Meu despertar espiritual
MEU DESPERTAR ESPIRITUAL
Novembro/2009.
Newton Schner Jr.
Posso dizer que nunca tive um apego tão grande pelo cristianismo. Ainda pequeno, preferia as minhas próprias brincadeiras a qualquer catequese ou terço. Crescia e ainda na obrigatoriedade de freqüentar as missas, sentia-me como que sozinho em meio a uma multidão. Geralmente, as moças bonitas, o teto da igreja ou os meus próprios dedos chamavam mais minha atenção que os sermões do padre. "Aquela... bela moça! E esta outra, à minha frente... Sim, ela também!" e assim por diante. Com certo esforço, fiz, para orgulho de meus pais e de minha madrasta, a primeira comunhão. Relembro aquele domingo ensolarado. Lá estava eu, de trajes sociais. O cabelo penteado para trás, regado a gel, sendo filmado. No entanto, admito que, naquela época, eu era incapaz de enxergar com outros olhos o que fazia. Apesar de pressentir o começo de uma rebeldia, em forma de distração, eu não ousava colocá-la em jogo contra a vontade de meus familiares. Aceitava àqueles atos como uma regra de vida: “É preciso fazê-lo”.
Enfim, foi a sincronicidade de Jung que me despertou para a espiritualidade. Mesmo antes de tê-la conhecido com esta terminologia, eu já a sentia, pois presenciava seus exemplos. Posso citar a forma com que fui "avisado" da morte do meu pai. Domingo, eu chegava cedo em casa e quando estava diante do portão, ouvi o telefone tocar: eu sabia que, naquele instante, eu o havia perdido.
Fui também comunicado da morte do querido Miguel Serrano. De meu amigo, eu recebia uma foto sua: "Está aqui uma foto deste autor, a quem você tanto admira". Era noite de sábado e nos encontrávamos em sua casa, depois de um passeio. Junto dela, ele, contente, me mostrava os novos livros que comprara. Dias depois, havíamos sido informados da morte de tal escritor. Meu amigo começou a fazer conexões com as coisas e, então, confirmou-se algo incrível: ele me havia entregado a foto no exato dia da morte, em 28 de Fevereiro.
Por diversas vezes, eu pensava em alguém e, então, recebia suas ligações. Presenciei também concretizações reais de coisas que eu havia sonhado. Certa madrugada, eu acordava de um sonho e o relembrava: nele, eu entregava meu telefone a uma moça que, pelo que se fazia entender, trabalhava para alguma empresa e pedia meus dados. Acordado, minutos depois, vi o telefone tocar e tão logo se desligou: era um número desconhecido.
Coincidências? Por muito tempo, achei que fossem. Mas, talvez até por um elo místico, eu fui levado, através de Miguel Serrano, a Jung e aos poucos passei a estar mais seguro de que minhas experiências não eram fruto de transtornos psíquicos. Que sorte tê-lo descoberto! Eu, que me sentia quase que atrasado em relação a amigos que chegavam à abertura espiritual, presenciava, enfim, a minha própria inclinação.
Nos tempos de ceticismo, eu, confesso, ainda reconhecia que um dia poderia mudar – não achei, no entanto, que esta mudança viria tão rápida. Amadureci? Ou o misticismo tomou um atalho e sem que percebesse, chegava ao meu encontro? Não sei dizer, mas algo é certo: estou contente por minha situação. E sem que tivesse sido minha intenção, tornei-me um religioso como meu pai. Não no seu sentido, quando freqüentava diversas instituições, mas na forma com que tenho colhido o que há de essencial em cada vertente, como tudo neste mundo. E ele, por mais uma vez, sem que compreendesse, teve um papel fundamental nisto. Espiritual, ele, no entanto, nunca deixou de criticar o cristianismo quando eu me inclinava para o ateísmo filosófico. Cada crítica sua me foi importante, no momento em que eu construía um martelo com o qual deveria romper com algo que lentamente passaria a reconstruir.
Como exemplo, cito a história que ele costumava me contar sobre dois pastores. Eles teriam aparecido em seu consultório, com uma mala repleta de revistas. Estavam bem vestidos e eram bastante educados. Na sala de espera, encontraram com meu pai e tão logo, perguntaram-lhe sobre sua opção religiosa. “Que religião o senhor segue, Dr. Schner?”. Com uma ironia que somente seu bigode era capaz de expressar, ele lhes respondia: “Eu sigo a religião dos índios. Adoro as árvores, o sol e a natureza”. Eles lhe respondiam: “Mas, doutor... Os índios adoram o deus errado!”. E subitamente, meu pai lhes disse: “Pode ser, mas... Ao menos eles cultuam algo que existe!”.
Como todo ser humano, nasci provido de espiritualidade. No entanto, a forma a que esta era ministrada por minha família – no caso, materna – não me contentava. Foi preciso destruí-la para repor cada pedaço seu, e, enfim, encaixá-la em algo maior. Foi como um escultor que descontente com sua obra, é tomado por uma fúria. Ele a quebra. Deixa a tudo de lado. Descansa. E tempos depois, acredita estar maduro o suficiente para refazê-la. Quando a abandonou, no entanto, não perdeu sua conexão com o mundo. Muitas coisas vieram ao seu encontro, para que pudesse desenvolver novas técnicas. E assim, chegou ao ápice. E, de agora em diante, apenas quebrará pequenas partes. A espiritualidade – sua base – estará intacta: pois é o seu núcleo.