DA LIBERDADE
É fato que o evento de se separar das pessoas com quem se vivi soa agressivo de início, mas que – sem se demorar muito – logo a ideia de estar só vai provocar ao menos uma destas reações: momentos de existencialismo, fatalmente parindo um isolado, porém muito mais intelectualmente produtivo; um libertino boêmio que pode finalmente abusar de seus desejos sem a sobriedade madura de quem o criou – e criado para ser bem-sucedido e sem excessos. E, com alguma sorte, a solidão pode criar um empreendedor, contido e absorto em trabalho – não que não queira exaurir também sua energia juvenil, contudo o faz depressa, o faz para acumular enquanto as distrações de uma família ainda não requerem dele boa parte de suas economias.
Não que no decorrer da vida alguém não tenha transitado por todas essas possibilidades, mas qualquer um que faça qualquer coisa dessas à sombra da família, de um amante ou acompanhado da pseudo liberdade com amigos não terá sido original; e, ainda que consiga ser um subversivo inteligente, vai lhe faltar aquela liberdade conquistada – que aliais é a única liberdade que existe, se alguém lhe diz conceder liberdade esse alguém continua lhe regendo a vida e isso não pode ser interessante. Depois de algum tempo só, experimentando a euforia de se estar onde quiser e chegar sem avisar quando é que, angustiado com o tempo e infeliz com o anonimato, poderá se dizer que ‘verdadeira liberdade é ter autonomia para escolher onde se escravizar’. Sendo, portanto, que a discussão de se estar livre não é nunca sobre o elemento físico de ir ou vir, mas repousa na instância do querer, ou seja, livre desejo.
Assim não consigo parar de pensar que o oposto da liberdade é a indecisão, causada pelos seus mais variáveis motivos – e sim, muitas vezes causada pela falta de subsídios sociais. Entretanto, alguém que não se acostuma a decidir por si mesmo e que submete desejos aos dogmas de uma filosofia vigente, ao eco de uma tradição, à interpelação de uma história não pode se valer de uma macroestrutura para justificar sua alienação. São escravos todos os que desconhecem sua escravidão; e iludidos aqueles que vacilam ao decidir ponderando qual é a escolha potencialmente mais feliz. Não é na substância escolhida que poderá residir felicidade humana, é apenas na opção – pura e simplesmente, no fato de existir a opção – que podemos nos fazer felizes. Está no fato de que tudo vai acabar a preocupação de ter feito a melhor escolha, mas isso é uma besteira, pois uma vez “livremente desejada e escolhida” o potencial de nos fazer felizes se esgota.
A memória é o único elemento capaz de fazer perdurar uma escolha feliz e ludibriar os sentidos tornando-a durativa. Por isso, deve-se escolher aquilo que se quer sem embaraços medievais. Muitos dirão que consequências dolorosas poderão ser sentidas num futuro a ver, contudo receio dizer que muitos estão perdendo a chance de usufruir daquilo que unicamente nos difere como humanos, porque confundiram – isso já há muito tempo – o que era felicidade.