A vida é bélica

Uma vida sem guerras, sem disputas, sem desafios e sem dificuldades é uma vida insossa, sem gosto e sem graça. É uma necessidade intrínseca ao homem viver perpetuamente em guerra, experimentando a tensão, o medo, pelejar a fio por uma causa qualquer. É o instinto ancestral que nos move, não somente por uma causa justa, mas simplesmente lutar por lutar contra alguém.

O homem sempre está metido em disputas, e quando não há oponentes nem ameaças, entram em conflito entre si, pois o instinto fala mais alto. No entanto, a forma mais rápida, fácil e eficiente de se unir um grupo de pessoas, é dando a elas um inimigo em comum, para que possam descarregar a necessidade de descarregar a necessidade de praticar a hostilidade, e tenham um motivo nobre para fazê-lo.

Existe uma vantagem de andar em bandos, pois quanto maior seu bando for menos vulnerável você fica aos outros, ganhando assim mais facilidades para se impor. Muitas amizades são forjadas por esse propósito, não necessariamente pelo bem do grupo, mas principalmente pelo bem de si mesmo. É insano iniciar uma guerra só, não porque não haverá com quem brindar depois, mas porque será facilmente derrotado, ou seja: às vezes é necessário ceder, e em um contexto primitivo onde a vida era muito difícil, era necessário esquecer-se da própria doutrina interior em nome do instinto de sobrevivência.

A história também mostra uma história irrefutável sobre os impérios: eles sempre caem um dia, não importa o quanto durem. Mais cedo ou mais tarde dentro de um império estabilizado, outros interesses contrários surgirão, o que irá gerar conflitos internos, e logo após a extinção ou divisão do mesmo. A ausência de inimigos externos suscita inimigos internos. É a oportunidade que o tédio tem de semear desavença entre aqueles que outrora lutaram lado a lado. Assim foi com o império romano, que com sua queda deu origem a vários reinos distintos no período da idade média.

Na ausência cada vez maior de inimigos, os grupos com interesses comuns tendem a se reduzirem. À medida que a necessidade de se fazer alianças decresce, os homens ficam cada vez mais divididos, e as suas habilidades diplomáticas e a capacidade de ponderar os fatos tendem a se atrofiarem com o passar das gerações.

Todos possuem interesses individuais, e em situações em que esses desejos podem ser concretizados, haverá divergências ideológicas e partes de se acharão desfavorecidas. No feudalismo, os camponeses trabalhavam muito para os senhores feudais com alívio, pois garantiam proteção para si dos povos bárbaros. Os senhores feudais também não gostariam de ver seus camponeses mortos, caso contrário eles teriam de levantar do trono e cultivar a própria terra.

Com a queda da idade média, veio o mercantilismo e os burgueses dando a oportunidade para as pessoas possuírem posses e senso de propriedade. A cabeça dos homens pobres começou a mudar e se tornaram mais individualistas e desapegados dos valores dogmáticos da igreja.

Com o tempo, consolidou-se o sistema capitalista, cujo foco principal é o lucro. A lei do mercado é: oferta e procura. Da mesma forma, o homem é impulsionado pelo interesse, que normalmente se choca com os dos outros, gerando os mais variados conflitos. Conclui-se que a necessidade de se viver em guerra oriundo é dos interesses que cada um tem.

Na Segunda Guerra Mundial, o socialismo se mostrou inicialmente um sistema justo e igualitário, no entanto a União Soviética acabou sendo extinta sem conseguir colocar totalmente em prática os ideais que defendia. Houve muitas divergências entre o que se fundou na teoria e o que se obteve com a experiência socialista, e muitos hoje julgam que ela é inaplicável e utópica, afirmando que ela não deu certo por causa das próprias pessoas que são naturalmente individualistas, e esse sistema exige um grau de maturidade social que transcede o do ser humano. O homem possui uma incrível capacidade criativa e organizadora, no entanto ele não é capaz de manipular essas habilidades por completo, pois existe também o lado instintivo, que se reduz a mera auto-satisfação, e graças a isso, talvez nunca seja possível se fundar uma sociedade plenamente socialista.

O capitalismo por sua vez, se adéqua perfeitamente ao homem, pois promove a competitividade, a individualidade e a união por interesse. Em linhas gerais ele é bem similar ao cenário hostil de nossos ancestrais selvagens, pois somente os fortes conseguem se sobressair, e os fracos são subjugados por eles, a diferença é que não há mais inimigos externos, os homens lutam entre si dentro de um sistema criado e formalizado por ele próprio. Nós superamos as leis de Charles Darwin, nos isentamos da seleção natural das espécies ao modificarmos nosso meio de acordo com nossas próprias necessidades em detrimentos dos outros seres vivos, produzimos nosso próprio alimento, descobrimos a cura para várias doenças e decidimos qual seria nosso estilo de vida. Nós criamos nossa própria seleção natural, elaboramos nossos critérios e normas, fazemos acordos sociais e comerciais, unificamos todo o mundo através do comercio de modo a promover um intenso trânsito de valores e bens de consumo, cada qual com seus interesses.

Os grupos de interesses comuns se tornaram cada vez menores, ate de reduzir a um único indivíduo. Ainda existem grupos, é claro, mas nenhum deles por um acordo unânime. As pessoas se unem por conveniência, para atingir seus próprios objetivos e tirar disso vantagens para si. São pessoas que formam grupos, que se unem com outros grupos afim de tomarem algum proveito para si, pois em grupo, as pessoas chegam aos seus interesses. Todos os grupos possuem subgrupos, e até mesmo esses se dividem, até chegar ao que cada indivíduo busca com essa união.

Há muito tempo o capitalismo deixou de ser um sistema econômico-social, passou a ser um estilo de vida, uma doutrina filosófica, servindo também para definir aspectos do comportamento humano. Somos todos movidos pelo interesse, não fazemos mais nada que não seja de algum modo lucrativo, até mesmo as amizades, os casamentos, a ajuda, a fidelidade, o compromisso, e o perdão. Sempre nos perguntamos: e o que eu ganho com isso? Tudo converge para um triste capitalismo de sentimento como se eles pudessem ser comercializados como bens de consumo, é uma conflagadora banalização dos sentimentos que podemos perceber em todo lugar a todo instante.

As guerras passaram do plano macroscópico para o microscópico, e nem vemos mais tantas guerras avassaladoras como vemos hoje só nos livros de história, isso porque elas não acontecem mais entre povos e civilizações, mas com as pessoas que vemos hoje no nosso cotidiano. Não vemos mais corridas armamentistas, mas disputas por influência, respeito e reconhecimento, para conquistar uma pessoa, para impor nossa vontade, ser notado por alguém, se vingar, se engrandecer e nos sobressair. Qualquer lugar é um campo de batalha, qualquer ponto uma área de fogo entre dois olhares fumegantes, e para se destacar nesse cenário, é bom aprender a destilar seu veneno, ganhar seu espaço e seguir as regras determinadas pelos valores dogmáticos que os outros instituirão e tornaram vigentes. Assim você pode se tornar mais um peixe nadando com a correnteza da moda no grandioso cardume, pois é inevitável: a vida é bélica!

Marcos Paulo Silva
Enviado por Marcos Paulo Silva em 24/02/2010
Código do texto: T2105316
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