A SEMIOSE DO ECOTURISMO. A Incompletude e a Impotência de uma Organização sob o Signo do Desenvolvimento Sustentável
1. Introdução
A teoria Semiótica nos coloca diante de uma análise do objeto e seu signo, e nos subsidia para compreendermos o papel do agente interpretante criado pelo próprio signo.
Para PEIRCE, o teórico da Semiótica, em correspondência ao Jourdain, em 1908, tentou se fazer compreender, após várias tentativas, quanto à sua concepção de signo, ou como denominou: representamen. Para ele, o signo é aquilo que, sob certo modo, representaria algo para alguém. Esta representação que se cria na mente das pessoas é um signo equivalente ou até mais desenvolvido. Ao signo assim criado, denominou de interpretante do primeiro signo. Portanto, o signo representa alguma coisa, seu objeto. Essa representação pode ser deficitária quanto aos vários aspectos do objeto, mas com grande carga referencial de um tipo de idéia, que foi denominada de fundamento do representamen. (apud SANTAELLA, 1995, p. 23)
O signo é como qualquer coisa que, por vezes, é determinado por um objeto, e por outras determina uma idéia na mente de uma pessoa, o interpretante do signo. Nesse contexto, o signo apresenta uma relação triádica com seu objeto e seu interpretante.
Na relação triádica objeto-signo-interpretante, o objeto apresenta duas faces. O Objeto Dinâmico que é o Objeto Real, que apresenta sua historicidade, suas qualidades e sua estrutura de construção; e o Objeto Imediato, aquele que é representado pelo Signo, neste caso há uma incompletude e uma impotência do Signo em expressar toda as nuanças da historicidade, da qualidade e da estrutura de construção do objeto. Quanto ao Interpretante, este se refere ao signo que ele imediatamente interpreta, como sendo um Interpretante de um signo logicamente anterior ao objeto, o Objeto Imediato. Diante desse empasse quanto ao Objeto Dinâmico, com toda sua completude e potência simbólica, e o Objeto Imediato, com toda sua incompletude e impotência simbólica, o Interpretante tenta dialogar com as duas faces do Objeto, na tentativa de completar e potencializar simbolicamente o Objeto Imediato expressado pelo Signo.
Esse ensaio tem por objetivo tratar a terminologia Ecoturismo a partir da relação triádica objeto-signo-interpretante, demonstrando a incompletude e impotência de seu signo e do interpretante, o que contribui para uma abordagem inadequada do Ecoturismo, enquanto prática de mercado, mostrando uma relação dialética: um vazio funcional contraposto ao vício do consumidor que busca meras imagens expressadas pelo brinde publicitário.
2. A Relação Triádica Objeto-Signo-Interpretante e o Termo Ecoturismo
Tomemos o termo Ecoturismo como Objeto Dinâmico da relação. Seu Signo está expresso na forma de conceitos, dos quais podemos destacar alguns dos mais significativos:
Ecoturismo é um Turismo com finalidade primeira de interação com a natureza, para observar e experimentar elementos do ambiente natural. (BUDOWSKI, 1976)
Ecoturismo é uma vigem com relativo distúrbio ou não contaminação de áreas com o objetivo específico de estudo, admiração e apreciação do cenário e a vida de plantas e animais, bem como a existência de manifestações culturais nestes locais (CEBALLUS-LASCURAIN, 1988)
Ecoturismo é uma atividade de uso não consumista da vida selvagem e recursos naturais e contribui com a área visitada, com trabalho ou meios financeiros (benefícios diretos à conservação). (ZIFFER, 1989)
Ecoturismo é uma viagem com responsabilidade de conservar o ambiente e sustentar a população local. (BLANGY & WOOD, 1992)
Ecoturismo deve ser uma atividade restrita ao tipo de Turismo baseado: 1. Relativo distúrbio ou não em áreas naturais; 2. Adequação e contribuição ao regime de gestão da área. (VALENTINE, 1992)
Esse signo, que expressa a qualidade do Objeto Direto gera o Objeto Imediato, que não incorpora todas as qualidades do Objeto Dinâmico, fato que destaca sua incompletude e impotência enquanto signo e cria o debate, por um lado, críticos como ORAMS (1992), acreditam que o Ecoturismo não pode ser aplicado ao Turismo de massa, pois teria uma ação negativa em áreas naturais; por outro lado, MILLER & KAAE (1993), polarizaram o debate considerando que o Ecoturismo está contido no Turismo, e portanto não existe e tem efeitos negativos no mundo natural. Diante desse dilema, entra um novo ator, o Interpretante, que tenta organizar o debate, partindo do pressuposto de que as circunstâncias práticas da vida ou dos limites impostos ao pensamento por uma determinada historicidade, em geral impedem que os aspectos do Objeto Dinâmico sejam capturados pelas malhas do signo. Enfim, o Interpretante tenta dar completude e potência ao Objeto Imediato e resgatar o signo do Objeto Dinâmico.
3. A Limitação do Signo Ecoturismo
PEIRCE considerou que “o objeto de um signo é uma coisa; seu significado é outra. Seu objeto é uma coisa ou ocasião, ainda que indefinida, à qual ele deve aplicar-se. Seu significado é uma idéia que ele liga àquele objeto, seja por meio de uma mera suposição, ou como uma ordem ou como uma asserção. ” (apud SANTAELLA, 1995, p. 41) Nessa formulação, o “significado” de Ecoturismo pode ser considerado como sinônimo de “idéia ecológica”. A referência a essa “idéia ecológica” localiza-se exatamente no lugar do interpretante, porém esse, como todo o significado é uma propriedade interna do signo e a idéia que ele provoca é constituída pelo interpretante. Portanto há uma incoerência quanto ao uso do Signo Ecoturismo, quanto ao seu conceito e prática de seu significado, diante da “idéia ecológica” desenvolvida pelo interpretante.
Essa incoerência no uso do Signo Ecoturismo, representado pelos conceitos, trouxe a limitação do significado, quanto ao Objeto Dinâmico Ecoturismo, o que é de se esperar, pois se não o fosse, o Signo seria o próprio Objeto. Desse modo, há muitos aspectos do objeto que o signo não tem poder de recobrir. O signo se encontra, nessa medida, sempre em falta com o objeto, gerando limitações e carecendo de um interpretante para dinamizar sua completude.
A problemática se dá em função do interpretante, que acaba, por uma infinidade de circunstâncias, incorporando uma série de dívidas para com o objeto, que será, em razão disso, aquilo que, por resistir na sua alteridade, determina a causação lógica do desenrolar das raízes das questões ontológicas e epistemológicas do universo sígnico (SANTAELLA, 1995). Diante dessa realidade, a limitação do signo é contínua. Recortando o discurso e focando o Signo Ecoturismo, essa problemática se faz presente e o agravante é que o interpretante está inserido numa realidade que analisa a produção e o trabalho como processo histórico, como atividade genérica: mito energético-econômico próprio da modernidade. Há que perguntar se a produção do Ecoturismo intervém, na ordem dos signos, como uma fase particular, se ele será, no fundo, apenas um episódio na linhagem dos simulacros: de produzir, graças à técnica, seres (objeto/signo) potencialmente idênticas em séries indefinidas, pois a “idéia” de Ecoturismo está contida em uma realidade que questiona a análise da produção e do trabalho como mito energético-econômico, destacando em seu bojo conceitual, a realidade do desenvolvimento sustentável.
Essa realidade dicotômica do significado do signo Ecoturismo pode ser notado em seus vários conceitos, que destacam sua dimensão ECO, isto é, há uma preocupação em incorporar o código de linguagem da Ecologia e/ou Ciência Ambiental ao código de linguagem do Turismo, sem preocupação com o significado das terminologias seqüestradas. Podemos constatar essa prática destacando, a seguir, os vários códigos de linguagem ECO dos conceitos já apresentados: Ecoturismo é um Turismo com finalidade primeira de interação com a natureza, para observar e experimentar elementos do ambiente natural. (BUDOWSKI, 1976)
Ecoturismo é uma vigem com relativo distúrbio ou não contaminação de áreas com o objetivo específico de estudo, admiração e apreciação do cenário e a vida de plantas e animais, bem como a existência de manifestações culturais nestes locais (CEBALLUS-LASCURAIN, 1988)
Ecoturismo é uma atividade de uso não consumista da vida selvagem e recursos naturais e contribui com a área visitada, com trabalho ou meios financeiros (benefícios diretos à conservação). (ZIFFER, 1989)
Ecoturismo é uma viagem com responsabilidade de conservar o ambiente e sustentar a população local. (BLANGY, S. & WOOD, M.E., 1992)
Ecoturismo deve ser uma atividade restrita ao tipo de Turismo baseado: 1. Relativo distúrbio ou não em áreas naturais; 2. Adequação e contribuição ao regime de gestão da área. (VALENTINE, 1992)
Em nenhum desses conceitos há a preocupação em redefinir o Turismo, enquanto atividade de consumo insustentável, isto é não há inovação na concepção da atividade de Turismo, o que parece, é que o Signo Turismo é o próprio Objeto Turismo, já definido e que não necessita revisões.
Algumas tentativas vem sendo feitas para adequar a atividade do Turismo com o Ambiente, ORAMS (1995), por exemplo, propôs operar o Ecoturismo como Estratégia de Gestão, baseado em Educação. Para tanto, esse autor acredita que a atividade deve promover mudanças de comportamento com efeitos positivos para o ambiente. Como estratégia, deve-se buscar costumes com atitudes mais sensíveis com o Ambiente Natural. O autor sugere que se busque indicadores que possam promover o Ecoturismo, aliando os elementos do Turismo (1. Satisfação do Prazer; 2. Educação e Aprendizagem; 3. Mudanças de Atitude e de Pensar; 4. Mudança de Estilo de Vida) e elementos do Ambiente Natural (1. Mínimo Impacto Ambiental; 2. Atividades que não ultrapassem a Capacidade Suporte do Ambiente; 3. Respeitar a Relação Temporal e de Construção Estrutural dos Ecossistemas). O que podemos concluir dessa tentativa, como outras é que há uma tímida tendência de se discutir os rumos mercadológicos do Turismo, mas ainda há o limite do Interpretante, que continua viesado pela dicotomia do imediatismo do mercado e o desafio de buscar a sustentabilidade do ambiente natural.
Portanto, a limitação do Signo Ecoturismo está diretamente inserido na compreensão de seu significado, enquanto alternativa econômica, essa limitação é agravada, quando associada à limitação do Interpretante, que está avaliando e operando o Ecoturismo segundo parâmetros economicistas que bebem do signo objeto/consumo, apoiado em uma realidade que tem como mito o processo energético-econômico. Essa prática é incompatível com o signo trabalhado para o Ecoturismo, que como já foi abordado, bebe da sustentabilidade.
4. Discussão e Conclusão
A Cadeia Triádica ou Semiótica é a forma lógica de um processo que revela o modo de ação envolvido na cooperação diferencial Objeto-Signo-Interpretante (BAUDRILLARD, 1976) Nessa temática, o Signo Ecoturismo não capturou a lógica do consumo do objeto Turismo. O objeto não é nada mais do que os diferentes tipos de relações e de significações que vêm convergir, contradizer-se, ligar-se sobre ele enquanto tal. Assim, há no Objeto Ecoturismo uma lógica escondida que ordena este feixe de relações, ao mesmo tempo que o discurso manifesto a oculta, quando o signo provoca o objeto imediato.
O Ecoturismo está inserido em uma atividade, o Turismo, que mostra que a reprodução de vários pacotes turísticos respondem ao processo de produção, muda as suas finalidades, altera o estatuto do produto e do produtor. Porém, a produção, por si só, não tem sentido: a sua finalidade social e o sentido de pertencimento perdem-se na serialidade, e quando transportada para o Ecoturismo, perde-se também a dimensão da discussão da sustentabilidade. Se pode compreender esse incômodo da produção do Turismo, tentando incorporar o Ecoturismo, quando tomamos VEBLEN & GOBLOT que descreveram os signos da moda, referenciando sua configuração clássica: os signos constituem um material distintivo, têm uma finalidade e um uso de prestígio, de estatuto, de diferenciação social…que ainda abre espaço para falar de economia, porque ainda há uma Razão do signo atrelada à Razão da produção. (apud BAUDRILLARD, 1976, p.98)
O Signo Ecoturismo se apresenta como um serviço envolto de uma embalagem cada vez mais brilhante e fina, que promete cada vez mais e cumpre cada vez menos os princípios que o norteam. Desde há muito, o desgaste vem sendo rápido e esse efeito não fica sem conseqüências, como comprova a experiência. Essa leitura pode ser feita a partir dos anúncios, cada vez mais agitados. Os serviços de Ecoturismo têm um desempenho bem menor daquele que realmente deveriam ter e dificilmente suscitam o sentimento de felicidade. O seu conteúdo de realidade torna-se cada vez mais sutil, e vê-se então que o mundo dos serviços chegou a um ponto no qual simplesmente necessita romper com a realidade. Para o Ecoturismo, há muito esse ponto foi alcançado no reino das aparências da estética do serviço, o que não significa que os produtos explorados por este serviço não possuam mais valor de uso, mas elas não cumprem quase nada daquilo que a estética o produto promete. Esse estado dialético de contrapor dois Objetos/Signos: ECO e TURISMO, mostra o debate gerado pela dicotomia no novo signo ECOTURISMO, há um vazio funcional (a apropriação de conceitos de Desenvolvimento Sustentável) contraposto ao vício do consumidor que busca as meras imagens expressas na plenitude inoportuna do brinde publicitário (uso da concepção tradicional de mercado que acentua do valor de uso do produto). Para HAUG (1997), o brinde publicitário deve expressar o caráter dos produtos solicitados (ou serviços oferecidos), pois assim é possível representar de maneira simbólico-indireta do que inoportuna-direta. Essa dicotomia parece ter motivo óbvio, pois embora o complexo funcional da estética do serviço deva levar o mais forçosamente possível ao ato de compra, ele não consegue fazê-lo diretamente, a estética do serviço de Ecoturismo cumpre sua função somente no tocante às necessidades de uma estratégia de mercado.
Enfim, este brinde publicitário resultante de um processo dialético da dicotomia, vem gerando um ato interpretante que está tentando viabilizar o Signo Ecoturismo usando somente argumentos “ECO” para o Signo “TURISMO” e não se importando com a simbiose que o termo exige, isto é, argumentos do TURISMO que possam permear o Signo ECO e vice-versa, criando um novo Signo, o ECOTURISMO. É importante ressaltar que SANTAELLA (1995), chamou a atenção para a própria constituição do signo, que está fadado a germinar e crescer, desenvolvendo-se num outro signo, que no caso do ECOTURISMO poderia ser o TURISMO SUSTENTÁVEL.
5. Bibliografia
BANGY, S & WOOD, M.E., 1992 Developing and implementing cotourism guidelines for wildlands and neighbouring communities. The Ecoturism Society Document USA.
BAUDRILLARD, J., 1976 A Troca Simbólica e a Morte I. Edições 70, Lisboa, 208p. (Arte & Comunicação)
BUDOWSKI, G. Tourism and conservation: conflict, coesistence or symbiosis. Enviromental Conservation, 3:27-31.
CEBALLOS-LASCURAIN, H., 1988 Estudio de prefactibilidad socioeconomica del turismo ecologico y anteproyeto arquitectonico y urbanistico del centro de turismo ecologico de sian ka’na, quintana roo, study for SEDUE, Mexico, sp.
HAUG, W.F., 1997 Crítica da Estética da Mercadoria. Editora UNESP, São Paulo, 210p.
ORAMS, M.B., 1995 Towards a more disirable form of ecotourism. Tourism Management, 16(1):3-8.
MILLER, M.L. & KAAE, B.C., 1993 Coastal and marine ecotourism: a formula for sustainable development? Trends, 30: 35-41.
SANTAELLA, L., 1995 A Teoria Geral dos Signos - semiose e autogeração. Ática, São Paulo, 199p.
VALENTINE, P.S., [1992] Ecotourism and nature conservation: a definition with some recent developments in Micronesia. In: Ecotourism Incorporating the Global Classroom.International Conference Papers :4-9
ZIFFER, K., 1989 Ecotourism, na Uneasy Alliance Working Paper No. 1, Conservation International, Washington, 205p.