Nascimento da literatura brasileira: olhares diversificados
A literatura produzida no Brasil envolve uma série de questionamentos, sobretudo, quando a objetivação da crítica ou da historiografia literária é demarcar a trajetória dessa literatura, as tendências, as preocupações como também o fato dela estar inserida em um ponto onde não parece ser possível separá-la do fluxo incessante de temáticas, necessárias para o seu desenvolvimento. Assim, os olhares se diversificam e, não obstante, surgem juízos que se desencontram, quer dizer, não corroboram uma verdade única, pois tudo parece depender do ponto de vista daqueles que sobre ângulos diferentes param para refletir acerca do assunto.
Não seria possível pensarmos em literatura se não nos fosse permitido sondar esses olhares diversificados. É evidente que quando tratamos desse aspecto, o primeiro ponto que surge é o fato de que na literatura que se escreve no Brasil há uma imensa caracterização tanto de temas universais como também nacionais que, por sua vez, moldam essa grandeza.
A literatura produzida no Brasil envolve uma série de questionamentos, sobretudo, quando a objetivação da crítica ou da historiografia literária é demarcar a trajetória dessa literatura, as tendências, as preocupações como também o fato dela estar inserida em um ponto onde não parece ser possível separá-la do fluxo incessante de temáticas, necessárias para o seu desenvolvimento. Assim, os olhares se diversificam e, não obstante, surgem juízos que se desencontram, quer dizer, não corroboram uma verdade única, pois tudo parece depender do ponto de vista daqueles que sobre ângulos diferentes param para refletir acerca do assunto.
Não seria possível pensarmos em literatura se não nos fosse permitido sondar esses olhares diversificados. É evidente que quando tratamos desse aspecto, o primeiro ponto que surge é o fato de que na literatura que se escreve no Brasil há uma imensa caracterização tanto de temas universais como também nacionais que, por sua vez, moldam essa grandeza.
Não há duvidas de que houve um posicionamento de escritores brasileiros que se objetivaram em dar a seus escritos preocupações e características tipicamente nacionais. Isso nos permite afirmar que há uma literatura brasileira e que, por isso, necessariamente, essa literatura se distingue de outras no tempo e no espaço. Dessa forma, podemos recorrer ao primeiro questionamento, a saber: quando surge essa literatura? Em que momento ocorre a ruptura com tendências literárias externas e uma preocupação maior com o tipicamente nacional? Houve de fato essa ruptura?
Esses questionamentos não envolvem nada mais que indagações soltas. Indagações estas que parecem incitar a divergência, o desequilíbrio, mas não a falta de respostas aparentemente convincentes. Os desencontros surgem aqui não como intenções articuladas, mas pela grandeza de temáticas em conformidade com a história da literatura brasileira. Posto isso, já podemos ver o que os teóricos desse campo de estudo têm a dizer.
Em seu livro “História da literatura brasileira” (1997) , José Veríssimo afirma o seguinte:
A literatura que se escreve no Brasil é já a expressão de um pensamento e sentimento que se não confundem mais com o português, e em forma que, apesar da comunidade da língua, não é mais inteiramente portuguesa. É isto absolutamente certo desde o Romantismo, que foi nossa emancipação literária, seguindo-se naturalmente à nossa independência. (pg. 09)
De acordo com Veríssimo, os três primeiros séculos do Brasil e, por conseguinte, da literatura produzida aqui foram marcados por uma espécie de “reflexo” da literatura portuguesa. Portanto, durante trezentos anos a literatura tida como brasileira, genuinamente brasileira, teve sua “existência apagada e mesquinha”. Para ele, apenas a partir do advento do Romantismo no século XIX é que nos é possível dar o destaque necessário ao nascimento de uma literatura nacional e assim atribuirmos a ela a ruptura necessária para o seu desenvolvimento próprio e a sua diferenciação.
Mas essa evidenciação não se esgota aqui. Segundo Veríssimo as primeiras manifestações da literatura brasileira foram iniciadas por poetas nacionais já no final do século XVIII, porém de forma bastante tímida e por isso não nos parece ser correto, nesse ponto, a encararmos como ruptura.
(...) Somente com os primeiros românticos, entre 1836 e 1846, a poesia brasileira, retomando a trilha logo apagada da plêiade mineira, entra já a cantar com inspiração feita dum consciente espírito nacional. Atuando na expressão principiava essa inspiração a diferenciá-la da portuguesa. Desde então somente é possível descobrir traços diferenciais nas letras brasileiras. Não serão já propriamente essenciais ou formais, deixam-se, porém, perceber nos estímulos de sua inspiração, motivos da sua composição e principalmente do seu propósito. (Veríssimo, 1997. Pg. 13). (Idem).
Segundo esse autor, duas divisões devem ser feitas para uma melhor compreensão do desenvolvimento da literatura brasileira que, por sua vez, é a mesma divisão da “nossa historia como povo”. Podemos compreendê-la como período colonial e nacional. No primeiro período há apenas manifestações de uma literatura preponderantemente portuguesa, como não poderia ser de outra forma. No segundo, o nacional, há de fato uma ruptura e assim a encaramos como o início de uma literatura tipicamente brasileira, pois com a independência os escritores assumem intencionalmente o espírito nacionalista e patriótico.
Convém observarmos o fato de que a concepção de desenvolvimento da literatura a que nos temos referido não está em desacordo com o meio no qual os escritores estão inseridos. A manifestação mais intensa do desejo de romper com as tendências dominantes portuguesa surge, notadamente, com a euforia da possibilidade de independência do Brasil como Veríssimo se refere primeiro fazendo referência a poetas da plêiade mineira no final do século XVII e, mais adiante, a poetas românticos do final do século XIX, observadores da independência em 1822.
Antes dessas evidenciações de José Veríssimo realizadas com muitos méritos, Sílvio Romero, ainda que em menor grau que ele, também se mostrou interessado. Em seu livro “História da literatura brasileira” (1902) , num primeiro momento reconhece que para entendermos a crítica literária daquele período (século XVIII e XIX), é necessário levar em consideração as ideias do determinismo estabelecidas por Taine: meio, raça e momento. Entretanto, Sílvio Romero reconhece que o determinismo não é totalmente seguro. Para isso afirma que a raça, o meio e o momento até certa altura foram os mesmos, porém, houve escritores inquestionavelmente diversificados.
Mais adiante afirma o seguinte:
Nosso problema histórico se me afigura ser este: indicar a formação do povo brasileiro, como produto sociológico especial, distinto do português. Para isto deve-se considerar, com os fatos, o colonizador europeu como o elemento principal de nossa formação, e em seguida mostrar os elementos que se lhe juntaram, que o alteraram até certo ponto, produzindo o brasileiro. É claro que se o português não sofresse aqui influência nenhuma estranha, o Brasil seria a reprodução de Portugal. (pg. 05). (Idem).
Para Romero, o Brasil, durante um longo período da história, não foi apenas reflexo de Portugal, conquanto os portugueses que aqui aportaram também sofreram influências “estranhas”. Se não fosse dessa forma o Brasil teria sido por inteiro apenas “reprodução de Portugal”. Fato esse que não ocorreu, segundo ele.
Em Veríssimo observamos haver uma preocupação fundamentalmente literária e em Romero uma preocupação preponderantemente sociológica. O ponto que separa os dois estudiosos além do já mencionado é o fato de que o primeiro afirma que a literatura produzida no Brasil durante os três primeiros séculos de sua história deve ser encarado como reflexo do português ao passo que Romero afirma não ser correto fazer essa distinção posto que os europeus que aqui aportaram também foram influenciados pelo Brasil, ainda que em menor grau, portanto, influências mútuas.
Para que esse debate fique completo vamos chamar Antônio Cândido e ver o que ele tem a dizer sobre esse ponto. Portanto, assentemos antes que a literatura tem seu campo próprio de análise e as visões que perpassam ainda que distintas contribuem, por sua vez, para uma melhor compreensão de todo esse percurso .
Antônio Cândido em seu livro “Formação da literatura brasileira” (2000) , destaca a princípio o fato de que a formação dessa literatura se processa como síntese de tendências “universalistas” e “particularistas”. Estas não ocorrendo de forma isolada estão presentes desde as primeiras manifestações literárias ocorridas no Brasil. As primeiras predominam nas concepções neoclássicas, as segundas nas românticas.
Cândido esclarece o fato de que manifestações literárias não se confundem com literatura propriamente dita. Esta última deve ser considerada “um sistema de obras ligadas por denominadores comuns, que permitem reconhecer as notas dominantes duma fase” (Cândido, 2000) (Idem).
Em Cândido, observamos uma reflexão mais próxima da filosofia. Em seu livro já citado aborda a formação da literatura brasileira em conformidade com a evolução do pensamento humano, quer dizer, com a abordagem de concepções filosóficas como necessidade para a compreensão dessa formação.
Com relação ao início, isto é, ao nascimento de uma literatura tipicamente brasileira afirma o seguinte:
(...) A nossa literatura é ramo da portuguesa; pode-se considerá-la independente desde Gregório de Matos ou só após Gonçalves Dias e José de Alencar, segundo a perspectiva adotada. No presente livro, a atenção se volta para o início de uma literatura propriamente dita, como fenômeno de civilização, não algo necessariamente diverso da portuguesa. Elas se unem tão intimamente, em todo caso, até meados do século XIX, que utilizo em mais de um passo, para indicar este fato, a expressão “literatura comum” (brasileira e portuguesa). Acho por isso legítimo que os historiadores e críticos da mãe-pátria incorporem Cláudio ou Sousa Caldas, e acho legítimo incluí-los aqui; acho que o portuense Gonzaga é de ambos os lados, porém mais daqui do que de lá; e acho que o paulista Matias Aires é só de lá. Tudo depende do papel dos escritores na formação do sistema. (Cândido, 2000. Pg. 28). (Idem)
Para Cândido, a nossa literatura, a saber, a que definimos como tipicamente brasileira com todas as suas devidas rupturas “é ramo da portuguesa”. Não parece, portanto, ser acertada uma opinião contrária, pois o Brasil por muitos séculos foi colônia de Portugal. Dessa forma, sua história literária é marcada profundamente pelo que se desenvolvia na metrópole lusitana. Ao menos nesse ponto os estudiosos citados parecem estar em conformidade.
Não obstante, Cândido parece se aproximar mais de José Veríssimo do que de Sílvio Romero. Entretanto, afirma estar mais preocupado em analisar a literatura como fenômeno de civilização do que necessariamente como algo diverso da portuguesa. De qualquer forma, não abre mão dessa distinção acerca de uma literatura portuguesa e de uma necessariamente nacional, isto é, brasileira. Procura analisar esse aspecto sem dar muito ênfase a todo esse processo.
Nesse sentido, os escritores brasileiros que, em Portugal ou aqui, escrevem entre, digamos, 1750 (início da atividade literária de Cláudio) e 1836 (iniciativa consciente de modificação literária, com a Niterói), tais escritores lançam as bases de uma “literatura brasileira orgânica”, como sistema coerente e não manifestações isoladas. Uns foram grandes espíritos, como os mineiros, Sousa Caldas, José Bonifácio, Hipólito da Costa; outros medianos repetidores ou pobres literatos provincianos. Em conjunto porém, a sua passagem pela literatura foi não apenas fecunda e necessária, como, em muitos casos, cheia de beleza (Cândido, 2000. Pg.67).
Nesse ponto observamos que Cândido demarca a trajetória pela qual os escritores passaram para dar origem às bases do que ele chama de “literatura brasileira orgânica”. Portanto, no final do século XVIII enquadrado ainda no Arcadismo e na primeira parte do século XIX mais precisamente início do Romantismo. De acordo com essa perspectiva é absolutamente ostensiva a ideia de que o nascimento de uma literatura tipicamente brasileira é marcado por um longo percurso que vai do final do Arcadismo até o início do Romantismo. Segundo Cândido, escritores independentemente de maior ou menor destaque devem ser considerados a mola propulsora de todo esse processo.
Assim, há certa semelhança – como já foi dito – entre Veríssimo e Cândido. Ambos colocam o nascimento da literatura brasileira a partir do Arcadismo. Entretanto, o primeiro a encara como processo definitivo no Romantismo, que segundo ele foi sem dúvidas o divisor de águas, pois a plêiade mineira apenas timidamente ensaiaram essa ruptura. Portanto, para Veríssimo o início dessa literatura se deu com o Romantismo. Em contrapartida, Cândido não demonstra um grande interesse nessa demarcação ideológica, mas precisamente num percurso histórico e afirma que o início de uma literatura tipicamente brasileira se deu no final do século XVIII para início do XIX.
Depois dessas evidenciações compreendemos que o debate não se esgota aqui. Pelo contrário, ainda há muito o que se dizer sobre isso. Por enquanto fica a ideia de que entre os séculos XVIII e XIX houve de fato o nascimento de uma literatura brasileira e que essa literatura não se deu de forma isolada. Pelo contrário, escritores portugueses contribuíram preponderantemente para esse desenvolvimento tanto que os olhares se diversificam quando o objetivo precípuo é demarcar a ruptura, o nascimento e não apenas a trajetória dessa literatura que se produziu e se produz no Brasil.
Referências:
CÂNDIDO, Antônio. Formação da literatura brasileira. 6°edição. Belo Horizonte. Ed. Itatiaia, 2000.
ROMERO, Sílvio. História da literatura brasileira. 2ª edição. Rio de Janeiro: H. Garnier, 1902. v.1.
VERÍSSIMO, José. História da literatura brasileira. Erechim (RS): Edilbra, 1997.