A menina da rua quarenta
A menina da Rua Quarenta
Um dia, um desses dias que costumamos escolher para bater papo com as pessoas que gostamos, estávamos, eu e uma amiga muito querida, (tanto ela como eu vindos desse imenso interior do Brasil) a conversar sobre os vários fatos marcantes, vivenciados em nossas cidades de origem.
Ela falou-me de uma amiga que teve na infância e adolescência, que se “perdeu” na vida e foi amparada pelas garotas da rua das mulheres que se prostituíam em sua cidade, localizada no interior das Minas Gerais; a rua Quarenta.
Esse fato, contado pela minha amiga, trouxe-me reminiscências da de minha própria juventude, como as vividas de quando ia passar férias na casa de minha mãe, em um pequeno povoado do interior da Bahia. Lá, minha mãe foi parar para que o filho mais novo, meu irmão Paulo, (filho de seu segundo casamento) pudesse estudar, já que na roça não havia escola.
Minha mãe, exímia cozinheira, montou um hotel no povoado para atender os madeireiros, uma raça faminta como traça, que dizimavam as árvores nobres da região, imitando os seus parentes insetos.
Os dias que eu passava com a minha mãe e com o meu irmão eram dias muito especiais, já que pouco havia vivenciado da companhia dela. Gostava muito do povoado, pequeno e modorrento, da diferença que representava em relação a cidade em que eu morava com a minha avó, bem mais movimentada. As casas eram de madeira, farta naquela área, meio termo entre o cacau e o semicerrado que caracteriza o estado do Espírito Santo, bem próximo dali.
As poucas ruas do povoado, todas de terra batida, estavam um pouco barrentas, com poças de lama aqui e acolá, fruto da última chuva de verão que havia caído sobre a região. Sem ter muito o que fazer, inquieto em meus quinze anos, tomei a resolução e lá fui eu me aventurar pelas moradias das mulheres-damas do lugar. Entre as que encontrei, umas dez, todas postadas langorosamente, a descansar nas portas dos cubículos onde prestavam os seus serviços, pois ainda era muito cedo para a freguesia, (salvo aparecesse um ou outro mais apressado) houve uma que me chamou a atenção: corpo esguio, envolto num short minúsculo, traços bem feitos; devia ser pouco mais velha do que eu, fato que me dava mais confiança para encetar a conversa que tinha me proposto: queria saber como ela foi parar ali - se gostava da vida que levava - coisas assim.
Como ela estava sem cliente para atender, sentou-se na beirada de sua cama e me contou a sua história, não muito diferente das muitas outras que ouviria pela vida afora, caso empreendesse semelhante enquete. Mas, como primeira história do gênero, foi marcante.
Seu nome era tão simples como sua fala: Maria.
Um fazendeiro da redondeza, mediante promessas de melhoria de vida, havia lhe retirado o viço dos verdes anos, deixando-a a mercê de um pai furioso que, incontinenti, jogou-a no olho da rua. Foi dar com os costados na ruazinha afastada, aonde a vida corria sem que futuro pudesse vislumbrar. Tinha grandes e negros olhos cheios de sonho, na esperança de que um grande amor mitigasse o muito sofrer de seus poucos anos.
Ouvi atentamente o que ela me relatava.
Quando achei que tinha obtido dados suficientes, fechei a conversa e saí com o peso da mágoa daquela menina, que ainda nem mulher se formara e já vergava sob o peso do sofrimento da difícil vida fácil numa rua de prostituição – uma rua quarenta como tantas outras, retrato de um tempo já muito distante.
Lembranças dos dias de férias em casa de minha mãe quando, na surdina das tardes ensolaradas, ia xeretar na rua proibida.
São José dos Campos, Outubro de 2008
João Bosco