Resultado de Pesquisa Sobre o Período Arraes (1960-64)

Na introdução do relatório parcial desta pesquisa, cometi o equivoco de afirmar que o governo Arraes, comparativamente a outros Estados do Brasil, não poderia ser classificado como populista “dado que existia uma interpenetração entre o movimento social rural-urbano e o Estado”. Na verdade, esta interpenetração vinha ocorrendo de forma gradativa, muitas vezes independente da pauta do governo Arraes e até mesmo anterior a ele: as associações de bairro, desde a década de 50, proliferavam a ponto de as suas reivindicações se tornarem uma ameaça às práticas políticas vigentes; as Ligas Camponesas, lideradas pelo deputado Francisco Julião, se multiplicavam exigindo mudanças sociais em diversos núcleos do campo, por exemplo. E as atitudes do governo Arraes, diante destes fenômenos, foram uma tentativa de conciliação dos movimentos sociais com as elites. A própria história da Frente do Recife é um exemplo de como funcionava esta tentativa de conciliação.

A Frente do Recife foi uma aliança que, desde o surgimento da lei de autonomia municipal, sancionada pelo presidente Café Filho em 1955, manteve a sua capacidade de se reestruturar a cada novo combate e tinha como principal lema o nacionalismo, o nacional-desenvolvimentismo e o desenvolvimento social da região de forma conjunta. A Frente era constituída pelo PSB e PTB, respectivamente socialistas e trabalhistas, e, posteriormente, também pelo PCB. Contudo, esta aliança modificou-se com o passar dos anos a ponto de caber a UDN, liderada por Cid Sampaio.

Quando foi instituída a redemocratização municipal, Recife era vista pelo PSD como uma cidade a se temer, pois a influência pessedistas se concentrava, em sua maioria, no interior do Estado. Então, para os trabalhistas e socialistas, a oportunidade de eleger um candidato por sufrágio direto na capital de Pernambuco, significaria a quebra da longa hegemonia pessedista. Devido à rápida passagem de Pelópidas Silveira (PSB) pela prefeitura, por ocasião da interventoria de José Domingues, Pelópidas se tornou uma figura popular devido à forma com que se relacionava com povo, e por isso foi o candidato mais cogitado pelos os integrantes do PSB e do PTB. E de fato ele venceu as eleições com quase 50% dos votos válidos, deixando para trás Paulo Germano Magalhães (PSP - PSD - PDC), Antônio Alves Pereira (PRT - PL) e Alcides Teixeira (PST).

Durante a sua gestão, Pelópidas e seus secretários promoveram audiências quinzenais onde ouvia as reivindicações das associações de bairros, causando uma intensa rivalidade entre o prefeito e os vereadores, pois estes últimos defendiam a idéia de que eles seriam os verdadeiros representantes do povo, e desta forma o prefeito estaria agindo de forma antidemocrática. Em 1956, surgem diversos movimentos de trabalhadores exigindo melhorias salariais. Além disso, industriais e comerciantes se sentiam prejudicados pelo novo código tributário estadual instituído pelo então governador Osvaldo Cordeiro de Farias (PSD). E é visando o nacional-desenvolvimentismo e a derrota de um adversário em comum, o PSD, que a UDN, se alia à Frente do Recife para poder alcançar o governo do Estado, indicando Cid Sampaio (UDN) e Pelópidas Silveira (PSB) como candidato a governador e vice-governador, respectivamente.

Passadas as eleições, Cid torna-se governador com um total de mais de 50% dos votos válidos, tendo uma vitória significativa no Recife e outra nem tanto no interior do estado, mas com certeza a sua vitória no interior deve-se à grande influência exercida pelas Ligas Camponesas e pelo Partido Comunista junto aos trabalhadores rurais. Todavia as rivalidades permanecem, e a principal característica desta aliança é a contradição, pois a maior parte das secretarias foi destinada a nomes vinculados às classes produtoras.

Vale ressaltar um pouco sobre a posição do Partido Comunista diante desta aliança contraditória, porém coerente com o cenário nacional e internacional. O PCB ao aliar-se com a UDN, o PTB e o PSB não estava apenas seguindo as tendências políticas do cenário brasileiro, mas também tinha como inspiração as novas resoluções da XXª reunião do PCUS que tinha como objetivo o desenvolvimento econômico dos países como o primeiro passo para a revolução, deixando momentaneamente as divergências ideológicas de lado em prol de um objetivo comum. Isto pode ser percebido na resolução de 1958 do PCB:

“Os comunistas consideram que existe hoje em nosso país a possibilidade real de conduzir, por formas e meios pacíficos, a revolução antiimperialista e antifeudal. Nessas condições, esse cominho é o que convém à classe operária e a toda a nação”.

As contradições das alianças comunistas-socialistas-trabalhistas com udenistas e pessedistas se agravam com as eleições municipais de 1959, quando a Frente do Recife rompe com a UDN, porém permaneci com o seu apoio informal , e o PTB com seus antigos aliados da Frente. Respectivamente, estes rompimentos possuem dois motivos: no primeiro caso foi o descontentamento da esquerda com a gestão de Cid frente ao governo do Estado, no segundo caso, a insistência dos comunistas e socialistas em lançar Miguel Arraes de Alencar como candidato da Frente, fazendo com que o líder do PTB, Barros de Carvalho, rompa com a sua antiga coligação e passe a apoiar a candidatura de Antônio Alves Pereira; a UDN, por sua vez, lança a candidatura de João Cleofas de Oliveira.

O candidato da Frente vence as eleições municipais com mais de 50% dos votos válidos deixando em segundo lugar o candidato do PTB, e assim como Pelópidas, o governo de Arraes empreende diversas especulações no imaginário do povo, pois os seus projetos visavam atender diretamente as camadas populares, investindo não apenas em projetos de infra-estrutura, como também em diversos outros projetos que ressaltavam a importância da participação política da população e o poder do trabalhador quando reunido em sindicatos .

O ápice da divergência entre a “direita” e a “esquerda” acontece quando da nova eleição para o governo do Estado de Pernambuco em 1962. Diversos jornais, em especial o A Última Hora-Recife, o que foi, até o momento, o mais consultado para a pesquisa deste projeto, demonstram de forma bastante explícita as divergências existentes entre o que restou da Frente e os partidos de direita. E é justamente sobre este período que as informações coletadas até o momento atem o seu enfoque, sem deixar de lado a sua conectividade com o âmbito nacional.

Contudo, o rompimento da Frente do Recife com a UDN não blinda Pernambuco da ação do populismo, ao contrário, Arraes, assim como Pelópidas, foi um símbolo que mexia com o imaginário das massas. E, apesar de seus projetos de conscientização, o MCP – Movimento de Cultura Popular, a interpenetração social rural-urbana nas decisões político-econômicas de Pernambuco não ocorria de forma tão significativa, devido à forte influência do PSD e dos grupos articulados com setores da agroindústria impedia o avanço das reivindicações das massas. E já ciente disto, Arraes, receoso de não obter apoio eleitoral suficiente para sua eleição, utiliza de estratégias, como, por exemplo, a indicação do fazendeiro Paulo Pessoa Guerra (PSD) para ser candidato a vice-governador na chapa da Frente do Recife.

Daniel S Gomes
Enviado por Daniel S Gomes em 23/11/2009
Código do texto: T1939225
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