Lua de gente
Temos fases. Estações.
Tem dia que é dia de sorrir. Achar o mundo lindo, bem bobo ou engraçado.
Tem dia que a cama já incomoda de manhã e o choro chega cedo, no desespero de levantar-se quando nem mesmo se deseja dormir.
Um não sei o que que vem de não sei onde.
Tem dia que parece dar choque. Às oito e meia da manhã meia maratona está corrida, a escova está feita e a gravata enlaçada.
Tem dias que parecem que não foram dias. Levanta-se às cinco da tarde porque às cinco da manhã a brincadeira ainda rolava solta, forrada de risos e gargalhadas folgadas.
Tem dia que a gente deseja que não tivessem sido dia. Preferia apagar, esquecer, rasgar fora do gibi. E a revistinha é nossa vida.
Temos dias de Mônicas, Magalis e Cebolinhas.
Em que a palavra não sai, enrola na língua.
Mas que agonia, preciso falar. Argumentar!
Ah, cansei, deixa quieto que vou chupar uma laranja.
Tem dias em que a vitamina C tá baxa.
Outros dias é a A, a D, B12 e então a boca racha.
Junto com a cabeça de já dói de tanto pensar e de pouco descansar.
Tem dia em que sai fumaça.
E n'outros dias a fumaça é do fogo que tá queimando na vizinha.
E coitadinha, perdeu tudo no incêndio!
E neste dia a gente reza e agradece. A casa e o pão de cada dia.
Mas tem dias em que a gente se esquece, e o pão vira o grande vilão, já que magreza está mais importante do que a franqueza.
Ah, tem dia em que a gente só é feliz.
E tem dia que a gente é triste. Tão triste que se deixa esquecer que tudo passa, e então chega o dia em que as damas da noite florescem.
E seu cheiro entorpece, embalando alguns amantes andantes.
Se vou ficando repetitiva, então paro pro seu descanso
Em algum estágio, posso até ensaiar uma valsa de veneza
Ou te servir um pingado com pão, junto aos farelos sobre a mesa.
Mas pra continuar o que comecei,
Vou dando continuidade aonde parei
E vou mudando as palavras pra não enjoar os descontentes.
Há ainda tempos e tempos na vida da gente.
Há tempo de sorrir e de cantarolar no banho. Há tempo de chegar fazendo dancinha em casa.
Há tempo de chorar a toa, e há tempo de se ter motivo para chorar.
Há tempo para brincadeira, para mulecagem e um passatempo com bobagem.
Há tempo de querer ser criança, de não gostar de ser chamado de criança, e de querer uma criança.
Há tempo de cuidar dos outros. Há tempo de deixar que cuidem da gente.
Há tempo de querer colo, e ainda outros tempos em que o colo nos enche e a liberdade parece um delírio.
Há tempos em que a liberdade vira um martírio.
Há tempo de ser cortesã, de se deixar esquecer que existe amanhã.
Amanhã este que inaugura algum outro tempo.
Se será bom ou ruim não se sabe
A gente só segue levando antes que a vidinha acabe.
Tudo que conhecemos, e fingimos desconhecer, é a inconstância das coisas, sua impermanência.
Mas abdico às máscaras e às aparências, e fico com todo o resto que realmente importa.
Os risos descontrolados, o choro desenfreado.
Meus momentos de fúria e de euforia.
Porque bem no fundo do peito, reconheço minhas fases,
e sei que muitas delas são parte do que sigo como guia.