassação dos outros partidos socialistas e soviéticos se deu nos marcos da guerra civil e que muitos deles, como os mencheviques e SR’s de esquerda, conspiraram contra o governo, inclusive com um atentado a Lênin, no caso dos SR’s. Isso quer dizer que o governo dos bolcheviques foi um governo livre de erros? Naturalmente que não. E no caso de momentos revolucionários, de viradas bruscas, qualquer erro poder ser fatal.

Lênin sempre foi cuidadoso com a democracia soviética. Ele a considerava fundamental para o controle da burocracia e para que o Estado operário seguisse no rumo revolucionário e que não fosse usurpado pelos burocratas; não foi à toa que Lênin escreveu O Estado e a revolução na véspera da tomada do poder em outubro de 1917. Em 1919, Lênin adotou este critério quando se viu obrigado a empregar os especialistas burgueses na administração do Estado, propondo a ampliação e o aprofundamento da democracia soviética, junto com a elevação da produtividade do trabalho para sair rapidamente daquela situação perigosa para o regime socialista. Mas em 1921, com a adoção da NEP, o cuidado não foi mantido. Numa situação bastante tensa com dissidentes dentro do próprio partido, e com a insurreição do Kronstadt, provocada pela oposição operária, tendência que se tornou logo fração e que virou fração pública e se armou contra o regime, demonstrando o momento delicado que vivia a república dos sovietes. Esta foi a tendência que aglutinou mais operários na história do partido bolchevique. Depois de Kronstadt, foram proibidas as tendências e frações no interior do partido, e aquilo que havia sido uma medida extremamente provisória, logo degenerou em arma nas mãos da burocracia que vinha se gestando no interior do Estado e do partido. O fim das tendências junto com o fim dos demais partidos de oposição seria um elemento importantíssimo no sentido da deformação do Estado operário. Em 1922, Lênin intensifica o combate à burocratização. Ele já vinha travando uma árdua batalha contra o burocratismo, desde a instituição do comissariado do povo para a inspeção operário e camponesa até a proposição de que 1/3 do Comitê Central fosse composto por operários de base, ligados à produção, além de propor a expulsão dos oportunistas mencheviques que entraram para o partido bolchevique quando ele se tornou partido governante e que mais à frente tornou-se o único partido da Rússia, a depuração do partido. Mas era uma luta difícil de se combater e vencer nos marcos da derrota da revolução alemã. Os reveses da revolução mundial são a explicação-chave de Trotsky para a burocratização.

Para Trotsky, o stalinismo é o produto do refluxo do movimento e do igual recuo na consciência das massas, é o predomínio da desesperança e a vitória do cansaço. Stálin “surfa” num recuo momentâneo da consciência de classe do proletariado para assentar as bases de seu domínio. E se interpretamos, como Lênin, que sozinho, mesmo o proletariado, a única classe subalterna revolucionária da história, só pode chegar à consciência sindical e, portanto, burguesa, jamais à consciência revolucionária, à consciência de classe, a destruição da vanguarda revolucionária na guerra civil e a cooptação do que restou pelo burocratismo, pelo fascínio que exercem as benesses do poder, foi fator determinante para a vitória do stalinismo. Além disso, a nova direção do partido não só deu um a guinada à direita no partido, como também abriu suas portas para os especialistas burgueses, burocratas de plantão, e para os nepmen, além de fazer, inicialmente, um governo que contava com o apoio dos kulaks.

Trotsky, além disso, dá uma explicação ao mesmo tempo econômica e sociológica para o fenômeno da burocratização: a miséria. A falta de víveres e mais ainda o baixo desenvolvimento, próprio de uma etapa de desenvolvimento que ainda não superou sequer o capitalismo mais avançado, muito menos que alcançou o socialismo, uma fase de transição entre o capitalismo e o socialismo, requer para a administração das coisas ainda da polícia, do aparelho repressivo especial contra as massas, apontando limitações estruturais importantes. E.H.Carr aponta também o baixo nível cultural do trabalhador russo e sua pequena experiência sindical, fazendo com que ele não tivesse nem conhecimentos nem experiência para aplicar ao tão sonhado controle operário da produção, ficando a maior parte a cargo da figura do burocrata e não com o controle coletivo e a planificação coletiva da produção, como preconizava Marx. Por fim, outro elemento estrutural importante foi o já acima citado – a permanência do direito burguês na circulação de mercadorias, ainda mais com o retorno do comércio capitalista no período da NEP. É importante dizer que a NEP foi necessária devido aos excessos do comunismo de guerra, que tentou avançar para o comunismo por decreto, acabando de imediato com a moeda, rompendo assim o meio que mantinha economicamente a aliança operário-camponesa, tendo que depois fazer uma inflexão no sentido dos camponeses. Porém, os bolcheviques não previram os efeitos devastadores de mais essa medida parcial e provisório. Essa medida serviria para fortalecer mais tarde a base social do stalinismo, se acreditamos no seu caráter eminentemente pequeno-burguês, assim como a social-democracia européia apoiava-se na aristocracia operária.

Este estudo serve para projetar alguma luz sobre a nossa estratégia revolucionária, bastante adequado ao atual momento político em que vigora uma situação revolucionária mundial. Essas considerações são importantes, pois se analisarmos o termidor nas revoluções burguesas, como na clássica Revolução Francesa, em que sob o governo jacobino, pela primeira vez as massas entram na cena política com o papel de protagonistas, fazendo transbordam o processo para além das margens da sociedade burguesa, que queria uma monarquia constitucional e o voto censitário e que se vê diante do sufrágio universal, cedo demais, quando ainda não tinha instrumentos para controlar os processos eleitorais, sendo o termidor nesse caso produto dos próprios limites das revoluções burguesas, ou seja, o limite da propriedade privada, que depois do governo jacobino com reforma agrária, sufrágio universal e abolição da escravatura e a revolução haitiana com os negros escravos lutando e vencendo os brancos proprietários, as massas passam a ser utilizadas com mais cuidado pela burguesia e depois das revoluções de 1848 na Europa, a burguesia aprende sua lição histórica e todas as transições por ela engendradas são de forma pactuada e por cima. Mas no caso das revoluções socialistas, o termidor tem a ver com o nível de maturidade política do proletariado de cada país, o conjunto de experiências acumuladas, o desenvolvimento da própria teoria e das organizações dos trabalhadores, tanto de suas organizações de massas quanto da sua vanguarda revolucionária. Os reveses e as vitórias da revolução mundial são o determinante. O nível de maturação do processo revolucionário, com as condições objetivas e subjetivas, nos países centrais do capitalismo também é um fator de primeira grandeza. Os bolcheviques fazem a revolução russa esperando pela revolução alemã e a derrota dos russos se dá, em última instância, nos campos da Alemanha.