+MACHO SE VESTE DE MULHER(?)!
MACHO SE VESTE DE MULHER (?)!
Como bom pernambucano do ovo, pois da gema eu deixo pra minha terra natal que não é Recife, adoro carnaval. Não sou folião, mas carnavalesco, com certeza. Por isto, sempre que chega o carnaval, fico pensando sobre o mesmo tema e isto me recorre agora. Trata-se da grande quantidade de homens que se vestem de mulher no carnaval! Então fico pensando: será que não é o caso de fazer uma pesquisa para verificar algumas variantes? Algumas hipóteses neste sentido poderiam ser levantadas, por conta da dificuldade que sempre se apresenta quando a gente quer investigar comportamentos, principalmente quando tem um forte viés da sexualidade.
Hoje, por exemplo, Olinda pára! Todos vão ver as VIRGENS DO BAIRRO NOVO. Pra quem ainda não conhecer, trata-se de homens da chamada "sociedade" olindense que se travestem de mulheres e se organizam na troça com os temas mais irreverentes possíveis. Um ponto que todos os participantes garantem é que ali não tem veado, como se costuma cognominar os gays aqui no nordeste. Primeira ilusão é essa "garantia", pois a gente sabe que ninguém pode isto fazer com o "fiofó" dos outros. Segundo é a contradição que, num primeiro momento a gente encontra, considerando que consciente ou inconscientemente, há uma projeção no imaginário de todos. Talvez neste ponto, a gente tenha que delinear algumas hipóteses que poderão ser esclarecedoras num trabalho de pesquisa:
01 - Por que a gente não encontra mulheres vestidas de homem no carnaval do Recife?
02 - Por que, sendo as mulheres tão vitimadas pelo machismo, os "machos" querem ficar no lugar delas, mesmo no carnaval?
03 - Por que as imitações gestuais são tão próximas da realidade, não bastassem as vestimentas?
04 - Haverá nesse gesto algum tipo de sublimação, daí a projeção?
05 - Por que a preocupação de não deixar entrar veado?
06 - Será que isto ajuda a melhor compreender as esposas, namoradas, etc., já que se colocam como elas fossem?
07 - Por que muitas das "virgens" levam as mulheres e filhos para a concentração do desfile?
08 - As mulheres serão mais seguras de si como mulheres do que os homens?
09 - As mulheres não teriam mais razões para se vestirem de "homem" no carnaval, considerando a histórica submissão e discriminação?
10 - Um divã de psicanalista não seria mais barato financeira e emocionalmente?
Como vimos, perguntar não ofende. Naturalmente que o universo humano é rico pelas suas contradições e idiossincrasias, mas contra fatos não existem argumentos. Imagino mesmo que muitos homens "virgens" se garantem e fazem disto uma fantasia, mas enquanto fantasia, outras facetas da vida social poderiam ser exploradas. Chocar! Barbarizar! Tudo pode acontecer no imaginário de qualquer pessoa diante da permissividade do carnaval. Fica evidente que a cultura, com seu grande poder de coercitividade, estabelecem sanções positivas e negativas, mas que no carnaval se adéqua... Entra em cena o relativismo cultural que também serve para qualquer argumento, inclusive para legitimar o homem que se veste de mulher no carnaval e a mulher que não se veste de homem, mesmo no carnaval.
Defendemos a liberdade de expressão como forma de vida e de felicidade, mas elaboramos esses questionamentos como forma de compreender o falso moralismo que tem norteado nossa sociedade. Ninguém ignora que o SOCIAL se estabelece na lógica dos status e papéis sociais. Em sendo geradas expectativas, corresponder ou não passa a ser o diferencial interior de cada indivíduo. Afinal, a sociedade é, inegavelmente, simbólica. Quando se trata de comportamentos, esse simbolismo se consolida na subjetividade de cada pessoa e a sua exposição acontece ou não, dependendo do nível de consciência que se tem do processo ou não. Neste sentido há uma relativa combinação entre o que se sente o que se deixa transparecer num processo psicanalítico mais sistemático. No cotidiano, os fatos vão acontecendo, geralmente, na determinação do inconsciente que é dinâmico e menos no consciente que é repressivo.
Concluo entendendo que noutro momento deverei investigar estas hipóteses. Enquanto não chego nisto, alegro-me na alegria dos homens que são homens no carnaval, daqueles outros que são mulheres, das mulheres, dos gays, dos sapatos e das demais derivações. Afinal, beijar na boca e ser feliz é o que importa, mesmo que chegue logo a quarta-feira de cinzas e a gente tenha que enfrentar a quaresma para se redimir dos pecados...
Carlos Sena, do foco da folia no Recife.