Lembranças

Uma pessoa vive de lembranças. Tudo o que somos está baseado em coisas que já passaram. Não é muito correto, portanto, esperar que uma pessoa viva a partir somente de boas recordações. Na realidade, as informações mais importantes são armazenadas segundo a força com que se fizeram conhecer. Isso não quer dizer que as situações ruins predominam sobre as boas no espaço da memória. Marca-se mais o que aparece com maior intensidade. Não percebemos que esse é o mecanismo mental principal regulador da vida porque não temos consciência strictu sensu de que todos os nossos atos se iniciam na evocação de situações semelhantes a atual - com trocadilho! Não nos damos conta de que escrevemos ou assinamos cheques corriqueiramente porque, um dia, empunhamos um lápis pela primeira vez. No mais simples dos atos, bem como nos mais complexos que envolvem sentimentos e emoções, a memória é quem dita a resposta. É necessário dizer que, no entanto, neste terreno - o da emoção - o sistema de armazenamento é mais delicado, pois pode ser que as situações geradoras de determinada emoção não se guardem tão nítidas na memória quanto a emoção em si. Por isso, muitas vezes, sentimos emoção diante de situações rotineiras às quais não atrelamos nenhuma experiência passada. Mas ela está lá, embora pouco nítida. Sua evocação poderá ser consciente ou inconsciente. Seja qual for a forma de evocação, ela será ainda percebida ou não. Posso perceber uma resposta inconsciente (observo a resposta mas não a identifico em sua origem) da mesma maneira que posso não me dar conta de uma resposta consciente automática (decisões que costumo tomar sem “parar para pensar”).

Sou uma pessoa que vive de lembranças como outra qualquer. Algumas vezes, as lembranças tomam conta de mim de uma maneira tão intensa que perco o controle de meu próprio corpo. Passei boa parte da minha juventude sentindo muita culpa por sentimentos os quais não poderia jamais explicar às incrédulas pessoas que me rodeavam. Afinal, elas não identificavam motivos para minhas reações. Nem eu. Muito aos poucos e a cada dia, descubro uma verdade diferente a respeito de mim mesma. E me surpreendo com minhas descobertas. É tudo muito delicado, mas hoje não tenho a ilusão de que os outros possam compreender o mecanismo de meu turbilhão de lembranças. A menos que leiam o que escrevo agora.

22mar2005

Alanis Lia
Enviado por Alanis Lia em 11/03/2010
Código do texto: T2131839
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