A LIÇÃO DO MARTÍRIO DE CRISTO
As religiões cristãs sempre tentaram incutir em seus fiéis uma culpa que devemos carregar pelo martírio e morte de Jesus.
Não vejo as coisas desse modo, e, por essas e outras, fui deixando a religião de lado e desenvolvendo uma atitude de religiosidade dentro do que posso perceber nas Escrituras Sagradas. Acredito que tenha me tornado uma cristã melhor.Não em relação aos outros, mas em relação a mim mesma.Sinto que consigo fazer, pela compreensão, muito mais do que fazia pela obrigação de seguir imposições indiscutíveis.
Sou teimosa, não funciono com regras que não compreendo, e não adianta me enquadrar, pois sou a favor da liberdade incondicional de pensar, decidir, e realizar aquilo que cada pessoa acredita ser o melhor para si.
Esse tema sobre a paixão e morte de Cristo sempre me intrigou. Já pequena, me impressionava com aquelas procissões enormes acompanhando a imagem de Cristo carregando uma pesada cruz, lavado em sangue, os fiéis rezando e entoando hinos cujas letras falavam do quanto éramos culpados pela sua morte. Os mais emocionais chegavam a ir chorando. Para mim, aquilo tudo era de um terror imenso, e ficava imaginando o que eu havia feito para ter de me sentir tão culpada assim.
E fui seguindo, vida afora, tentando entender esse mistério. Eu era uma criança e não me constava que houvesse praticado crime tão bárbaro. Teriam sido meus pais e eu não havia sido avisada? Mais tarde descobri que sempre seria culpada pela atrocidade cometida e que deveria estar sempre pedindo a Deus piedade por esse erro original.
Que me desculpem, mas não posso concordar mais com esse tipo de coisas. Ao olhar o fato de maneira madura, creio que a Semana Santa não devia ser vivida como um luto. Para mim, esse momento é de grande alegria, apesar da dor pela qual Jesus passou. É certo que havia um homem sofrendo um martírio, mas esquecemo-nos que havia ali somente a parte humana de Deus nesse mundo. Que foi um ato consentido para que se cumprissem a Lei e as profecias feitas pelos antigos judeus. E, mais que tudo, foi uma atitude consciente e divina para nos mostrar que, pela bondade de Deus, estamos todos salvos da culpa pela nossa imperfeição. Com seu exemplo, deveria ter acabado, na mente dos homens, o sentimento de culpa pelos erros cometidos.
Não tenho dúvida que somos seres imperfeitos e passíveis de erros, mesmo tentando fazer o melhor de nós. Mas daí a condenar “ad eternum” toda a humanidade a se penitenciar e sofrer a morte do Mestre, vai uma distância enorme.
Em primeiro lugar porque Cristo não morreu. Cristo foi crucificado, morto e sepultado, mas ao terceiro dia ressuscitou e esteve com vários discípulos seus.Pelas Sagradas Escrituras, sabemos que Cristo VENCEU A MORTE. Como me penitenciar por um fato que não aconteceu?
Em segundo lugar, porque a minha geração não estava lá e não participou desse martírio. Como me julgar por um fato que nem presenciei? Seria o mesmo que condenar a atual geração de alemães pelo Holocausto. Cobrar o quê? A geração atual nada fez nem assistiu. Seria injusto cobrar deles uma atitude da qual não chegaram a participar.
Então qual seria o motivo para ter havido o Drama de Jesus?
Havia um contexto social e político na época que levou a esse desfecho. Isso é notório e sabido. Havia um grande interesse em acabar com a vida de uma personalidade tão polêmica, que punha em dúvida os valores daquela época. Cristo era manso e pregava a resiliência. Em momento algum vi Jesus conclamar quem quer que seja para uma mudança radical a não ser a da própria consciência. Ele apostava na melhoria do padrão pessoal como forma de melhorar o padrão geral de toda uma humanidade. Numa época em que os direitos eram classificados de acordo com a categoria da pessoa, ele pregava uma liberdade individual e um direito igual, para todos, de pensar e agir livremente sobre si mesmos,
Acho que, ainda hoje, boa parte das pessoas não entendeu esse mérito. As religiões estabelecidas querem criar normas e critérios massificados, para um assunto sobre o qual Cristo veio mostrar que é totalmente pessoal. Veio para nos mostrar que somos seres individuais e que nem sempre o que serve para mim, serve para o meu próximo. Tanto que dizia: “-Quem tem ouvidos para ouvir, ouça”. Ele sabia que nem todos têm a mesma condição de compreensão e lhes dava direito e tempo de se prepararem para ouvir as verdades por Ele pregadas.
Mas as pessoas teimam em institucionalizar regras de conduta e padronizar comportamentos que escravizam e tiram a potencialidade natural do ser humano, além de tirar dele a capacidade de ocupar o seu lugar dentro do plano divino. Com tantas regras a seguir acabamos por esquecer a razão da nossa presença e a nossa missão de vida na Terra, obrigando-nos a viver a indefinição e o caos interno, que tanto prejudicam a história da Humanidade. Cada pessoa tem uma função dentro desse Plano Maior que não nos é dado a conhecer. É preciso lembrar que “ Deus criou o Universo desde o princípio até a consumação dos séculos”. Creio que tentar melhorar ou consertar a ordem natural das coisas é, no mínimo, uma ousadia extrema contra os desígnios de Deus. É querer ser maior que o próprio Deus.
Então, qual seria a grande lição deixada por Cristo com Seu martírio? Ele nos salvou do quê?
Para mim, creio que a maior prova de Amor nos foi dada por Ele quando padeceu, voltou para o Reino dos Céus e ocupou o Seu lugar na Trindade Divina.
Creio, firmemente, que Deus quis nos mostrar que a divindade não cabe no contexto terreno. Que estamos perdoados porque jamais poderemos ter a perfeição aqui na Terra. Nem Jesus, o Deus na Terra, escapou dos algozes, por ter sido puro e perfeito. Ele ficou 33 anos para nos mostrar que a perfeição aqui é impossível de ser praticada. Que, ao tentarmos viver uma vida de perfeição, seremos perseguidos e injustiçados tanto quanto Cristo o foi. Nem Jesus escapou de pedir clemência. Ele, o próprio Deus Encarnado! Que dirá de nós, que ainda nem entendemos o que seja a Perfeição!
Deus sempre soube dessa realidade, e o maior ato de amor em todo esse acontecimento foi a humildade de Deus, mostrando que nem Ele conseguiu passar pela Terra sem vacilar. É impossível viver uma vida sem erros, e a grande lição de Cristo é essa: dar-nos a certeza de que não deixamos de ser amados por sermos imperfeitos. O perdão de Deus nos foi mostrado quando o Seu Espírito Encarnado também não suportou as dores desse Mundo e pediu:
“-Pai, se for da Sua vontade, afasta de mim esse cálice”. Ou também: “-Pai, por que me desamparastes?”.
Porque, dentro de uma sociedade que insiste em modificar, sob a ótica humana, os desígnios de Deus, torna-se claro que, ao desejarmos praticar a divindade na Terra, só nos resta ouvir o eco das vozes que condenaram há dois mil anos Aquele que realmente foi Perfeito.
Ao ser perguntado à turba sobre quem soltar - se a Jesus ou ao assassino Barrabás - a multidão unânime gritava:
Solta-nos Barrabás! Solta-nos Barrabás!