AMAR É SOFRER?

Muito se escuta sobre a dor do amor. Aliás, é a rima preferida dos poetas. Parece um consenso geral que amor dói, e que para amar precisa sofrer.

Não gosto muito da palavra: sofrer. Sofrimento me reporta a uma atitude de ficar ruminando a Dor. É aquela dor que vai para o estômago da mente, não consegue ser digerida e volta ardida pela fermentação das falsas noções, para ser novamente mastigada e engolida. Vejo nisso a atitude dos ruminantes, e, como creio haver modos mais palatáveis de lidar com a dor, prefiro falar da Dor e daquilo que o Amor pode realizar através das experiências desagradáveis, naturais do existir.

Em primeiro lugar quero diferenciar a dor do sofrimento. Dor é tudo aquilo que nos machuca e causa feridas físicas ou emocionais. A Dor existe para doer. É ela que nos dá a dimensão exata de causa e efeito de tudo o que acontece na nossa vida, chamando a atenção para a nossa responsabilidade pelos eventos ocorridos no dia a dia.

Sem a Dor a vida seria impossível, pois não teríamos noção do que nos prejudica e é perigoso. A dor existe para nos avisar algo importante. O perigo, o risco, a desatenção, e tudo aquilo que nos convém cuidar para a nossa preservação.

Sofrimento é uma lembrança desnecessária da dor. É quando olhamos as cicatrizes e nos condoemos de nós mesmos. Reclamamos o fato de termos permitido a machucadura e remoemos como ruminantes a culpa dessa permissão que nunca será digerida adequadamente. O sofrimento não é um masoquismo. É mais que isso, é um sado-masoquismo, pois além de nos maltratar, machuca as pessoas que nos amam.

Talvez por isso se associe o sofrimento com o amor. No caso, quem ama o sofredor suporta seu sofrimento e sofre com ele.

Enquanto a dor é legítima, o sofrimento não o é. E aí, nem o amor suporta... O amor foi estabelecido para ser regido pela verdade. O sofredor é um auto-pietista. Sofre apenas por si, nunca pela dor alheia, pois nem tempo tem para ver o seu próximo, na necessidade de manter a atenção sobre si mesmo. O sofredor, para mim, é um egoísta. E Deus não compactua com egoísmos. Não provindo de Deus, não temos obrigação de expressar sentimentos a quem se auto-apieda.

Não tenho prazer em sofrer com o outro. Primeiro porque não existe prazer no sofrimento. O que posso admitir é que, por amor, naturalmente ficamos solidários à pessoa que está em estado de dor. Com ela choramos , esperamos, cremos e também suportamos ficar ali, junto, esperando o momento da sua redenção. Essa conduta se limita ao contexto da dor em si. Quando se passa ao sofrimento, as pessoas se vão. Por isso, enquanto o “sofre-dor” reclama a falta dos amigos, o que “sofreu-dor” agradece pelo apoio recebido enquanto precisou de seus amigos. E aceita naturalmente ter chegado a hora deles voltarem para seus próprios interesses.

Não creio que a dor, por si só, adoce um coração. Creio que um coração só se adoce com a lição aprendida com a dor. Sem compreender a lição, não se compreende a dor e o que se instala é a revolta e o sofrimento, aquele eterno ruminar, tentativa de entendimento. Já percebeu que lição compreendida é dor esquecida? Só olha as cicatrizes quem nada assimilou da lição e as olha com pesar de elas estarem ali. Para o sábio a cicatriz é a lembrança do aprendizado por isso se rejubila com a lição havida. E essa lembrança é suave, sem peso de culpa ou culpado. E a esquece.

Esse pseudo-amor, que exige de si além do que pode suportar sem ferir-se ou que exige o sacrifício das prioridades dos seus amigos, para mim, caracteriza a culpa íntima e a necessidade de pagar a suposta dívida e apagá-la de sua memória. Ou me remete à cobrança que o sofredor faz de sua vítima bem intencionada.

Não é um ato de amor. É uma interação do ódio-culpa.

O verdadeiro amor é aquele que está isento de qualquer julgamento de culpa, culpado ou perdão. Nada lhe pode ser cobrado, pois ele não se movimentou por dívidas. Nada pode cobrar, pois não se ocupa em fazer mais do que lhe é solicitado. Se alguém lhe pede para caminhar uma milha, com amor, já nos prontificamos a andar duas. O que não significa que arrastaremos o solicitante além do que seja a sua medida de caminhar. Amar, para mim, é respeitar a medida do semelhante. É permitir a ele dar a dimensão exata da sua necessidade. Por vezes, no afã de demonstrar amor ( que pode ser até uma vaidade fantasiada de amor), mostramos ao mundo como somos bons para nossos amigos. E quando essas pessoas que “ajudamos” se afastam de nós, não as compreendemos. E delas cobramos o trecho caminhado e que não foi o estabelecido, POR ELAS, para andar.

Por isso associamos a dor com amor. Mas a associação deveria ser feita sobre o amor interesseiro versus sofrer-dor.

O amor é leve, é solícito, é infinitamente divino para abarcar definições meramente humanas. Ama-se por que se ama. Nada mais, nem nada menos. Nada se adiciona nem restringe. Pois como Deus, o real amor É. Nada mais cabe nessa dimensão.

No infinito espaço do amor real não cabem finitas explicações humanas.