Vizinho ausente

Recebi ontem um e-mail de uma vizinha. No corpo ela havia feito uma linda poesia definindo o valor da amizade e a importância que ela dava a todas as formas de amigos.

De repente, vi-me definida como: vizinho ausente! Confesso que quase não me lembro do teor do resto do poema, tamanho susto que levei. É claro, se algo me afetou, é porque pode conter uma verdade ou ‘inverdade’ sobre isso. Se fiquei, afetada, eu que pense, defina o sentimento ou não vou ter paz. Sou uma ruminante mental. Só aquieto a mente depois de ter compreendido a mensagem subliminar.

Bom, vamos definir ausência. Ausência é nada. Gostei da definição de Bergson e tomo a liberdade de copiá-la: “ A ideia de abolição ou de nada parcial se forma no decorrer da substituição de uma coisa a outra, a partir do momento em que tal substituição é pensada por um espírito que preferiria manter a coisa antiga no lugar da nova ou que pelo menos concebe esta preferência como possível. Esta implica do lado subjetivo uma preferência, do lado objetivo uma substituição, e nada mais é do que uma combinação ou antes uma interferência entre o sentimento e esta idéia de substituição.”

Confesso que fui levada ao túnel do tempo. Era isso que acontecia quando eu chamava meu ex-marido de ausente? Agora eu consigo desculpá-lo. Talvez o casamento não tenha sido aquilo que ele projetou e por comodismo, piedade (odeio esse sentimento) ele não teve coragem de dizer. Talvez eu o tenha decepcionado de alguma forma e ele optou por ausência. Uma coisa eu sei, dificilmente vou saber a verdade.

Depois de muitas horas de terapia aprendi a isolar-me em determinados momentos, como todo mundo, aliás. Antes era impossível a minha convivência comigo, eu não me dava tempo. Sentia-me egoísta de colocar-me à frente.

Aprendi que é saudável a introspecção, o contato com meu “self! Principalmente quando estamos pra perder as rédeas, estamos chatos, depressivos e precisamos um tempo pra colocar a casa em ordem. Isso não é ausência! Mesmo porque o período de luto geralmente é curto, se prolongado, deve-se procurar ajuda. Daí sim se caracteriza ausência.

Amo pessoas. Sei ouvir, sei trocar, sei dar. Receber é algo meio difícil e estranho, mas estou aprendendo a receber. Dar e receber faz parte de uma vida saudável.

Muitas vezes debrucei-me no outro que me esqueci de mim. Geralmente o tempo de desabafo do outro é tão grande que o tempo urge e não sobra pra mim.

Por muito tempo tive uma psicóloga, um anjo, que me dava o tempo necessário pra eu falar e organizar minha vida. Aprendi com ela a ouvir-me, sentir-me, quase aprendi a curtir-me... E ao escrever é como se estivesse me ouvindo.

Ao assumirmos a fantasia de vítima, a gente (tadinho), torna-se carente, quer ser mimado, quer se sentir o último pacote do biscoito ou como ouvi outro dia e achei mais light, a última uva do cacho e esquecemos que o outro também pode ter suas carências, suas necessidades. O outro pode estar aprendendo a ser só, a assumir sua vida e não tem mais tentáculos soltos pra se fixar nas vítimas do caminho. O outro pode estar ‘substituindo uma coisa pela outra’. Pode estar substituindo o outro pelo seu “self”. E entendo muito o sentimento de quem se acostumou somente a receber. Ele tem a sensação que a fonte secou. Mas não é assim. A fonte pode e está provisoriamente em manutenção. E isso é difícil de entender, eu sei.

“Nenhum homem é uma ilha isolada; cada homem é uma partícula do continente, uma parte da terra; se um torrão é arrastado para o mar, a Europa fica diminuída, como se fosse um promontório, como se fosse a casa dos teus amigos ou a tua própria; a morte de qualquer homem diminui-me, porque sou parte do gênero humano. E por isso não perguntes por quem os sinos dobram; eles dobram por ti”( John Donne).

Darlene Polimene Caires
Enviado por Darlene Polimene Caires em 23/09/2009
Código do texto: T1826418
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