ENSAIO SOBRE O ESCREVER

Escrever é mesmo um belo exercício. Execita-se não só a criatividade, mas sobretudo o desprendimento e o desapego. Uma vez publicado, o texto, seja em prosa, poesia, crônica ou conto, passa a pertencer ao leitor. E passa a caber a ele, e tão somente a ele, a análise, o entendimento (ou não), a absorção. Quando mal escrito, um texto expressa o nada, o vazio absoluto. Se bem feito, até o nada ganha forma e conteúdo.

Tenho me aventurado a escrever contos e ficções. Quanto mais escrevo, mais percebo que a criatividade não é solitária nem soberana. Existe uma força estranha na criação de cada personagem, é como se ela ganhasse forma - de fato - desenhando-se aos poucos sua personalidade, seu carater e até mesmo formas físicas por vontade própria. É bem verdade que as lembranças, as histórias e as pessoas reais com as quais se convive ajudam a formatar tais personagens, afinal o único autor que criou do nada foi Deus, mas elas se mostram e se revelam misturadas, porque "as pessoas são muito ilusórias e vagas para serem copiadas" (1), como bem disse o romancista.

Escrever não é preciso e, talvez seja mais incerto que viver.

Se por um lado escrever nos dá um ligeiro poder, por outro há de se conviver com as frustrações, como não ser contemplado com um prêmio tão desejado e sonhado, ser rejeitado por um editor ou ainda não conseguir "vender" a sua melhor idéia.

As críticas não se enquadram no universo da frustação, são em si reconhecimentos, e se bem vistas e bem usadas nos servem de exercício para o aprimoramento. Pior que ser criticado é não ser lido. É como falar para ninguém.

Escrever é um belo exercício e quando se tem a oportunidade de se escrever sobre o escrever, exercita-se mais que a criatividade, o desapego ou o desprendimento. Exercita-se o autodescobrimento, a impermanência, o vazio transbordante, a autocritica...

Engana-se quem pensa que escrever é fácil. Principalmente para quem sabe, escrever é quase que autodestrutivo. Porque ou você será julgado, de uma forma ou de outra - bem ou mal ou você simplismente será ignorado.

Escrever. Não há nada mais contemporâneo e globalizado que nos remeta à antiguidade, onde estando em evidência um indivíduo era levado à forca, ao Panteão ou a masmorra solitária.

Nota 1 - Érico Verissímo - artigo Como nasce uma personagem, publicado em 1950 na Revista do Globo e no livro Fantoches e outros contos e artigos - Editora Globo 1956