Dias de enfermidade
Vivemos em um mundo onde impera a superficialidade, e como se não bastasse toda a bagagem pronta que a mídia insiste em nos "oferecer" diariamente nas suas revistas de cunho ideológico, nos seus programas de TV da tarde, "trocando em miúdos" todos os problemas que uma sociedade enfrenta, totalmente pragmáticos, nos jornais que disseminam o preconceito, a falta de ética e as culturas da obediência e do medo, nos fazem aceitar que a superficialidade atravesse a fina camada que separa realidade de ficção e entre em contato com nossos relacionamentos, sorrateiramente, cada vez com mais frequência, paulatinamente, nos ditando como devemos agir, o que devemos pensar, como nos vestir, o que fazer com o cabelo, como devemos nos sentar... um caos. Nos relacionamos com aquele garoto porque seus olhos são azuis, ou com aquela menina porque suas roupas são de determinada marca...
Perdemos, cotidianamente, nosso referencial de amizade.
Há um discurso que nos ameaça: "fique alerta"..., pois afinal, neste mundo de hoje, não podemos confiar nem mesmo em nossa própria sombra...
Devemos aceitar mais essa imposição?
Fecharmos nosso ciclo de amizades, "fechamos o tempo" e mecanizarmos todos os relacionamentos..."que sejam breves e que não me causem nenhum tipo de arrependimento"..., acreditando que nada mais de extraordinário poderá acontecer em nossas vidas, afinal "já conheço todo tipo de gente"...
Paulo Freire citou "onde há vida, há inacabamento". Ninguém está totalmente completo, isso é genial! Quer dizer exatamente, que precisamos conhecer o outro. Somos seres sociais, culturais, políticos, e sobretudo, históricos, ou seja, podemos decidir (temos autonomia para tal), se queremos também aceitar mais essa característica leviana: compactuar com a descrença no ser humano.
E acredite, poucas são as pessoas que deixam isso acontecer. Que abrem espaço para o outro se mostrar. Mostrar sua luz, seu ser, sua energia. Não temos tempo, não temos tolerância frente ao diferente, temos preconceitos, medos, inseguranças, raivas. Estamos imersos em nossos universos particulares.
Caso não aprendermos a compartilhar esses sentimentos, a vivência enquanto ser humano será apenas uma aventura "da qual jamais sairemos vivos", como pintam por aí, e não um eterno aprendizado, seremos sempre cheio de nós mesmos, acreditando já ter crescido o suficiente, quando, na verdade, não saímos nem do próprio casulo que envolve nossas mentes tão limitadas.
É preciso falar com as pessoas e não para as pessoas.
É preciso ouvir.
É preciso humanizar aqueles que se deixaram levar pelo discurso fantasioso e trazê-los para a realidade.
É preciso coragem para tal.
É preciso ter amizades, onde os segredos não sejam apenas as ligas dos diálogos, onde mais de uma pessoa tenha a voz, onde as lágrimas omissas e tão essenciais encontrem seu destino.
É preciso rir até sentir dores musculares.
É preciso refletir sobre vivências, experiências verdadeiras e tentar extrair delas, por mais que queiramos sempre ver o ruim.
É preciso crescer e ser "gente mais gente".