Ateísmo - Breve Ensaio
ATEÍSMO – iniciaremos esse tópico usando de uma pequena parábola para ilustrar uma das confusões mais persistentes que existem no campo da Filosofia:
- Religião?
- Ateu.
- Como?! Não acredita em Deus?!
- Não! Isso seria A-DEUS.
Via de regra, o termo “Ateu” soa como se fosse um xingamento. Quem assim se declara é tido como, no mínimo, prepotente e, no máximo, como diabólico. Adepto das “sombras” e de outras superstições que ainda vigoram na época da tecnologia. Caberá então ao Filósofo (na verdadeira acepção do termo: “amigo do Conhecimento”), dirimir a questão. Vimos alhures que o artigo “A”, na função de prefixo quase sempre indica o oposto, o contrário de um Conceito, de uma Idéia, de uma Afirmação. Aqui não será diferente e para tanto vamos fazer uma ligeira apreciação do real significado dessa palavra e de sua antônima “deísmo”.
1. TEÍSMO – conforme o Dicionário Aurélio, é a Doutrina que admite a existência de um Deus Pessoal; ou seja, que a Divindade é um SER individual e NÃO uma Força ou uma Energia difusa, sem características humanas tanto no tocante ao Físico quanto no que tange aos Valores Morais. Para o TEÍSTA o que existe é esse SER que tem as mesmas qualificações que o Homem e é, por isso, Bom, Justo, Vingador, Provedor etc. Similar ao que já acontecia na Grécia Clássica ou o que ainda acontece, por exemplo, no Hinduísmo. Deus é um Homem com Super Poderes. E esse SER é apresentado pelas Religiões, como o “Deus Revelado”, ou o Deus que se Revelou e permitiu que o Homem pudesse vê-lo ou pudesse senti-lo com qualquer um de seus Sentidos (tato, olfato ...), como, por exemplo, é narrado no Antigo Testamento quando Deus, ou JAVÉ, mostra-se e “fala” com MOISÉS, em um arbusto que queima, mas não se consome.
2. DEÍSMO – também conforme o Dicionário Aurélio, é o Sistema ou a atitude individual (ou de um grupo) de quem rejeita a existência do Deus revelado, como acima foi exposto. Rejeita a idéia de que Deus seja apenas um SER com Super Poderes. Consequentemente repudia toda “Revelação Divina” (quando Deus se mostra ou se deixa perceber pelos Homens) e qualquer autoridade das Igrejas, Religiões ou Seitas. O Deísta, geralmente, admite a existência de uma Energia ou uma Força que paira acima do que o Homem pode compreender. Porém, ressalva que tal Energia não se ocuparia diretamente do Destino do Mundo, tampouco dos interesses ou do destino de uma das espécies (a Humana, no caso) que habitam o Universo, ou os Universos. Desse modo, exclamações (algumas até sinceras) como: Deus te abençoe! Se Deus quiser! Deus é Pai e não Padrasto” entre outras, para o Deísta não fazem o menor sentido. Quando muito ele as aceita como um ingênuo vicio de linguagem.
(Se KANT nos ensinou que nosso intelecto não tem capacidade de entender ou compreender Deus; Mestre ECKHART nos disse que: “Creio porque é Absurdo ...”); ou seja, se não fosse absurdo eu teria capacidade de entendê-lo, mas como não tenho, eu apenas Creio, cegamente”. Embora possam parecer díspares, essas duas afirmações embasam o sentimendo religioso: a Crença está além do nosso Raciocino e parece que o aumento deste ultimo, diminui o tamanho da primeira.
Ateísmo é um termo grego (ATHEÓS = Sem Deus) e além de ser uma Doutrina também pode ser uma simples atitude de negação peremptória da Idéia de Deus, na concepção de Vingador, Justiceiro, Pai Provedor que normalmente é imposta. Nem sempre, porém, o termo “ATEU” foi sinônimo de descrença. Foram relativamente comuns as rotulações de “Ateus”, dadas àqueles que tinham outro ponto de vista de como seria a Divindade. A Igreja, por exemplo, rotulou de Ateu, por muito tempo, os adeptos do PANTEÍSMO* de SPINOZA ou o próprio DEISMO* do Século XVIII. Só a partir do Século XIX é que o Ateísmo tomou a feição que ainda carrega: Ateus são todos que se negam a Crer que Deus é “uma pessoa”. Ou melhor, uma “Super Pessoa” dotada de poderes ilimitados e que se ocupa o tempo todo em prover, cuidar e punir as suas criaturas.
Claro que várias tendências filosóficas, políticas e até religiosas não acreditam, nem pregam essa “Super Pessoa” e é por isso que o número de ATEUS cresce, na mesma proporção em que diminui a escuridão da supersticiosa crença cega. Ou na medida em que decresce o fanatismo religioso, (que embora possa parecer aumentado, na realidade nunca esteve tão contido em grupos estanques quanto agora). Dentre essas correntes, podem ser citados os Marxistas, ou os adeptos do Materialismo Cientifico, ou os partidários do Positivismo* Científico e Filosófico e, principalmente, os NIILISTAS, adeptos de NIETZSCHE, que ao pregar contra a submissão (covardia, para ele) dos burgueses cristãos (a Moral de Rebanho) declarou: Deus morreu! Claro que se referia ao Conceito de Deus que é fornecido pelas Religiões.
Porém e paradoxalmente, mesmo com o aumento do número de ATEUS é interessante notar que há um movimento de revalorização do Conceito Teísta de Deus, através das Religiões Evangélicas e Carismáticas. Esse aumento, contudo, não destoa do que se disse acima sobre a diminuição global da superstição religiosa; o que acontece é que esses Movimentos, até como estratégia de Marketing, abusam da superexposição parecendo maior do que na verdade são. Obvio que nessas correntes, Deus é colocado como um “Vingador Implacável” ou como um “Generoso Dispensador”. Tratam-no com a mesma intimidade que já se observou na Antiguidade quando os deuses gregos partilhavam com os Homens as mesmas sensações e emoções. Todavia, mesmo com tal superexposição e a tentativa de revalorização, é forçoso reconhecer que atualmente o Ateísmo já não é visto como uma Maldição e nem o Ateu como o Diabo em Pessoa. Diferente do que ocorria, por exemplo, na Idade Média quando a simples menção de um pensamento ateísta era motivo para que seu emissor fosse queimado vivo. Hoje, ainda existem algumas restrições, mas são movidas mais pela confusão entre os termos Ateísmo e Deísmo que por implicância religiosa. Para completar este tópico, achamos oportuno acrescentar um rápido passeio pelo Ateísmo contido nos Pensamentos Filosóficos. A saber:
A primeira análise do Ateísmo na Filosofia teve como autor o mestre PLATÃO, em sua obra “Das Leis”, no capitulo X. Ali, o sábio menciona três formas de Ateísmo:
1. Negação da Divindade
2. Crença que a divindade exista, mas que é indiferente às Coisas Humanas e, por extensão, às todas as outras Coisas do Universo.
3. A crença que a divindade é corruptível e favorece aquele que lhe presta vassalagem (que alguns chamam de submissão) enquanto pune quem não o Idolatra.
A Negação da Divindade é o MATERIALISMO, onde se prega que a Natureza (o Físico, o Concreto) vem antes da Alma, ou seja, que a matéria vem antes do Intelecto, das Artes. Seria o erro comum aos “Filósofos da Natureza” que põem a Água, o Fogo e a Terra como o Princípio (o inicio, a causa de tudo. E chamam esses três elementos da “Natureza”) de todas as Coisas e Seres. Conforme PLATÃO, o combate a esse tipo de Ateísmo deve centrar-se na exposição sistemática e continua do fato de que a Alma (ou IDÉIAS) precede a Matéria, que, na verdade, é só uma cópia da Idéia, do Protótipo. E PLATÃO usa o Movimento Celeste para reafirmar que existe um “Primeiro Motor” imaterial, que pode ser chamado de Deus.
A segunda forma de Ateísmo – consiste em julgar que Deus não se interessa pelas Coisas do Homem. PLATÃO repele essa tese afirmando que se o próprio Homem sempre zela e cuida daquilo que criou, buscando sempre aperfeiçoá-lo, com Deus não poderia ser diferente. Pois se ele não zelasse por suas criaturas, teria um comportamento pior que o do Homem mais relapso. O que seria impossível de aceitar, pois além de outras considerações, Ele teria infringido a Lógica na medida em que criara Seres mais perfeitos que Ele.
A terceira forma de Ateísmo – é a dos maldosos que supõem serem capazes de subornar Deus mediante vassalagem, ofertas, rituais etc. Nesse ponto, PLATÃO é tão rígido que pede a proibição total dos rituais privados, ficando apenas os públicos onde, em tese, os atos escusos tenham mais dificuldade de acontecer. (Cabe notar que o próprio mestre aqui comete uma “blasfêmia” ao duvidar da integridade de Deus, haja vista que Ele poderia ser corrompido). Sobre PLATÃO acrescentaremos mais duas observações: para ele a única forma legitima e realmente filosófica de Ateísmo seria o Materialismo, enquanto as outras duas opções não passariam de vulgaridades. Exceto, talvez, no quesito da “Indiferença de Deus para com a sorte do Homem”, que posteriormente acabou sendo adotado pelos EPICURISTAS. Outro ponto a ser colocado é que para PLATÃO há existência de Deus é inquestionável e essa crença veio com o Hinduísmo que ele bebeu e que traduziu para o Ocidente. Desse modo, negar Deus parecia-lhe algo criminoso.
Essa crença absoluta de PLATÃO também se encontra na Escolástica onde tudo é pensado para confirmar racionalmente a Existência da Divindade e não para pensar o oposto. Aos poucos, a filosofia Ocidental acresceu ao Materialismo* como forma de Ateísmo*, o Panteísmo*, o Ceticismo* e o Pessimismo*. Na Idade Moderna, BEKERLEY pregou a igualdade entre o Materialismo e o Ateísmo, mas por isso viu-se obrigado a afirmar que a Matéria é Irreal (não existe por si, mas apenas quando é percebida – (Por exemplo: a mesa onde escrevo esse livro NÃO existe, até que eu a sinta pelo Tato e a veja com a Visão.), pois se assim não fosse; e se o Materialismo é igual ao Ateísmo, esse último também seria Real; logo, irreal seria Deus. Ou pelo menos O Deus TEÍSTA. Idéia que o filósofo não poderia aceitar, até porque era Bispo Católico e crente ardoroso.
Afinal, se admitisse que a Matéria é Real, ela seria a Causa das coisas e Deus tornar-se-ia inútil. Dentro desse raciocínio, pode-se pensar que é no fato da Matéria ser a “Causa das Coisas e das Idéias” que se assenta a base do Ateísmo, pois se ela é capaz de construir Coisas e Idéias, Deus é desnecessário para a continuidade do Universo. Seria então o caso de se admitir o “Deus Inicial” que deu origem a Tudo na primeira e única vez em que cuidou disso. Mas, depois dessa “Inauguração”, sua participação direta nos negócios do Universo é falaciosa, pois Ele não desceria aos detalhes de cada SER ou situação. Convenha-se que essa é uma quimera muito difícil de ser extinta, pois a frágil natureza do Homem o leva a buscar qualquer abrigo, ainda que seja irracional, ou irreal ou ostensivamente utópico.
Quer-se acreditar. Precisa-se acreditar. E por quê? Talvez até por obra do Instinto de Conservação que ao nos injetar essa ilusão de segurança e de apoio evita que o desespero de não haver sentido em Nada nos leve a terminar nossa própria inutilidade. (Em nosso Ensaio sobre SCHOPENHAUER, contido neste Blog ou Sitio, entramos mais a fundo nessa questão. Convido aos interessados para que visitem o texto).
Antes de prosseguir, julgo oportuno fazer o seguinte esboço das diferenças entre as duas Visões:
1. Deus cria a Matéria, O Pensar, o Sentir, o Mundo, o Universo
1.1 - Deus cria a Matéria, o Pensar, o Sentir, o Mundo, o Universo
2. Deus estabelece as Regras (ou as Leis da Natureza, como, por exemplo, a Lei da Gravidade) de como o Universo deve funcionar.
2.1 - Deus estabelece as Regras de como o Universo deve funcionar.
3. Deus zela continuamente pela suas Criaturas e cuida em puni-las ou recompensá-las conforme o grau de obediência que elas demonstrem.
3.1 - Deus se afasta e a Natureza, o Mundo, as Coisas e os Seres seguem as Leis estipuladas, sofrendo seus rigores e usufruindo de seus beneficios.
4. O Homem vive sob o dominio absoluto e contínuo de Deus, sendo punido e/ou premiado conforme seja sua capacidade de obedecer e amar ao seu Criador, antes de Tudo.
4.1 - O Homem, como as demais Espécies, vive segundo os ditames das Leis Estipuladas.
Claro que acima se expôs os Conceitos Latos do Teísmo e do Deísmo. Não desceremos às particularidades por não ser este o propósito desse Ensaio.
Voltando, porém, à História da Filosofia, veremos que no século XVI (1700/1799) LA METTRIE e d’HOLBACH e no século VXIII L. BUCHNER, ERNEST HECKEL e de FELIX LE DANTEC usaram o Conceito de Deísmo para embasar suas Tendências Materialistas. Para eles o Deus Metafísico (Sobrenatural, Super Pessoa) inexiste, pois a Causa (o Motivo, a Origem) das Coisas e dos Pensamentos é a Própria Matéria. Outra Corrente filosófica de Caráter Ateísta é chamada CETICISMO*. Sua primeira aparição vincula-se a CARNÉADES de CIRENE (214/179 a.C.) que demonstrou a fragilidade das “Provas” que comprovariam a Existência de Deus, bem como as dificuldades que existem no próprio Conceito de Divindade. É dele a famosa citação: “se existem os deuses, são vivos, se vivos sentem ... se sentem recebem prazer e/ou dor ... e se recebem dor, são capazes de Perturbações e de alterações no Humor, para pior". Cite-se, para corroborar essa observação uma passagem bastante conhecida:
Deus se arrependeu (sic) de ter criado o Homem e por isso o exterminou através do Dilúvio. Ora, como aceitar essa contradição tipicamente humana em um SER que se propõe como perfeito?
Essa é uma das dificuldades que o filósofo apontou ao se observar o Conceito de Deus. Voltando para a Idade Moderna, deparamo-nos com HUME e vemos que o Empirista inglês concorda absolutamente com a tese de CARNÉADES. Advogava, inclusive, tese semelhante: para ele, a “Prova a Priori” da Existência de Deus é impossível porque a Existência é SEMPRE Material e prossegue indagando: “se uma cidade é construída por muitos Homens, porque o Universo não poderia ter sido criado por uma legião de Anjos ou de Demônios?”. Outra forma do Ateísmo Filosófico encontraremos no PANTEÍSMO*, no qual NÃO HÁ a intenção de NEGAR Deus; mas, na verdade, o de pensá-Lo como se fosse O Espírito de um SER cujo corpo é o Universo Físico. De certa forma, símile à “Alma do Mundo” dos antigos. Aliás, contra o Panteísmo, o termo “Ateu” foi utilizado como anátema para denegrir aqueles que acreditavam que Deus É o Mundo, o Universo, a Natureza (ou para desacreditar aqueles que não se conformavam em seguir os ditames das Religiões). Claro que os ataques mais concentrados foram dirigidos contra SPINOZA, o criador dessa doutrina, mas ainda hoje (esse modesto escrevinhador ouviu na TV) é usado para insultar aqueles que não seguem os dogmas das Religiões ou, mais precisamente, das Igrejas. Aliás, foram esses ataques contra SPINOZA que fizeram HEGEL sair em sua defesa ao propor o A-COMISMO*. Também FICHTE foi chamado de Ateu, após publicar um Ensaio no “Jornal Filosófico de IENA", em 1798, no qual igualava Deus e a Ordem Moral do Mundo (ou, em outros termos, afirmava que Deus é a Ordem Moral do Mundo). A repercussão contra o filósofo foi de tal ordem que ele se viu obrigado a demitir-se da Universidade de IENA, embora, como SPINOZA, não aceitasse o rotulo de incrédulo. Aliás, para alguns eruditos religiosos, o PANTEISMO, de fato, não é uma afirmação de Ateísmo na medida em que aceita alguns aspectos do “Deus das Religiões”. Todavia, é inegável que se prega o Ateísmo na Corrente chamada de PESSIMISMO*. Conforme SCHOPENHAUER, ícone dessa tendência, a Desordem, o Mal e a Infelicidade no Mundo são claros obstáculos para que se aceite o “Deus Religioso (e que seria, em si, o Bem)”, ou, até mesmo, o “Deus Panteísta” que pressupõe a Ordem como característica básica. TEÍSMO e PANTEISMO, destarte, sinalizam para o *OTIMISMO (O Bem, a Ordem)" o que é peremptoriamente desmentido pelos fatos e acontecimentos. Além disso, o Teísmo e o Panteísmo acabam reforçando os laços que ligam os Homens ao seu “Desejo de Viver”, pois lhe fornece, no mínimo, a esperança de que em certo tempo as coisas serão melhores. Neste ou no outro Mundo.
Contemporaneamente, SARTRE, reafirma e representa o ATEÍSMO PESSIMISTA. Mas não são a Dor ou o Mal que fundamentam esse Pessimismo*, mas a incerteza da existência humana. Lançado no Mundo e só podendo contar com sua liberdade, o Homem é um projeto destinado ao fracasso. Para SARTRE não há Deus, mas existe o SER que pretende ser Deus: o HOMEM, o qual, não obstante sua Vontade, é incapaz de atingir o Estagio que almejava e constata que inexiste qualquer Sentido em sua vida, pois ele está destinado a morrer e como não há vida noutro Mundo, ele está destinado ao NADA. Todavia, a grande maioria não concorda com esse NADA e crer é útil para solidificar essa esperança de que haverá algum Sentido para o Homem.