O poeta de Pasárgada II-parte (Carnaval)

Falar de carnaval é acordar no “Estro brutal das bebedeiras” com poemas alegres como: os sapos, Alumbramento e Debussy e poemas irônicos, sombrios em sua própria pessoa, de ar lúgubre como Arlequinada, A dama de branco e sonho de uma terça-feira gorda entre outros. Carnaval é uma das mais bela e importante obra publicada em 1919 com predominância ainda do tom simbolista, mas que foi perdendo a força ao modo que se firmava o modernismo, até que foi totalmente destruído pelo mestre pernambucano com o poema precursor de 1922 quando se iniciou a semana da arte moderna. Ele comandou a passagem do parnasianismo metrado, exigente e martelado para o modernismo de versos livres, soltos, versos de manifestação pela própria essência da inspiração. Manuel Bandeira com OS SAPOS foi participante fundamental junto a sua orquestra de anuros cantantes no importante processo de implantação do modernismo.

“Enfunando os papos

Saem da penumbra

Aos pulos, os sapos.

A luz os deslumbra.

Em ronco que aterra

Berra o sapo-boi:

-“Meu pai foi à guerra!”

-“Não foi!”-“foi!”-“não foi”!”

(Os sapos)

Manifestou todos os seus pensamentos desenhando em alguns poemas a imagem do carnaval, da folia, da alegria, da bebedeira, do falar asneiras.

Com rimas fortes, bem arrumadas para proporcionar boa musicalidade, festividade, bem “bacanal”. Mesmo não tendo nas veias musica e arquitetura

Soube como ninguém construir um poema com base forte, telhado firme e uma orquestra em cada palavra. Com tudo isso o que mais queres? Pode “gargalhar em doudo assomo... Evoé momo” assim segue carnaval com cantarias e outras vezes palavras sombrias.

“Quero beber! Cantar asneiras

No esto brutal das bebedeiras

Que tudo emborca e faz caco...

Evoé Baco!”

(Bacanal)

Em carnaval o poeta esqueceu algumas vezes o carnaval da morte, a dama branca, a ferida maior e entrou na alegria do carnaval das ruas, no carnaval de Schumann, mesmo sabendo da “fina, doce querida”. Quis dar tudo de si, teve em seu leito uma vasta enciclopédia de vida e vontade como mais ninguém de revelá-la para o mundo inteiro. Carnaval foi único em sua vida, pois ele bebeu e cantou asneira. Carnaval foi “Vulgivaga”.

“Fui de um... fui de outro... este era medico

Um, poeta... Outro, nem sei mais!

Tive em meu leito enciclopédico

“Todas as artes liberais.”

(Vulgivaga)

Pensamentos afoitos, aguçados, olhos que viram o alem dos objetos, dos seres, do universo, de si próprio. Sabia ser sincero, sensato, delicado e sarcástico por entre palavras dóceis. Pernambucano modesto a sua arte, enterrou o parnasianismo com martelo liberal, versos brancos. Foi sincero, emancipado, verdadeiro com palavras simples e cruas. Que o diga a “Colombina”.

“Que idade tens, Colombina?

Será a idade que pareces?...

Tivesse a que tivesses!

Tu para mim és menina.

Infantil é o teu sorriso

A cabeça, essa é verdadeira:

Não sabe o que é pensamento

E jamais terá juízo...”

(Arlequinada)

Algumas vezes saltava com poemas difíceis, palavras entrelaçadas e complexas forçando-nos a buscar o dicionário, títulos curiosos, estrofes com as mesmas rimas intercaladas ou não mostrando o poeta de tantas formas que foi. Poeta, “Menipo”, “ Zombeteiro”, “Cínico vadio” sem duvida alguma revelador a cada poema.

“Corro à floresta : entre miríades

De vaga-lumes, junto aos troncos

Gênios caprípedes e broncos

Estupram virgens hamadríades.”

(Pierrette)

Homem de primeiro alumbramento as mulheres que presenciou que de fato foi alem dos seus olhos. Não falo nem de mãe, nem de Irma, falo da “mulher nua... Toda nua” comparada a diversas imaginações frutíferas de sua época como alumbramento de moleque que fica todo ouriçado ao ver as curvaturas de uma donzela.

“Vi carros triunfais... Troféus...

Pérolas grandes como a lua...

Eu vi os céus! Eu vi os céus!

-Eu vi-a nua... Toda nua!”

(Alumbramento)

Mesmo imergido no carnaval alegre sobre cantos e gritaria, sobre rimas com bebedeiras, falando asneiras, cantando a “Colombina” vendo mulheres nuas feitas à lua, toda despida, mesmo com toda zombação ferrenha dos dias que viveu não deixou de cantar a morte entre seus delírios de desgraças em “uma quarta-feira de cinzas” “Entre a turba grosseira e fútil!”

“Nublada a vista em pranto inútil

Dolorosamente ele passa

Veste-o uma túnica inconsútil

Feita de sonho e de desgraça!”

(Poema de uma quarta-feira de cinzas)

E em epilogo sentenciado em sombras pela cor da morte presente. Sem amor, frescura ou mocidade. Deixou cravado o desejo de um carnaval ao estilo de Schumann, não sabendo ele que havia composto um carnaval bem mais genial e subjetivo contendo alegrias e tristezas, dois sentimentos diferente sendo que o de tristeza não se adéqua ao carnaval, mas nas mãos e palavras do pernambucano ousado encaixou tal sentimento em seu carnaval genialmente.

“Eu quis um dia, como Schumann, compor

Um carnaval todo subjetivo

Um carnaval em que o só motivo

Fosse o meu próprio ser interior.”

(Epílogo)

São Vicente, 24 de setembro de 2009