O homem e a caverna.
Ó crepúsculo maldito aonde o homem cego habita sem coragem de acordar. Seu corpo jaz, inerte descansa sem esperança; dorme o sono da inconsciência, desconhece a claridade do dia, seu tempo é noite eterna, o futuro ronda sua caverna.
Lá fora o sol reina sobre os filhos da inteligência superior; nos seus sonhos confusos se confundem entre o presente real do ser humano e o passado simiesco que lhe abisma a existência atual. No presente a ilusão constante, lhe põe distante do ser racional, vagueia em pesadelos sem fim. Assustado não quer acordar, abrir os olhos do entendimento. Como um porco ronca enquanto se escreve a epopéia universal, na qual não representa nenhum papel fundamental e, como pedra à beira do rio do devir, como cenário morto vive a ver a vida passar.
Levará uma eternidade para que ele possa vir à luz do saber maior, para se juntar aos seres vivos do lado de fora da razão dos homens simples, para aprender a língua pura com os hiperbóreos, que aprenderam a andar nas nuvens sem sair de debaixo do chão.
Sou ou não sou mais um homem da caverna? Segundo o ilustre filósofo, vivemos na escuridão, no mundo das aparências, das formas, no espaço das sombras. Esta simbologia é de fato muito apropriada, pois se trata de uma verdade hoje conhecida e aceita por muitos homens de sabedoria e de conhecimento, que desfrutam desta idéia irrefutável, a de que o homem não pode ir além da sua caverna, porque lhe é prejudicial tentar sair do seu habitat mental.
Somos mesmo condicionados a esse estado de alienação comum a todos os seres vivos, racionais ou não. Se a caverna é fato, é preciso investigar a sua origem. Como viemos parar aqui? E antes da caverna aonde viviam os homens ou os seus ancestrais? Quem edificou essa caverna? E se a construímos, qual foi objetivo? Foi ela mesma projetada para ser habitada em tempo integral? Ou nós escolhemos por comodismo, por indolência pelo prazer do ócio, ou foi por medo mórbido da competição brutal com os nossos inimigos naturais?
Nos acostumamos com a carência e com a solidão das outras espécies, preferimos o frio do ego à companhia e o calor de outros ideais; ou foi o amor ao escuro e o apego à dissimulação das noites onde tudo fica belo, onde todos os erros são virtudes a olhos nus? Escolhemos por conta própria viver em uma noite eterna, desconsideramos o brilho do sol da inteligência superior.
Voltando ainda ao mesmo assunto, a indagação inicial sobre a origem da caverna, encontraremos uma razão para esse proceder e explicaremos os motivos dessa nossa covardia, desse nosso medo de sair de nossa casa, caverna, nossa consciência das coisas e da nossa própria existência. Nesse contexto filosófico e simbólico, quem ousar sair da tribo alienada da caverna não pode ser considerado normal, será também taxado de louco ou talvez será banido.
A caverna existe, é fato. O sol está lá fora, quem se arrisca sair, não se acostumará outra vez na caverna. Todavia, ao sair descobrirá outro modo de vida, respirará um ar puro, uma nova sensação, porém, é preciso cautela, para não cegar ao primeiro contato com o astro rei, o sol pode derreter nossa alma frágil; somos como soldados de chumbo, uma vez expostos podemos não suportar o calor.
O sábio sairá à noite, para reconhecimento do terreno, verificará os perigos, analisará com perspicácia e depois de várias sondagens noturnas, poderá arriscar uma saída em dia claro. Este Super-Homem será bem -sucedido em sua descoberta e fará bem em fazer isto sozinho, não arriscará a integridade física, mental e emocional de seus pares.
Eu, quando comecei nessa exploração geográfica da minha existência, sofri muitos danos, quase perdi total e definitivamente a razão, pus em risco a vida dos meus companheiros de caverna, me ausentei dias e noites, encantado com a paisagem, com as novidades, com as possibilidades, com os prazeres do mundo invisível, para mim enquanto homem da caverna. A dor maior, um sofrimento atroz dilacerava meu ser, minha alma, quando me afastava da minha origem, do meu habitat, cada vez mais me agradava da viagem e descobria que tinha que voltar, não por mim nem por minha sobrevivência, pois para mim bastava o ar puro, a energia nova, curadora; quanto mais longe, mais forte me sentia, quando estava no limiar de perder a consciência de que lá na caverna havia alguém à minha espera, então voltava, porém, nunca voltava completo, sim, deixava uma parte de mim para trás como ponto de referencia, para que em outro dia pudesse achar o caminho de volta.
Engraçado, em todas as minhas viagens na exploração do novo mundo que descobrira haver fora da caverna, minha morada milenar, não encontrei um único ser vivo, procedente do meu domínio, as formas de vida eram todas distintas de minha tribo; são seres disformes, não têm corpo definido, não consegui entender suas formas físicas, falavam línguas estranhas, não conseguia compreender facilmente. Foi preciso varias excursões para conseguir um contato, um dialogo. São criaturas diferentes, mais são humanas, penso eu.
Essa distância deve-se ao fato, deles viverem em outra dimensão, em outro estágio evolutivo. Não posso fugir do meu compromisso pessoal, de encontrar respostas para muitas coisas, que estão mudas; perguntas que não querem calar, que precisam ser pelo menos ouvidas. Precisa-se parar um pouco com esta loucura do homem moderno, por um pé no freio desta corrida predatória da consciência nobre, do homem de bom senso, que sabe dos sábios atuais. Onde foi parar o senso crítico dos cientistas, que perderam a noção de tempo e espaço? Não se importam com a destruição da filosofia que jaz desolada nas esquinas fétidas das consciências dos nossos pensadores.
Faz dois mil anos que se começou a questionar a origem do homem, antes nada se sabia sobre a alma humana, até que alguém disse: “toda resposta se encontra no divino”; para que ninguém mais se arriscasse, ou ousasse questionar a origem dos homens ou de Deus. Essa questão ficou para outro tempo, com a descoberta das ciências, com o vislumbre do amanhã, o ontem não mais interessou, foi como se todos dissessem, “não importa saber de onde venho, o que importa, é saber para onde vou”....