O Sofrimento e as Escolhas
Que toda escolha gera uma abnegação é fato, mas esquecemos de nos perguntar, mesmo que as respostas venham por assim mesmo, por si só, o que uma abnegação via de regra gera.
Partindo do pressuposto que somos seres vorazes em ter (como já dizia Schopenhauer no livro “A arte de ser feliz” “a riqueza se assemelha a água do mar; quanto mais dela se bebe, mais sede se tem"), e toda escolha, independente do lapso temporal, tem por objetivo final o ter, seja de bens materiais como imateriais. Estudamos, trabalhamos e tudo o mais para atingirmos certos objetivos, para tanto, deixamos de muitas coisas de lado, que da mesma forma também gostaríamos de ter/viver, nos dispomos a isto para futuramente podermos saciar um ter maior e apaziguar, embora que de forma efêmera, o sofrimento gerado por nossas escolhas.
Nesta sequência de abstinências deixamos muitas coisas pelo caminho, e toda negação/abstinência/abnegação gera um sofrimento que pode ser silenciado quando ponderamos nossas escolhas, pensando e analisando antes de decidir o que fazer, visto que, logicamente, as boas escolhas geram um sofrimento, ou arrependimento, que nada mais é que uma forma branda do sofrer, que é de pronto calado pelo resultado da escolha feita; as más geram uma dor que não pode ser calada visto a possibilidade de perdurar ao longo do tempo, variando de intensidade neste período.
Sendo assim, o sofrimento é parte integrante da vida, estando presente o tempo todo, não precisando de um motivo aparente para se manifestar, já as felicidades , via de regra, precisam de um gatilho para darem a cara, podendo compensar todo o sofrer oriundo das escolhas. Usando o exemplo do estudante, que com afinco devora os livros, palita os dentes com as frases e sonha com as idéias, por ter feito esta escolha ele terá que deixar minguar muitas coisas que gerarão um sofrimento imediado, sendo frutífera sua escolha o resultado, muito provavelmente, fará silenciar os demônios da abstinência; mas se toda a empreitada realizada no fim tiver sido em vão e tudo que fora conseguido não foi o que realmente se queria. Schopenhauer na obra já citada nos fala que os desejos mudam em decorrer do tempo, toda empreitada realizado, ou que está sendo feita pode deixar de nos interessar, deixando assim que o que fora feito morra inacabado e o tempo gasto se perde no tempo. Neste livro há uma passagem que eu gostaria de citar
“a nossa felicidade depende daquilo que somos, da nossa individualidade, enquanto geralmente levamos em conta apenas o nosso destino, e aquilo que temos”
o ter pode nos ser encantador e despertar enormes vontades em nós, mas o desejo desmedido pode ser um veneno tão letífero e causar tamanho ekstasis que anestesia cada parte do nosso corpo tomando conta do mesmo, quando tentamos tomar o controle de volta já é tarde demais, ela já é tal forma parte integrante de nosso corpo que quando tentamos, e a amputamos, ela vem a deixar um vazio extremo, com sinal de vingança e como um lembrete dos velhos tempos.
O fator que nos faz sempre querer mais, mesmo sabendo que o sabor de cada conquista é tão efêmero quando piscar de olhos é claramente definido nas palavras de Schopenhauer
“Todo júbilo desmedido (...) repousa sempre na ilusão de ter encontrado na vida algo que não se pode encontrar realmente, isto é, uma satisfação durável dos desejos ou preocupações tormentosos e sempre renascentes”
como fora sapientemente dito, voltar-se para um querer com o fim de possuir uma felicidade ou um júbilo de longa duração é uma quimera pelo fato de sermos seres que se atem ao mundo aparente, querendo que esta ilusão torne-se real e possa silenciar toda dor e sofrimento que nasce dentro de nós.
Aristóteles em “Ética a Nicomaco” já dizia que todo excesso assim como a falta são danosos, um homem muito corajoso que nada teme tem grandes chances de morrer cedo, visto sempre estar disposto a correr grandes riscos; já o homem desprovido de coragem não vive, por se trancar nos seus medos. Assim como um querer desmedido pode ser danoso por prender nossa atenção e vontade a uma ilusão, visto que o resultado do querer é o ter e isto não é capaz de nos satisfazer por muito tempo; e consequentemente o querer de menos, ou o não querer, nos prende a um estado de inércia extremo. Os grandes sábios e as grandes doutrinas já nos mostravam que o caminho do meio é a melhor forma para evitar cairmos nestas armadilhas, ao agarrarmos este caminho podemos vir a desfrutar de duas escolhas, ou mais, como quem quer seguir uma profissão e quer também saciar o lado lúdico/onírico, contudo vale dizer que a escolha deste caminho também gera um certo sofrimento, pelo simples fato de ser uma escolha.
Para encerrar eu gostaria de trazer uma frase contida no mesmo livro de Schopenhauer, porém pertencente a Horácio nas suas “Epístolas”, que me fez refletir bastante
“Gemas, mármores, marfim, estatuetas etruscas, quadros, prata, vestes coloridas com o púrpura dos getulos, há quem não os possua, e há quem não se preocupe em possuí-los”
Escolher para querer, ou querer para escolher, independente da ordem, e via de regra, é algo que vem a tona com o fim de nos aprazer com seu resultado final, mas o meio tempo entre a escolha e o recolhimento dos louros constitui, em vários graus, uma certa dor, um certo sofrer, que somente pode ser apaziguado com as boas escolhas, que somente podem ser tomadas com o uso da razão, se for uma escolha emocional, nada mais lógico do que refletir com cautela entre as escolhas, analisando-as, e caso seja realmente a certa, a usufruindo com ardor, como o degustar de um raro vinho.
J 6/3/10