As Clarificações Literárias do livro SOL NEGRO de Augusto Ferraz

Pequena Resenha Crítica (Primeiro Rascunho)

As Clarificações Literárias do Estupendo Livro SOL NEGRO de Augusto Ferraz

“A ausência de uma coisa não é somente isso,

não é apenas uma falta principal, é uma

subversão de todo o resto, um estado

novo impossível de prever no antigo”

(Marcel Proust)

O Livro SOL NEGRO, de Augusto Ferraz (Nossa Livraria Editora, 2008, Recife-PE), é um belíssimo e surpreendente entrecortado de interessantes intertextos (e paradoxal a partir do nome, inclusive), entre contos-poemas, contos-narrativas, contos-despojos, contos-arrebentações (e arrebatações?), contos reflexões (algo assustadores, quase todas), feito devaneios literários de alto estilo. Como classificar uma bela loucura criativa de tal obra-livro?

As narrações extremamente ousadas e criativas do autor de SOL NEGRO, é a primeira coisa que clama atenção, logo cativa, eleva, faz o leitor pensar com pose sobre o que lê (e se sentir privilegiado de estar lendo literatura de alto nível). A intensidade do que se lê na intertextualidade que não se nomina, mas evoca sentimentos, sensibilidades e embebeda. Prosa poética de grosso calibre, por assim dizer.

Há em todo o Sol Negro de Augusto Ferraz uma espécie de neoexpressionismo, tudo muito denso, as cantagonias, as cisternas íntimas muito bem revisitadas pelo autor. Há cantos, êxtases, epifanias, prosas aqui e ali apocalípticas, homens e bichos, sintonias e ceifas, searas e intimidades, sítios e situações. A morte, a vida, o caos, o urbano o periférico, o rural, o encantado. Tudo iluminado com muita maestria poética no narrar.

A enumeração sequencial dos textos (partículas) sem nome, datando cada texto-conto (?), aqui e ali um susto, ou um apaziguamento, ou um “salmar” de algum modo que seja, entre uma surpresa, um susto, um gosto de raiz, de terra ou de sangue, tal a qualidade de mão cheia. Já pensou? Tardes e manhãs. Iluminuras. Mendigos, mortos, chuvas, desnaturezas. Oceano, cemitério, borboleta. Vidas humanas viçadas. Augusto Ferraz clarifica a escurez da vida, dos seres, dos sobreviventes, dos miseráveis. Bestas, dragões, tudo indo de roldão na sua pena criativa em altos vôos.

“Abro os olhos no meio da noite e o olho do tempo fecha-se sobre mim. O caos é a brasa da fogueira que se apaga(...). Fecho os olhos no seio da tempestade e contemplo a noite que há em mim.”

Bravo! Lindeza. Ah as prazeiranças e contentezas do artista letral, como dão prosa poética com asas... O SOL NEGRO é uma espécie de salvação da lavoura literária nesses tempos realmente muito pouco criativos, entre modismos, panelas e núcleos de abandonos e desprezos entre os salvos do incêndio e os que se agrupam em sulistas nichos midiáticos pouco férteis.

In, A Necessidade da Arte, Ernest Fischer nos diz “O Homem sempre se verá como parte da uma realidade infinita que o circunda, e sempre se achará em luta contra ela(...). A magia da arte está nesse processo de criação, mostrando a realidade como possível de ser transformada, dominada, tornada brinquedo(...). A arte como um processo de identificação(...). Somos um pouco criadores de obras que estendem nossos horizontes e nos eleva acima da superfície a que estamos pregados(...)”.

Augusto Ferraz é exatamente isso. Em algarismo romanos os contos (que sejam) surgem clarificando idéias, momentos, situações, muito além de limites (porque ousa a imaginação e o conhecimento do oficio de escrever), recuperando quadros cênicos.

“A tua palavra faz os mortos vestirem a fantasia da vida (in, pg 36)/ Palavras luzem como um sonho pendurado na parede da noite (pg 64)/ O flagelo santificado no prazer da carne (pg 97)/ Ela não resiste e embala-me a insônia como que acendo as estrelas nos cantos escuros do sol (pg 129)/ Um anjinho de lama, descido do purgatório ficava lá dentro das tocas dos guaiamuns (pg 153)/ A arvore que és, nasceu no meu peito(pg 162)”.

Todas as escritas de Augusto Ferraz são lindas, porque bem criadas, sentidas, revivificadas na sua bagagem de vida, de leitura, de seu sentir com a imaginação, de seu pensar empa-lavrando. Quem sabe se, a terra não é apenas um mero aterro sanitário do cosmos, onde aqui podem estar depositados todos os vermes?

Sim, é preciso clarificar a vida bela e a vida suja, a beleza e a tristice, a dor e o amor, o humor e o ódio, as disparidades e as coincidências, os paradoxos e as matizes, o que há de poder ser aproveitável na arte, na prosa, prós e contras enfim. E isso está na ótica e na mão do artista escrevendo seu tempo, no amor e na dor. Nínives e Gomorras. Há tambem no entremeio das narrativas um de-quê meio bíblico. A sintonia divinal no conto/canto CV é linda:

“Essa noite, dormi como um anjo. Sonhei que te amava. No sonho, eu vivia. Na verdade a vida é um sonho, e se eu sonhava é porque te amava. Amar-te não é um sonho, é a realidade. Louco de amor, o amor em ti enlouquecia, enquanto eu sonhava, o anjo me dormia”

Ah as entranhas do homem (Nelly Novaes Coelho).

Lendo Augusto Ferraz de alguma maneira enloucresço. Também pudera, com essas contações mexendo com os “sagrados” laços dos entes, mitos, abóbodas, céus, mistérios, ramificações... terra chã...

Sim, mexer com tantas loucuras-contações ao mesmo tempo é um vespeiro. Augusto Ferraz abre as portas da mente, do céu, do Self. E destila as escritas. Na casa do pai há muitas erratas?

SOL NEGRO não perdoa nadas e ninguéns. E se deixa sangrar com tantas tintas.

Disse Kateb Yacine:

“É preciso que nosso sangue se inflame

E que nos incendiemos

Para que os espectadores se comovam

E o mundo abra enfim os olhos

Não sobre nossos desejos

Mas sobre as chagas dos sobreviventes”

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“Um dos traços essenciais da literatura na sociedade dita pós-moderna, consiste na rarefação dos gêneros, na interpenetração dos modos, na mistura arbitrária de espécies e modelos literários, numa constante e ousada intertessitura das formas (...)” disse Hildeberto Barbosa Filho, no próprio Prefácio do Livro Sol Negro, “Raro Encontro da Poética com a Beleza”.

Augusto Ferraz na verdade introspectou um mundo louco, um mundo meio Dublin, vidas do norte, um mundo irado em suas evocações, mas um catado e entrecortado mundo literal mesmo todo seu. O homem é o destempero de Deus na “herrança” da criação? Ora, sob a ótica de Darwin, quem mandaria Deus pentear macacos?

Para um artista de peso, viver não é só abanar o rabo.

Há que se registrar as acontecências. Tudo pode ser ou não ser. Eis questão. Ler “SOL NEGRO” de Augusto Ferraz é fazer um mosaico que está na prestação de prós e contras. Escrever é colocar luz nas bocas dos mistérios desses brasis em recantos e rebentos de palhoças gerais...

Literalmente, sem tirar e nem pôr, Augusto Ferraz escreve loucuras santas pelas linhas das tortuosas vidas, arrebentando conceitos estruturais de narrativas padrões. Um Augusto Ferraz gauche?

Bingo. Ou, quero dizer, eureka.

Augusto Ferraz SOL NEGRO fez um puta livraço.

A vida está nua e crua, escancarada. E ainda assim poetizada no que há de mais belo e cheio de ternura e encanto.

Acerta em quase tudo, só fugindo das regras que nomeassem o próprio criar diferenciado. Afinal, nem toda escrita sem uniforme são oráculos.

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Silas Correa Leite, Santa Itararé das Letras, São Paulo

Teórico da Educação, Conselheiro em Direitos Humanos, Jornalista Comunitário, Poeta, Contista, Resenhista, Ensaista e Crítico. Autor de Porta-Lapsos, Poemas, e Campo de Trigo Contos (finalista do Prêmio Telecom, Portugal), a venda no site: www.livrariacultura.com.br

E-mail para contatos: poesilas@terra.com.br

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