"Aquele tempo"

Havia nela uma acentuada mania de observação.

Desde muito jovem, percebia nas pessoas adultas uma segurança

e um saber dignos de inveja.

Sim ,as pessoas adultas "daquele tempo" eram muito sabidas e tranqüilas.

Tinham receitas para tudo, desde o bolo de laranja com damasco até "arranjos" para dor-de-cotovelo.

Sentia como era bom chegar junto aos avós,mãe, tias e do pai severo e apoiar-se naquela clássica e soberba sabedoria.

Então, era de se esperar que um dia, ela também chegaria à idade adulta e se juntaria aos politicamente corretos para todos os assuntos ,à clã dos bons entendedores de vinhos e o que mais aparecesse.

E seria maravilhoso.

Sobre bons vinhos até que aprendeu...

Mas o "saber-tudo" dos de antigamente , da faculdade da vida , agora já adulta...nota que é bem difícil.

Claro que o amadurecimento trouxe-lhe um ar de sabida ou estudada segurança.

Seriam eles também, os "daquele tempo" , tão vulneráveis quanto ela, e somente posavam de experts?

Eles realmente sabiam do que falavam?

Acreditavam realmente em si?

Não é possível ser tão autêntico numa postura, a não ser que estivessem representando

como atores numa peça de teatro . Teriam sido eles apenas bons atores?

Embora a vida seja mesmo como uma peça de teatro e sabemos que dependerá da atuação dos artistas e da firmeza de sua interpretação para que no final tudo dê certo , mesmo não dando

e que sejam aplaudidos e sendo encarados como vencedores, mesmo não o sendo.

Um circo geral. Teria ela sido enganada? Não sabe.

Apenas que naquela pequenez de formiga trabalhadeira e lutadora , cheia de força e fé, sente , às vezes ,que se perdeu e se encontrou e tornou a perder -se.

Isso a deixa vulnerável.

E então nestas horas dá uma guinada de 90 graus ,

procura o que ficou para trás e tenta encontrar o fio da meada e retornar segurando-a com mais firmeza ,

para que ele não se afrouxe,

nem se rompa e nem se embaralhe dando nós.

Os quais ela não sabe desatar. Ou não quer. E cansa.

Muda o ritmo e os rituais e procura pelas raízes, tão enterradas estão ,nesta vida de viandante que crê, se aprofundaram e se esconderam em algum lugar que desconhece.

Quando diz que volta às raízes é apenas uma modo figurado de dizer que está tentando.

Onde ficaram elas?

Neste vai e vem, se perde e volta e retorna.

Enroscando-se nas meadas coloridas da vida.

Bom nisso tudo é que as meadas estão ainda coloridas :

é a esperança , sempre a fazer das expectativas, um futuro melhor.

Mas futuro...futuro, boba palavra que dá o que pensar.

E então caminha.

Novamente.

(2003)

luferretti
Enviado por luferretti em 05/08/2006
Código do texto: T209591