De perdas

Mudanças constantes de cidade e estado , a vida toda, deixaram-me com um espaço confuso onde sempre me perco.

Nestas mudanças eu perdia os vizinhos, os amigos, os locais preferidos, o ginecologista, o dentista, todas as plantas , a flor que vinha me espiar em cima do muro.

O pássaro cantor.

Até os animais de estimação, às vezes.

Eu me perdia de mim.

Foram perdas demais.

Com alguns ganhos ; isso estou colocando na

balança de valores agora.

Ou apenas relevando as perdas para entender os ganhos.

Não tenho raízes sólidas , culturais , sociais , de nada.

Também perdi os preconceitos.E muitos medos.

Paulista que chama mandioca de macaxeira ,

garoto de guri e "risca" o lápis, quando quer afinar a ponta... entre outras coisas .

Pessoas de uma outra região , ouvindo-me falar,

me olham estranhamente às vezes.

Meu sotaque é misturado.

Perguntam-me de onde sou. Creio que deste mundo.

Somente a família é e foi sempre uma constante.

O resto é uma mistura que me fez arrogante.

Talvez para esconder faltas . Uma forma de defesa.

Perdi até o jeito de conviver assiduamente com as mesmas pessoas .

Ontem recebi duas amigas que não via há muito tempo.

Perdas de convivência.

Muitas conversas para se colocar em dia.

Não deu tempo para todas.

Recordar velhas situações, rir das novas .

Havia me esquecido o que é poder "lavar a alma" com amigas de 20 anos , sem medo de olhares "engrossados".

Vida e sofrimentos partilhados e compreendidos, nos dão perdão antecipado a supostas falhas.

Estamos envelhecendo e notamos algumas diferenças mútuas que assustam , entre outras tão nossas conhecidas.

Uma lágrima que cai disfarçada se transforma em risada por outro motivo qualquer , conservando a velha

jovialidade de antigamente.

Somos juntas ... almas gêmeas, onde nada se esconde ,

tudo de descobre, até sexo mal feito.Pois é.

Falamos sobre o sentido da amizade, este sentimento que precisa ser trabalhado constantemente até atingir o ponto de superação.

Daí , meias palavras são entendidas inteiras , sem necessidade de grandes explicações.

E trabalhá-lo não se faz mais tão necessário.

Como é bom isso. Sinceridades.

Falamos de saúde , viagens , compras , filhos...claro.

Sobre Lya Luft, Martha Medeiros e outras mulheres maravilhosas que acabam

fazendo parte de nossas vidas, nas leituras de cada dia.

Falamos de algumas novas descobertas, que fazemos até tarde demais , sobre os parceiros no casamento,

tornando-se nossos amigos mais íntimos, quase irmãos.

Os melhores. Até mesmo os ex.

E também sobre homens em geral.

Porque envelhecemos mas não perdemos o

sentido da sensualidade,

feminilidade e nada do que possa nos lançar

para um canto como objetos em desuso.

Somos mulheres, somos eternas.

E com amigas , muitas vezes sentimos , pela compreensão,

que podemos chegar às nuvens.Que bom.

E por tanta afinidade, tanta amizade, tanta empatia , carinho a elas e por decepções com alguns- digo alguns - machos arrogantes, perigoso fica mudarmo-nos de lado totalmente.

Apenas uma brincadeira irreverente , creia ,

para terminar um registro de amor compreendido

por amigas lindas e muito especiais, perseverando

num clima de descontração.

Nas perdas cotidianas da vida , encontramos ganhos para sempre.

(ago03)

luferretti
Enviado por luferretti em 03/08/2006
Código do texto: T208664