Biritando...

Vejo bêbados onde quer que eu vá.

Vejo mendigos bêbados murmurando coisas desconexas pelas ruas. Vejo verdadeiros farrapos humanos, sacos de lixos com duas pernas enrolados em cobertores imundos debaixo das marquises com a indefectível garrafa de plástico ao seu lado. Vejo bêbados da dita “high society” cometendo gafes que o adolescente mais porra-louca ficaria envergonhado. Vejo mulheres embriagadas nas situações mais constrangedoras que se possa conceber. Vejo bêbados falastrões e intelectuais vomitando por suas bocas o que passa em suas cabeças doentias. Vejo bêbados depressivos implorando para você um conselho que você não quer dar de jeito algum. Vejo bêbados festivos que sempre aprontam algo divertido e inusitado. Vejo escritores e poetas bêbados a ponto de cair na sarjeta ou de produzir um romance mais visceral que “O Sol Também Se Levanta”. Vejo adolescentes bêbados extravasando a ira mortal que nutrem por suas famílias. Vejo músicos bêbados saindo do tempo & da melodia sem ao menos de darem conta disso. Vejo bêbados trágicos que parecem que vão se atirar debaixo do primeiro ônibus a qualquer momento. Vejo bêbados que não enfiaram uma bala na têmpora há muito tempo porque ainda lhes restam mais algumas garrafas para secar. Vejo bêbados visionários que bolam altos esquemas. Vejo bêbados nos tribunais, nas assembléias e nos sindicatos. Vejo médicos bêbados que não sabem nem diagnosticar um resfriado comum e te entopem de drogas para receber os roaltyes das empresas farmacêuticas. Vejo advogados bêbados perderem prazos processuais porque a ressaca os impede até de levantar da cama. Vejo pais bêbados abusando e destruindo para sempre a inocência de seus filhos. Vejo bêbados nas igrejas e templos embriagados pela cegueira e a ignorância na idolatria insana por um ser inexistente. Vejo bêbados dirigindo caminhões por estradas esburacadas em sem a mínima infra-estrutura. Vejo bêbados mirabolantes que sempre estão com idéias genias fervilhando em seus miolos. Vejo bêbados escrotos que mal e mal conseguem controlar o movimento de seus esfíncteres. Vejo bêbados cancerosos e cirrosados insistindo no mesmo erro. Vejo cocotinhas bêbadas desperdiçando sua beleza e juventude pelo gargalo de uma garrafa de vodca. Vejo bêbados construindo prédios para abrigar mais e mais gente chata. Vejo casais recém-casados bêbados para espantar o tédio da vida conjugal e vejo velhos casais à beira de um ataque cardíaco de tanta bebida para aturar 20 anos lado a lado. Vejo bêbados de todos os tipos, idades, cores, credos, tamanhos, estilos e ideologias. Vejo ideólogos bêbados que se fossem abstêmios não diriam tanta bobagem. Vejo bêbados onde quer que eu vá. Vejo abstêmios convictos que deveriam tomar um belo porre no fim de semana para deixarem de ser tão caretas. Vejo trabalhadores bêbados pelos corredores de tribunais, fóruns, empresas multinacionais, bancos, linhas de produção, canais de TV. Vejo bêbados tecnológicos. Vejo bêbados comunistas que ainda se preocupam com “O Capital”. Vejo bêbados reacionários que ainda defendem com unhas e dentes o regime militar. Vejo bêbados que não bebem, mas agem como se estivessem em pleno “delirium tremens”. Vejo bêbados em todos os shows de rock do mundo e nos soirées e recitais, vejo mais ainda. Vejo bêbados nas livrarias e sebos procurando algo para ler quando deveriam estar procurando outro bar para tomar uma cerveja para rebater todas que tomaram na noite de ontem. Vejo bêbados grosseiros e bêbados que quanto mais bebem mais gentlemen se tornam. Vejo bêbados em todas as classes sociais. Vejo bêbados onde quer que eu vá. Vejo bêbados fazendo coisas que até Buk e Fitzgerald achariam absurdo. Vejo bêbados furiosos e prontos para me matar em minhas “bad trips” lisérgicas. Vejo bêbados tocando melodias sensacionais e outras nem tanto. Vejo bêbados em meus sonhos e em meus pesadelos. Vejo bêbados consumistas que devem a alma para o cartão de crédito.

Mas nesse mundo louco, nessa era das trevas, a bebida é única salvação. O problema é que a responsabilidade não está na pauta do dia. Então embriagamos todos para nos dirigir lentamente ao caminho da morte porque sóbrio não há quem agüente....

Geraldo Topera
Enviado por Geraldo Topera em 24/02/2010
Código do texto: T2105477
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