FEUDALISMO: SISTEMA TÃO DESIGUAL QUANTO ATUAL

Com o advento da Idade Média – período da “barbárie e de tempos muito obscuros na vida da humanidade – começa a aparecer um novo meio de vivência da comunidade, que tiraria grande parte das pessoas do meio urbano para o campo, por conta, principalmente, da segurança oferecida pelos senhores feudais.

As pessoas, já sem muitas perspectivas, aceitam fixar moradia a partir de regras traçadas pelo Feudalismo com “um modo de produção regido pela terra...” (Anderson – Passagem da Antiguidade ao Feudalismo, pg. 143).

A partir do controle da terra pelos senhores que formavam uma classe – ao que hoje se poderia denominar de classe patronal – poderosa e bem estruturada, em detrimento da classe camponesa, desprovida de muitos direitos, só com mais deveres e desconhecedora de sua realidade em sentido mais amplo e por meio de força coercitiva, intimidatória existentes no senhorio os camponeses produziam em terras do feudo sendo as relações de produção “mediadas através de um estatuto agrário dual”... (Anderson, Passagens... pg. 145) que nem sempre dava ao camponês o seu devido e merecido direito assegurado no estatuto agrário expondo, então, as desigualdades gritantes e reinantes naquele momento no medievo.

O Feudalismo se encarregou de regular, até de forma muito dura, “obrigações de obediência e de serviço”, (Ganshof – Que é o Feudalismo? Pg. 10) partindo das relações de subserviência que existiam do vassalo para com o seu senhor quando este era muito respeitado por todos por conta de ser detentor de grandes áreas agrícolas que asseguravam poder e riqueza, baseados na concentração fundiária, principal lastro, hoje, para o latifúndio. Segundo Paulo Miceli em O Feudalismo, à página 37, era preciso “submeter para acumular riquezas”.

Os senhores “detinham poder sobre os homens e sobre as terras”, o que facilitava a dominação dentro de uma estrutura bem solidificada e que não dava margem alguma à questionamentos de qualquer natureza.

A tônica do Sistema era sempre a acumulação cada vez mais de posses que possibilitassem um acúmulo patrimonial de bens amealhados ao longo do tempo, dando a entender, no dizer Weber, a criação de um “sistema patrimonialista” opressor, baseado na exploração dos pobres que “assumiam a condição de servos por toda a vida”, onde “o filho do servo já nascia servo e assim por diante”, (Micele – O Feudalismo, pg. 39) iguais ao ciclo de pobreza que hoje nos impõe o sistema capitalista onde o filho do pobre de hoje será o pobre de amanhã seguindo os ditames impostos pela classe burguesa, previamente determinados.

E nesta seara, outrora o camponês, o servo e o vassalo, não tinham vez nem voz. Hodiernamente são os operários e gente do campesinato que não têm seus direitos observados e respeitados, conforme preceitua a Constituição Federal.

O PAPEL DA IGREJA NO FEUDALISMO

A Igreja sempre esteve no cerne das discussões através dos tempos, historicamente caminhando de braços dados com o poder. Em vários momentos da História o sentido de ecclesia se confundia com o próprio poder secular, sendo em muitos casos o próprio poder, pois “no final da Antiguidade estivera sempre integrada à máquina do Estado Imperial, e a ela subordinada” (Anderson – Passagem da Antiguidade ao Feudalismo, pg. 148).

Com o passar do tempo a Igreja se transformou em instituição independente dentro do sistema feudal, ocupando lugar de destaque e de participação nas grandes decisões eurocêntricas.

Como detentora do saber - que não se podia questionar – torna-se a “única fonte de autoridade religiosa”, segundo Perry Anderson, sempre defendendo aquilo que era do seu interesse e menosprezando a defesa dos oprimidos pelo Sistema, oprimidos por não conhecerem seus direitos, alheios à toda e qualquer forma de organização e de sua realidade, tornados nefelibatas que pouco ou nada reagiam, mesmo porque a Igreja se encarregava de promover uma ‘lavagem cerebral’ tão forte e inquestionável que não deixava margem para dúvidas de qualquer ordem. “Todas as atividades deviam ser abençoadas”, (Miceli – O Feudalismo, pg. 21), vê-se nesta parte a influência que detinha sobre todos os viventes.

Aos que ousassem questionar reservavam-se os castigos corporais, os mais terrificantes possíveis, impostos pela famigerada Santa Inquisição, neste mundo, e o fogo do Inferno prometido aos que não se arrependessem de seus pecados de manifestação do pensar diferente, na outra vida.

No período feudal a Igreja contribuiu muito com o senhorio, mesmo porque muitos clérigos das mais altas patentes eram, além de nobres, detentores de largas faixas de terra, e também nesta fase se caracterizou como grande detentora de terras em toda a Europa feudal. Não tinha, por isto, interesse algum em modificar o quadro então vigente. Igreja e nobreza se confundiam.

A Europa feudal sem a Igreja poderia até existir, só que de maneira menos presente na vida e nas ações do povo, principalmente os campesinos, servos, e vassalos que sempre deram involuntariamente sustentação aos fundamentos do Feudalismo.

Possíveis insurreições ou rebeliões eram severamente punidas com a pena capital. Quem ousasse desobedecer ou questionar a Ordem estabelecida deveria ser exemplarmente advertido com toda sorte de punição, com o fito de que todos constatassem o que lhes poderia acontecer, caso viessem também a fazer coro com pessoas revoltosas ou insurretas.

Todos deviam trabalhar no feudo para o Sistema. “A finalidade do trabalho não era enriquecer, devendo cada um ficar na sua posição, até a passagem para a vida eterna” (Arruda, J. Jobson, História Antiga e Medieval, pg. 367), pregava a Igreja aos menos afortunados, sem vez e voz e onde era pecado amealhar riquezas nesta vida.

Este tipo de pregação foi o seu principal papel no Feudalismo. Esqueceu, contudo, de fazer valer o seu verdadeiro compromisso em meio a pobres, servos, vassalos, senhores e pessoas de outras classes: pregar no sentido de libertar os oprimidos de todo jugo, então existente.

A Igreja não estava preocupada no tipo de vida que os campesinos, servos e vassalos levavam. A vida destes pouco lhe chamava a atenção.

Interessava-lhe mais a vida do senhor feudal, suas posses e as terras que este pudesse lhe destinar, fosse como doação ou em caso de morte e principalmente quando não havia herdeiros do senhor.

Historicamente sempre houve uma tomada de postura por parte da Igreja do lado dos poderosos e um posicionamento contrário a todas as ações de santa rebeldia promovidas pelas camadas menos abastadas da sociedade em todos os tempos. Aos pobres só restava assistir ao espetáculo sem, ao menos, poder laçar vaia sobre aqueles – supostamente protagonistas - que detinham o poder e que estavam sobre o ”palco iluminado”, no dizer de Faoro (Faoro – OS DONOS DO PODER, pg. 382).

Os fundamentos do feudalismo estão bem presentes hodiernamente, seja na forma como o patronato atua em relação aos trabalhadores do campo, seja relativamente ao apoio que é dado à chamada agricultura de exportação, o agro-negócio, em detrimento da agricultura familiar verdadeiramente a grande responsável pelas riquezas desta terra-Mãe para alguns e madrasta para outros.

Até mesmo na mente de muitos membros da classe proletária ainda há resquícios fortes feudais, quando os camponeses ou operários não ousam originar uma revolução que lhes permita modificar as estruturas de um sistema capitalista, tão desigual quanto outrora o foi o próprio feudalismo. Há um medo estabelecido na mente de muitos trabalhadores que, por não quererem 'enfrentar' o patrão preferem não tomar parte nos movimentos reivindicatórios.

O feudalismo foi um sistema profundamente desigual, marcadamente inumano e terrivelmente desumano. O capitalismo também o é na sua essência, pois enriquece a poucos, promovendo a famigerada concentração de riquezas e empobrecendo há muitos que pouco gritam por não terem vez e muito menos voz.

Essas classes menos aquinhoadas por conta de um sistema perverso e injusto continuam, além de pouco organizadas, mesmo nos dias atuais, com seus direitos menos ainda respeitados.

Muitos são os trabalhadores do campo, operários, lavradores sem-terra, mulheres noutras profissões, a serem assediadas moral ou sexualmente por seus ‘superiores’ hierárquicos, a verem suas reivindicações pouco atendidas.

O patronato hoje pode, como ontem, lograr resultados os mais profícuos no sentido de se amealhar riquezas sempre em detrimento da causa e da vida dos trabalhadores de todos os matizes.

Os mais ricos sempre foram depositários do conhecimento, historicamente falando. Sempre foi assim e até se tornou um cíclo vicioso onde os pobres são pobres, seus filhos serão os pobres de amanhã e os filhos dos filhos também o serão.

No sistema feudal havia a forte ideologia de cada um reconhecer o seu ‘lugar’. As teorias eram muito presentes nesta fase. A Igreja era muito presente e detinha o conhecimento, fato que a tornava uma espécie de guardiã da sabedoria onde “... a teoria manda porque possui as idéias e a prática obedece porque é ignorante” (Chauí – O QUE É IDEOLOGIA, pg.28). Caberia, então, ao povo somente prestar a devida obediência sem maiores questionamentos de sua condição, ora servil ou mesmo de extremada pobreza.

Aos resistentes oferecia-se o que se pode convencionar de pax-Romana e eram instados à colaboração mediante coerção e aplicação de penas severas.

Ontem os servos, os vassalos, os camponeses e as mulheres não tinham instrução e por isto não detinham conhecimento algum, fato que os tornava pessoas ignorantes, bugres que não mereciam muito, senão a obrigação do cumprimento de tarefas e de seu papel na sociedade medieval.

Hoje apesar de avanços significativos na relação capital versus trabalho, as mudanças caminham a passos lentos, muito mais por conta da ação de alguns grupos organizados intimamente ligados às forças reacionárias que tentam fazer crer, ser a massa trabalhadora já detentora de muitos direitos.

Deter o conhecimento é ter poder, sabem os trabalhadores do campo, os operários, as mulheres e os pobres.

Mesmo porque “... o poder pertence a quem possui o saber”. (Chauí – O QUE É IDEOLOGIA, p. 28) e a classe trabalhadora busca o saber até mesmo para poder enfrentar de forma mais orgânica o aprimoramento de seus direitos.

Referências Bibliográficas:

ANDERSON, Perry. Passagens da Antiguidade ao Feudalismo. Ed. Brasiliense. 4ª edição – trad. Beatriz Sedou – São Paulo – 1992.

ARRUDA, J. J. História Antiga e Medieval. Editora Ática. 2ª edição – São Paulo - 1977.

CHAUÍ, Marilena. O Que é Ideologia. Ed. Brasiliense. 38ª edição – São Paulo – 1994.

FAORO, Raymundo. Os Donos do Poder: Formação do Patronato Político Brasileiro. Ed. Globo. 3ª edição revista – São Paulo – 2001.

GANSHOF, F. L. Que é Feudalismo? Ed. Europa-americana. São Paulo – 1968.

MICELI, Paulo. O Feudalismo. Atual Editora. 21ª edição – São Paulo – 1994.

José Luciano
Enviado por José Luciano em 15/02/2010
Código do texto: T2087757
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