Tio Detinho e o encontro com o futebol dos homens – Final de 1960
Pinçado do livro de memórias "Viagem a Terra do Nunca" (que nunca se sabe quando virá ao lume...)
Tio Detinho (ou, O encontro com o futebol dos homens)
Meu tio José, Detinho para os familiares e todos os demais, era goleiro do time da cidade, o que me deixava muito orgulhoso dele.
Gostava muito de vê-lo jogar e de ler as revistas que ele comprava, falando sobre futebol. Era notória a sua paixão pelo time do Vasco da Gama, paixão esta que só fez aumentar com o título conquistado pela esquadra cruz-maltina em 1958, feito festiva e incansavelmente comemorado.
Eu pouco entendia de futebol e menos ainda de torcida; mas saber que tio Detinho gostava do Vasco da Gama era o bastante para que eu engrossasse as fileiras da torcida cruzmaltina.
Quando fazia as minhas andanças pelas ruas de Tobias Barreto, sempre dava um jeito de ir ver o meu tio na selaria em que ele trabalhava, olhando maravilhado aquelas selas e malas de couro, pintadas com um verniz amarelo-vivo, postas ao sol para secar. Seu Agenor, o dono, sempre me dava alguns confeitos, o que me deixava ainda mais feliz. Toda a vez em que o time de futebol local jogava, lá ia eu assistir a performance de meu tio, nada mais me interessando. Lembro que ele disputava posição com um mulato de nome Biriba, os dois se revezando durante as renhidas contendas.
Um dia a cidade amanheceu festiva: um time do Rio de Janeiro, excursionando pelo Nordeste iria fazer uma apresentação contra o time local, coisa nunca antes vista. Toda a redondeza compareceu para assistir o histórico embate entre a esquadra local e o célebre time do Bonsucesso, um fenômeno para nós. Biriba começou debaixo das traves, defendendo as cores do time da casa, enquanto meu tio Detinho aguardava sentado no banco de reservas.
Foi simplesmente um massacre: perdi a conta de quantas bolas passaram prá dentro das redes do pobre Biriba, enquanto meu tio se encolhia cada vez mais, sabedor de que logo chegaria a sua vez. Senti uma enorme piedade dele, quando o vi encaminhar-se resignadamente para ocupar o lugar do desorientado Biriba, após este ser vazado impiedosamente por mais de oito vezes. Não me dei ao trabalho de contar quantas vezes meu tio foi ao fundo do gol para devolver a bola, aquela ingrata, para que o jogo recomeçasse e em questão de minutos fosse de novo incomodar o meu pobre tio, dada a fragilidade do time de minha cidade.
Felizmente o juiz apitou o fim de jogo, com o meu tio saindo fisicamente ileso, apesar dos muitos gols que teve de carregar para casa. O futebol apresentado pelos cariocas foi deveras soberbo...
...pena que meu tio estivesse postado do lado contrário aos seus atacantes, pouco ou nada podendo fazer para evitar o desastre.