Sobre a (In)dignidade da Pessoa Humana
Antes de começar este escrito gostaria de falar de um princípio análogo que me motivou, do da Dignidade da Pessoa Humana usando para isso um embasamento que não faz tanto meu estilo, mas para este texto de faz importante, que é a citação d’outrens para assim poder melhor me embasar e ter como expor minha forma de pensar.
Dos escritos que consegui reunir sobre o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, poço presumir que o respeito ao próximo é característica basilar para que tal Princípio possa perdurar, e ter longa vida, mas entra neste aspecto um problema que é como tumor exposto na pele de nossa sociedade. Se analisarmos o mundo em que vivemos, veremos que apenas respeitamos aqueles que vemos como semelhantes a nós, pois é mais fácil se ver um ato desrespeitoso com aqueles que ocupam camadas, sejam elas, sociais, econômicas e/ou culturais inferiores as nossas, e temos condutas mais respeitosas com aqueles que nos são, aparentemente, semelhantes a nós, seja por questão de afinidade, ou por ver no outro uma ameaça que vale a pena não ser provocada. Este tipo de comportamento pode ser visto quando se vai a um Centro Comercial, muitas pessoas nem sequer olham para as pessoas que exercem as atividades mais basais para o funcionamento destes centros, como as pessoas que cuidam da limpeza e da segurança. Podem até não tratar mal, mas com indiferença, que muitas vezes fere mais e causa mais cicatrizes do que quando se trata mal, pois quando isto se faz, mostra-se que a existência da outra pessoa é conhecida, mas quando a apatia é mostrada, é como se outro sequer existisse. Quando estamos em pessoa que dizemos estar acima de nós, seja pelo cargo que exerce ou por ter mais recursos, de qualquer tipo, tendemos a respeitá-los, e em certas culturas, a cultuá-los.
O que difere uma pessoa não é sua classe social, ou financeira, ou cultural, que podem ser mudadas no decorrer da vida. O que faz cada pessoa ser única no mundo é sua natureza aliada a sua personalidade.
A partir do momento em que almejamos nos diferenciar dos outros de alguma forma, passamos a, mesmo sem termos vontade, ou notarmos, ferir o Princípio supra, visto que criar subdivisões n’algo que deveria ser plano vem a gerar verdadeiros apartaides, pois tendemos a desprezar tudo aquilo que, supostamente está abaixo de nós. Logicamente há exceções, mas como o mundo é regido por regras, me aterei a elas.
Doutas pessoas, como Pontes de Miranda1, deixaram em seu legado frases, que são como axiomas, sobre tal Princípio "[...] o resultado de avanços, ora contínuos, ora esporádicos, nas três dimensões: democracia, liberdade, igualdade.", cito também frase de Ivja Neves Rabêlo Machado2 "(...)a dignidade é pressuposto de igualdade real de todos os homens e da própria democracia. Nesse passo, a noção de dignidade da pessoa humana encontra-se intimamente relacionada à noção de justiça. Não se pode falar em justiça sem atender a dignidade da pessoa humana." Sinceramente, creio que não vivemos numa democracia (ver meu ensaio Realmente Vivemos numa Democracia?), crer na liberdade (total) é quimérico, sonhar com a liberdade tolhida por nossa realidade, ainda é um sonho, que quiçá seja alcançado, e crer em igualdade é algo inconcebível num mundo capitalista, que se mantém pelas diferenças sociais. Não quero adotar um tom socialista, ou comunista neste texto, visto que não compactuo com qualquer forma de governo, ou aplicabilidade de normas e regras, embora eu saiba que ainda precisamos de tais Leviatãs.
Para não delongar o parágrafo supra, achei melhor comentar o que fora dito por Ivja neste, no seguinte trecho “(...)a noção de dignidade da pessoa humana encontra-se intimamente relacionada à noção de justiça.”, de que adianta ter uma noção sobre justiça, conceber suas teorias e sonhar com seus efeitos práticos, se na hora de finalmente nascer e vir a se propagar pelo mundo, ela vem a ser assassinada pelas mãos que deveriam a ajudar a crescer. A justiça do deveria ser é bela, perfeita, totalmente diferente da justiça do ser (ou justiça real), ou seja, enquanto imaginamos e concebemos algo, podemos criá-lo, dentro do possível, perfeito, enquanto este inocente ser habitar o mundo etéreo da criação; mas quando é posto em prática, ele esbarra com as vontades daqueles que a aplica, moldando a tal modo, que é o mesmo que matá-la e criar algo com os seus restos mortais, usando vontades vis e quereres egoísticos para trazer a vida a justiça real, a do ser, sendo de natureza oposta da do dever ser.
A melhor forma de pensarmos em igualdade é alargar seu conceito e aplicabilidade, não nos prendendo as meras normas legais e coercitivas, mas também para esfera ético-filosófica. Se aceitarmos que as semelhanças entre todas as pessoas do globo superam as diferenças, o que é fato, pois todas as pessoas são constituidas dos mesmos compostos, tem a mesma distribuição de membros, tem praticamente as mesmas dúvidas, receios e desejos, e que a grande diferença está na personalidade (e em alguns traços da natureza), passaremos a ver as pessoas com outr’olhos, não como um maltrapilho, mas sim como alguém que é como cada um de nós, um ser humano, como diria Nieztche em sua máxima mais famosa diz que somos “humanos, demasiado humanos”, e assim sendo, não há fundamentação para ainda tolerarmos um padrão social que exclui todo e qualquer que pré-julgamos como sendo diferentes, e em na nossa sentença decretarmos os outros como inferiores.
Uma pessoa que tem condição intelecto-financeiro-social, inferior a nós, não precisa de olhos de pena, ou de lástima, ou de serem tratados como tratamos cachorros que choram de fome, ou um ser alienígena, mas sim de serem vistos como semelhantes, que os vejamos nos olhos como seres humanos, como homo sapiens sapiens.
Lendo na internet para fundamentar e melhor pensar no que escrever, encontrei citação de Sérgio Ferraz3 sobre o tema em pauta "[...] é base da própria existência do Estado brasileiro e, ao mesmo tempo, fim permanente de todas as suas atividades. É a criação e manutenção das condições para que as pessoas sejam respeitadas, resguardadas e tuteladas, em sua integridade física e moral, asseguradas o desenvolvimento e a possibilidade da plena concretização de suas potencialidades e aptidões." Eu não ia falar nada sobre estas palavras, mas como a causticidade de meus pensamentos não me deram trégua não tive escolha, melhor falar no parágrafo infra.
Um questionamento me basta para tecer comentário ao citado. Num país dominado por políticos de causas próprias e que nos deixam no ostracismo. Onde há espaço para que se pense em criar um Estado, que seja, Democrático num quadro como o que vivemos? Se formos analisar um pouco, se fosse “fim permanente de todas as atividades”, tudo aquilo que causar retrocesso e empecilho para o desenvolvimento pátrio deveria ser de pronto eliminado e jogado ao lixo, e buscar meios que realmente sejam eficazes para garantir que os tão belos Princípios sejam finalmente cumpridos.
Sobre a segunda parte do dito ante por Ferraz, não se pode falar no respeito e segurança de uma equitativa aplicabilidade de leis e suas respectivas coerções enquanto nossos atos forem reflexo de mentes vetustas, fazendo uma comparação, seria o mesmo que querer que algo salgado transfigurasse-se n’algo doce e vice-versa, um ato que nem utópico o é, mas sim quimérico. É imprescindível adotar novos meios de legislar, executar e pensar, para que assim sejam criados hodiernos resultados, pois maquinas velhas não tem como fabricar produtos que sejam compatíveis com que se necessita, e é assim que está nossa sociedade, como uma máquina capenga e quase estática, que, apenas, sonha com algo melhor, e nada faz para obter este algo. Enquanto isto não passar de rascunho numa folha amassada teremos ainda anos, quiçá lustros ou décadas vivendo o que na verdade é, o que chamo, Anti-princípio da Indignidade da Pessoa Humana. Dizer que o Estado norteia-se, também, com o fim de garantir que as pessoas desenvolvam suas aptidões, é o mesmo que crer que vivemos num um mundo lúdico-onírico. O Estado, falando do Brasileiro, tem como norte basilar garantir sua existência, e o acúmulo de riquezas, e distribuir esmolas, transvestidas em programas sociais, para calar e comprar a massa e tê-la sobre seu domínio.
No epílogo deste ensaio de amarga escrita gostaria de citar palavras de Flávia Piovesan4 sobre o que ela pensa dobre a Dignidade da Pessoa Humana "superprincípio constitucional que simboliza a norma maior a orientar o constitucionalismo contemporâneo, dotando-lhe especial racionalidade, unidade e sentido". Realmente algo belo de ser lido. Mas devo dizer que enxertar com durex valores na Constituição de nada vale se a população como um todo não tiver a capacidade para absorver tais valores, visto, como diria um amigo meu “vivermos numa sociedade medíocre”, e como tal nos guiamos por valores dos persistentes tempos idos da Lei de Talião. Um pecado do homem contemporâneo não é a falta de princípios, pelo contrário é o excesso deles, visto que muitos já deveriam ter sido enterrados, por sua aplicação não mais ser compatível. Sem falar n’outro problema, que é o choque entre novos e velhos princípios e valores, que atuam sobre nós como forças antagônicas.
Como podem ver, muito falta para nós para enfim dizermos que há um Princípio da Dignidade da Pessoa Humana. O velho precisa ceder espaço para o novo e o novo tem sempre que se moldar acompanhando sempre o caminhar, mesmo que lento, da sociedade onde se vive. Querer incutir valores e princípios contemporâneos numa sociedade de mente feudal é utópico, mas não impossível, contando que haja, sempre, um trabalho árduo e ininterrupto para este fim; por sua vez querer que isto ocorra com azáfama e sem dar tempo para que haja uma total, ou quase, assimilação, não passa de quimera.
Pontes de Miranda1 - (Maceió, 23 de abril de 1892 — Rio de Janeiro, 22 de dezembro de 1979) foi um jurista, filósofo, matemático e escritor brasileiro.
Ivja Neves Rabêlo Machado2 - Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Alagoas – UFAL. Advogada. Especialista em Constitucional pela UNISUL Instituto Luiz Flávio Gomes – LFG. Pós-graduanda em Ciências Penais pela UNISUL em parceria com LFG.
Sérgio Ferraz3 - advogado brasileiro, membro da Academia Brasileira de Letras Jurídicas e foi decano do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil.Foi presidente do Instituto dos Advogados Brasileiros, consultor jurídico do Ministério da Justiça e professor titular de Direito Administrativo da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.
Flávia Piovesan4 - graduação, mestrado e doutorado em Direito pela PUC de São Paulo (1990, 1993 e 1996). Atualmente é Professora Doutora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e Professora Doutora da Pontifícia Universidade Católica do Paraná.