(...) “Educação e Qualidade de Vida”
Solicitar às futuras gerações que pensem em nós com indulgência; implorar-lhes perdão pelas heranças que estamos deixando; prescrever receitas sobre o que vislumbramos, mas não fomos capazes de realizar; pregar sermões que mascarem nossa omissão: caminhos tentadores, quando se reflete sobre educação e qualidade de vida.
Há quem diga que a degradação ambiental é irreversível. Pode-se minimizá-la; adiar seus efeitos; desviá-los para quem não tem poder de enfrentamento; mascará-los com noticiários pseudo-alarmantes com final feliz: alternativas viciadas para os donos do poder que não querem querer.
Outros sequer atentam para a questão. Importante é viver a própria vida; usufruir das maravilhas da tecnologia moderna; prover familiares e amigos quanto às suas necessidades, sejam elas vitais, secundárias ou simplesmente caprichosas; vencer e ter sua casa em algum oásis urbano, desses condomínios fechados – suficientemente distantes para não serem atingidos pelas desvantagens da urbanização desenfreada – Pilatos contemporâneos além e acima de qualquer suspeita.
Dentre os que percebem o problema, incorrigíveis pessimistas alardeiam o apocalipse, o fim dos tempos, a fome, a peste, a miséria. Estranha herança no sangue, na pele, na mente a impelir para o niilismo: para o “nada a fazer”.
E as Polianas? Conseguem identificar, na poluição dos outdoors, a magia noturna da cidade grande; nos lixões a derradeira oportunidade da xepa para os desafortunados; no rio semimorto e fétido, lições que começam o “era uma vez...”, no ar mal cheiroso, cinza e carregado, a alternativa do fim de semana prolongado; no solo enterrado sob o vil cimento, a pista certa para potenciais campeões de um duvidoso pódio, de um triste prêmio de vertiginosa corrida, cujos espectadores agitam braços e bandeiras, com seus polegares voltados para baixo.
Os poluidores também não têm nada com isso. Fazem o progresso. Criam empregos. Constroem prédios, pontes, estradas e tumbas. Agilizam a história. Facilitam a vida humana. Viabilizam projetos para aproveitamento do lixo urbano: para reciclagem, compostagem, incineração, aterramento. Afinal, não foram eles que inventaram essa guerra...
Enquanto isso, uma verdadeira maioria de conformados sapos gordos (ou inchados?) vive, convive, sobrevive apesar de...
E as minorias? E os que tentam superar as omissões políticas, a alienação, o pessimismo paralisante, as Polianas inveteradas, os cegos poluidores e suas impotentes vítimas?
Com seus cartazes pregando o desenvolvimento sustentável; com suas palavras de ordem bradando denúncias; com suas passeatas, não raras vezes garantidoras de repressão, porquanto atrapalham o trânsito; com seus protestos de luto desandando a harmonia dos sons das buzinas...
Utopia?
O que lhes falta?
Há muitas respostas possíveis.
Lembram aquela história de indivíduos que cortam espinheiros, quando o espinho está no pé.
Esquecem ou desconhecem a história do ouriço que vence o cão e o leão com seus espinhos, mas aprende a fugir do homem e seu raciocínio tolo.
Longe a intenção de desvirtuar ou desprezar sua coragem e importância. Mas são martelos a bater em ferro firo.
Utopia?
O que lhes falta?
Há muitas respostas possíveis.
Conscientização é uma delas!
- Sobre ser o homem o predador de seu próprio meio ambiente;
- Sobre ser mito, a incompatibilidade entre urbanização e preservação do hábitat;
- Sobre as funestas e reais interferências das poluições na saúde das populações, hoje, e sua sobrevivência, amanhã;
- Sobre o desvio das energias humanas centradas em formas individuais de evitar o sofrimento quando tais esforços deveriam ser coletivos e canalizados para o que, todos buscam: os rios não morrendo pela sede, o ar simplesmente puro...;
- Sobre o fato de utopia não ser delírio, mas sim futuro possível;
- Sobre o tempo estar cada vez mais curto, como as distância;
- Sobre ser o planejar, a antecipação da realização do sonho;
- Sobre a imprescindível coragem de mudar...
Desses e de outros desafios se impõe o que parece prender-se, dentre outras dimensões da essência humana, a visão de futuro.
Viver o hoje parece ser suficiente.
Lembrar o ontem parece ser confortante.
Pensar no amanhã parece ser desnecessário.
Alternativas?
Há muitas.
Educação é uma delas.
Não aquela Educação formal, meramente instrucional, adestradora, castradora, reprodutora das desigualdades sociais, papagaio do saber universal oficialmente aceito. Educação que propaga o permitido acrítico; hipnotiza, poluindo a potencialidade de distinguir entre o saber natural e o enlatado, de visualizar a diversidade de tons que o verde tem, de perceber a sensação de frio que a solidão traz (mais do que o inverno); de sentir a dor do zumbido urbano; de incomodar-se com o mau cheiro das ruas, do lixo, das gentes...
Há de ser uma educação integral e íntegra.
Voltada para a meta de um futuro imediato (basta de aguardar um futuro que nunca chega).
Centrada em uma visão não ideal – mas possível – porque comum a todos e construída por todos. Buscando “qualidade de vida”.
Há de ser uma Educação capaz de ressuscitar a capacidade de arrepiar.
Arrepiar e envolver os políticos de qualquer cor, de qualquer bandeira.
Arrepiar e envolver os alienados, de qualquer história, de qualquer patologia.
Arrepiar e envolver as Polianas, de qualquer autor, de qualquer época.
Arrepiar e envolver os poluidores, de qualquer pretexto, de qualquer mercadoria.
Arrepiar e envolver as vítimas, de qualquer fator, de qualquer omissão.
E fazer do mundo um enorme cartaz azul, das palavras de ordem a denuncia definitiva.
As passeatas a engrossar com carreatas e pintar de arco-íris as braçadeiras de luto.
Melhorar a qualidade de vida é garantir o amanhã. Fazê-lo através da Educação não é delírio.
Cada educando tem seu polegar verde!
Não nos convençamos que os polegares são cor de cinzas. Não nos esqueçamos que deles podem sair tiros.
Não solicitemos às novas gerações que pensem em nós com indulgência. Nem lhes imploremos perdão.
Eduquemo-nos com elas, por elas e para elas.
Pela qualidade de vida!
reginaLU_1993
In: A Questão Ambiental Urbana: Cidade de São Paulo / Prefeitura do Município de São Paulo, Secretaria Municipal do Verde e do Meio Ambiente – São Paulo: A Secretaria, 1993.
“Esta publicação, elaborada sob a coordenação da Secretaria Municipal do Verde e do Meio ambiente com a participação de diferentes órgãos da Administração Municipal, visa subsidiar a política e gestão ambiental.”
(A Secretaria Municipal de Educação participou da publicação com o texto chamado “Educação = Referencial urbano na cultura das populações – SME”, escrito pela então Pedagoga Ana Maria Alves Benetti, Prof. Artur Paulo Hudler e a Diretora de escola Regina Lúcia Garcia.
A presente transcrição publica a parte de minha autoria, revisada).
Solicitar às futuras gerações que pensem em nós com indulgência; implorar-lhes perdão pelas heranças que estamos deixando; prescrever receitas sobre o que vislumbramos, mas não fomos capazes de realizar; pregar sermões que mascarem nossa omissão: caminhos tentadores, quando se reflete sobre educação e qualidade de vida.
Há quem diga que a degradação ambiental é irreversível. Pode-se minimizá-la; adiar seus efeitos; desviá-los para quem não tem poder de enfrentamento; mascará-los com noticiários pseudo-alarmantes com final feliz: alternativas viciadas para os donos do poder que não querem querer.
Outros sequer atentam para a questão. Importante é viver a própria vida; usufruir das maravilhas da tecnologia moderna; prover familiares e amigos quanto às suas necessidades, sejam elas vitais, secundárias ou simplesmente caprichosas; vencer e ter sua casa em algum oásis urbano, desses condomínios fechados – suficientemente distantes para não serem atingidos pelas desvantagens da urbanização desenfreada – Pilatos contemporâneos além e acima de qualquer suspeita.
Dentre os que percebem o problema, incorrigíveis pessimistas alardeiam o apocalipse, o fim dos tempos, a fome, a peste, a miséria. Estranha herança no sangue, na pele, na mente a impelir para o niilismo: para o “nada a fazer”.
E as Polianas? Conseguem identificar, na poluição dos outdoors, a magia noturna da cidade grande; nos lixões a derradeira oportunidade da xepa para os desafortunados; no rio semimorto e fétido, lições que começam o “era uma vez...”, no ar mal cheiroso, cinza e carregado, a alternativa do fim de semana prolongado; no solo enterrado sob o vil cimento, a pista certa para potenciais campeões de um duvidoso pódio, de um triste prêmio de vertiginosa corrida, cujos espectadores agitam braços e bandeiras, com seus polegares voltados para baixo.
Os poluidores também não têm nada com isso. Fazem o progresso. Criam empregos. Constroem prédios, pontes, estradas e tumbas. Agilizam a história. Facilitam a vida humana. Viabilizam projetos para aproveitamento do lixo urbano: para reciclagem, compostagem, incineração, aterramento. Afinal, não foram eles que inventaram essa guerra...
Enquanto isso, uma verdadeira maioria de conformados sapos gordos (ou inchados?) vive, convive, sobrevive apesar de...
E as minorias? E os que tentam superar as omissões políticas, a alienação, o pessimismo paralisante, as Polianas inveteradas, os cegos poluidores e suas impotentes vítimas?
Com seus cartazes pregando o desenvolvimento sustentável; com suas palavras de ordem bradando denúncias; com suas passeatas, não raras vezes garantidoras de repressão, porquanto atrapalham o trânsito; com seus protestos de luto desandando a harmonia dos sons das buzinas...
Utopia?
O que lhes falta?
Há muitas respostas possíveis.
Lembram aquela história de indivíduos que cortam espinheiros, quando o espinho está no pé.
Esquecem ou desconhecem a história do ouriço que vence o cão e o leão com seus espinhos, mas aprende a fugir do homem e seu raciocínio tolo.
Longe a intenção de desvirtuar ou desprezar sua coragem e importância. Mas são martelos a bater em ferro firo.
Utopia?
O que lhes falta?
Há muitas respostas possíveis.
Conscientização é uma delas!
- Sobre ser o homem o predador de seu próprio meio ambiente;
- Sobre ser mito, a incompatibilidade entre urbanização e preservação do hábitat;
- Sobre as funestas e reais interferências das poluições na saúde das populações, hoje, e sua sobrevivência, amanhã;
- Sobre o desvio das energias humanas centradas em formas individuais de evitar o sofrimento quando tais esforços deveriam ser coletivos e canalizados para o que, todos buscam: os rios não morrendo pela sede, o ar simplesmente puro...;
- Sobre o fato de utopia não ser delírio, mas sim futuro possível;
- Sobre o tempo estar cada vez mais curto, como as distância;
- Sobre ser o planejar, a antecipação da realização do sonho;
- Sobre a imprescindível coragem de mudar...
Desses e de outros desafios se impõe o que parece prender-se, dentre outras dimensões da essência humana, a visão de futuro.
Viver o hoje parece ser suficiente.
Lembrar o ontem parece ser confortante.
Pensar no amanhã parece ser desnecessário.
Alternativas?
Há muitas.
Educação é uma delas.
Não aquela Educação formal, meramente instrucional, adestradora, castradora, reprodutora das desigualdades sociais, papagaio do saber universal oficialmente aceito. Educação que propaga o permitido acrítico; hipnotiza, poluindo a potencialidade de distinguir entre o saber natural e o enlatado, de visualizar a diversidade de tons que o verde tem, de perceber a sensação de frio que a solidão traz (mais do que o inverno); de sentir a dor do zumbido urbano; de incomodar-se com o mau cheiro das ruas, do lixo, das gentes...
Há de ser uma educação integral e íntegra.
Voltada para a meta de um futuro imediato (basta de aguardar um futuro que nunca chega).
Centrada em uma visão não ideal – mas possível – porque comum a todos e construída por todos. Buscando “qualidade de vida”.
Há de ser uma Educação capaz de ressuscitar a capacidade de arrepiar.
Arrepiar e envolver os políticos de qualquer cor, de qualquer bandeira.
Arrepiar e envolver os alienados, de qualquer história, de qualquer patologia.
Arrepiar e envolver as Polianas, de qualquer autor, de qualquer época.
Arrepiar e envolver os poluidores, de qualquer pretexto, de qualquer mercadoria.
Arrepiar e envolver as vítimas, de qualquer fator, de qualquer omissão.
E fazer do mundo um enorme cartaz azul, das palavras de ordem a denuncia definitiva.
As passeatas a engrossar com carreatas e pintar de arco-íris as braçadeiras de luto.
Melhorar a qualidade de vida é garantir o amanhã. Fazê-lo através da Educação não é delírio.
Cada educando tem seu polegar verde!
Não nos convençamos que os polegares são cor de cinzas. Não nos esqueçamos que deles podem sair tiros.
Não solicitemos às novas gerações que pensem em nós com indulgência. Nem lhes imploremos perdão.
Eduquemo-nos com elas, por elas e para elas.
Pela qualidade de vida!
reginaLU_1993
In: A Questão Ambiental Urbana: Cidade de São Paulo / Prefeitura do Município de São Paulo, Secretaria Municipal do Verde e do Meio Ambiente – São Paulo: A Secretaria, 1993.
“Esta publicação, elaborada sob a coordenação da Secretaria Municipal do Verde e do Meio ambiente com a participação de diferentes órgãos da Administração Municipal, visa subsidiar a política e gestão ambiental.”
(A Secretaria Municipal de Educação participou da publicação com o texto chamado “Educação = Referencial urbano na cultura das populações – SME”, escrito pela então Pedagoga Ana Maria Alves Benetti, Prof. Artur Paulo Hudler e a Diretora de escola Regina Lúcia Garcia.
A presente transcrição publica a parte de minha autoria, revisada).