Últimos
 
Foi então que eu o vi, na última prateleira da última estante do último corredor daquele sebo. Aquele sebo que ficava na última quadra da última rua daquela cidade.

E ele me olhou, quieto, quase sonolento, como alguém que já viu muitas oportunidades escaparem entre seus dedos enfraquecidos, e não tem mais forças nem mesmo para desejar, querer ser alguém diferente.

Mas naquela tarde, a última tarde do último mês da minha vida, eu o vi. Ele que como eu estava cansado do mundo, cansado de todas as máscaras que devemos usar para escapar incólumes disso que chamamos sociedade, ele que, assim como eu, estava simplesmente esperando o último sopro de vento, ele me viu.

E quando o retirei da prateleira senti um tremor em meus dedos que não saberia definir se era ele extasiado por finalmente ter sido encontrado ou eu mesmo, nervoso por ter, de alguma forma, encontrado algo que me desse sentido naquele momento, o último momento.

E gastei as melhores horas da minha existência com ele em minhas mãos. Absorvi até o último segundo todo o conhecimento que estava contido em suas páginas velhas e amareladas,

Um escritor anônimo, talvez mesmo não reconhecido dentre os seus, jogara naquelas páginas exatamente o que eu precisava ler naquele momento, as últimas páginas que jamais eu leria na vida. E hoje sou grato àquele escritor, que não tem mais nome ou rosto, mas teve a coragem de deixar seus sentimentos à mostra para mim, o último homem vivendo seu último dia.

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Fábio Codogno
Enviado por Fábio Codogno em 14/12/2009
Código do texto: T1976715
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