SIGNIFICANTE E SIGNIFICADO

Obs. O texto abaixo foi originalmente composto para uma avaliação do curso de Filosofia da PUCRS. Baseado no livro "A Prosa do Mundo" de Maurice Merleau-Ponty, este texto pretende-se apenas como ensaio para reflexões acerca da lingua, não objetivando qualquer outra aspiração.

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A lingua contem o germe de todas as significações possíveis. Nossos pensamentos estão destinados a serem ditos por ela. A significação aparece na experiência dos homens. Mas antes disso, a experiência tornou-se possível porque houve algo que a significasse: a significação significada. A língua reencontra no fundo das coisas a fala que a fez e que, dela também a fez se distanciar. Tudo pode ser dito, ate mesmo a tentativa do nada, este absurdo. O mítico ou o inteligível, a aberração ou a certeza, alguma coisa que se diga – que se queira dizer – todas as “distâncias” entre a finitude e os deuses, em fim, para tudo há uma fala que as diz. As palavras de La Bruyère - também relembradas por Merleau Ponty - em que ‘‘entre todas as diferentes expressões que podem traduzir um de nossos pensamentos, há somente uma que é boa”, não é um confinamento, não se trata de ser simplesmente a única alternativa, como de fato é. Em verdade trata-se de encontrar a fala ou a escrita correta suscitável no Homem, depois de se desdobrar em invólucros de possibilidades raras, a fim de travestir um signo de significado. Assim, o falar desprendido do brilho d’um olhar sereno, ou, o ‘’adeus” silencioso e definitivo de alguém que sabe que o futuro lhe será extinto n’algum momento próximo... Estas e outras manifestações da vida me soam como um pedido secreto de compreensão, de aproximação, de simpatia de significado. Um convite ao diálogo com a língua das primeiras significações. Destarte, todo meu ser também é uma resposta a vida, que se debruça sobre ela, tornando-a meu significado. E na encruzilhada desta relação está algo que significa – significante.

Gosto de pensar sobre a conquista da razão. Pois me recordo que, apenas tardiamente, a conquistamos. E quando a tomamos, pudemos significar o mundo de outra forma. Sim, forma, por numa fôrma o mundo. Em tempos modernos, o por do sol sobre o mar tornou-se um gráfico, descobrimos as fases das luas de Júpiter e, a mentira pode ser detectada por sofisticados instrumentos. No entanto, esquecemos o milagre que provocou o desejo – ou sonho - pela razão. A razão deu de costas as origens, porque seguiu em frente – e só. E a linguagem, aquela provocante, não conheceu seu próprio milagre que a sucedeu: a razão como milagre é um absurdo, diriam alguns. A linguagem e sua revelação a si se mostra como enigma de um reflexo invisível no espelho. Divino esperma, infértil. Podemos suspeitar de um signo des-significado: a razão sem suas pudengas. Não estaria faltando algo?

Repitamos que a significação aparece na experiência dos homens. E a experiência dita às dúvidas. A dúvida também é o preço das escolhas mal feitas. Aceitar estas dúvidas é o começo para se recuperar a pureza, a pureza de algo. Não basta o pranto. Pagamos caro – e ainda estamos em dívida – por contemplar o gráfico do sol ao mar, em vez do próprio sol no horizonte. A crise da razão e o sufocamento do ser ainda são os dramas que recebemos de herança de uma linguagem exaustivamente técnica e definitiva, que pretendia tantos orgulhosos “impossíveis”. A final pensava-se, nem Deus poderia afundar o Titanic – delírio, loucura da finitude, pois todos os egos afogaram-se em sangue e óleo diesel... A fala que se desviou do silêncio e que projetou na construção positiva do significado um signo mecânico e maquinal tragou o humano para o desespero do sentido – um sem sentido. E não pôde resgatá-lo de lá.

Mas a experiência ditou as dúvidas. Ou talvez o fracasso da experiência. Depois de se afogar no ego, algumas boas mentes lembraram-se de algo essencial de que todos dispomos. Reencontrou-se a “emoção”, o “sentimento”... Chamemos de alma. Antes de tudo que há, há a alma! Esta significa o significado. Se tudo que existe em nossos pensamentos e no mundo realmente pode ser significado, a alma é, antes, significante. Imagine um por do sol sem uma alma que o contemple... Imagine um signo sem uma alma para significá-lo... A alma significa o significado. “Ah, como é lindo este por do sol no Guaíba!” Por que? Porque tua alma fala. Fala em lingua que contem o germe de todas as significações possíveis. Nossos pensamentos estão destinados a serem ditos por ela. Por isso a significação apenas aparece na experiência pensante dos homens.

Teu pensar veste o signo, mio amico, e quem teceu vossas roupas foi teu coração – vossa alma. Concordando com Bruyère, “é verdade que ela – a fala – existe”, e pode representar, por exemplo, o desespero divino, o cair de uma folha d’uma árvore em tempos de outono ou ainda, como de fato houve, a queda de um muro alemão.

Perceba que o Homem escuta com a imaginação alguma coisa que palpita a distância - murmuro secreto do ser que perambula nos labirintos recôndidos de alguma primordialidade há muito sufocada – e seguindo sua invenção de caminhos por estradas ate então não havidas, recupera sua fala – vossa alma: centro de minerva, o minuano que lhe indica a aproximação da primavera. E desmentindo a voz da máquina de que não se podia interpretar o silêncio, logo já demonstra ser o depositário de uma linguagem inicial que, em verdade, é herança de algum vazio que por ali passou, e deixou na estrada pegadas de “estranheza”, como quem plantou “sinais” antes das chuvas de parafusos.

A linguagem não conhece seu próprio milagre que a suscedeu. Talvez não tenha esta obrigação. A fala não é um esconderijo do ser onde, no mais, apenas vez ou outra espia pela janela dos entendimentos. Sua revelação a si se mostra como enigma de um reflexo invisível no espelho. Quiça sua realização não esteja essencialmente acabada. Mas talvez sua essência seja esta mesma: obra inacabada, necessariamente irrealizada. Isto é alma. A fala do mundo percebido, mundo do pensamento. Por isso sentido. E então significado. Em ti o mundo fala, significando a vida, que se torna signo ao Homem. O significado como recompensa a aquilo que, em verdade, é inevitável que seja dado: pensamento de mundo. Um mundo de Homem.