O segredo está no próximo dia

É engraçado como coisas que nos aconteceram na primeira infância são esquecidas até o momento que como num passe de mágica ressurgem explicando nossos comportamentos até então.

Minha mãe contava que pra eu parar de chupar chupeta ela inventou uma estratégia. Morávamos em casa e no quintal tinha um vaso vazio. Ela levou-me para lá, colocamos terra e plantamos a chupeta. Ela garantiu-me que nasceria um pé e daria chupetas, muitas chupetas. Mas que eu tinha que regar o vaso todo dia, senão a chupeta murcharia e morreria. E outra coisa também, se eu chorasse por causa da chupeta viriam os bichos papões e levariam a chupeta plantada embora. Acho que aí comecei a trocar.

Logo após o ritual, o plantio, fui à varanda esperar pelo meu pai. Ele era viajante e ficava fora a semana toda. Enquanto eu ia pra frente de casa, ela desenterrava a chupeta pra não correr o risco de eu desenterrar e voltar a chupar.

Quando meu pai chegou, contei a ele o feito, toda animada.

Minha mãe dizia que todo dia eu molhava o vaso e sentava esperando pelo pé de chupeta.

Num belo dia começou a aparecer um verdinho no vaso. Ela disse que eu corri pra avisá-la que o pé de chupeta estava nascendo. Era mato, mas ela não me desanimou. Mais uma vez disse que demoraria muito até o pé de chupeta dar chupetas, que eu deveria continuar molhando o vaso e esperar pra ver. Ela disse que o mato do vaso ficou lindo.

O que aconteceu depois, como me esqueci do pé de chupeta, o vaso, ela se esqueceu. Acho que minha segunda irmã deve ter nascido e nos mudamos...

Ontem estava numa reunião on line quando apareceu uma frase: “O segredo está na próxima reunião!” De repente algo não colou bem. Como estou num grupo que ensina-nos a viver o presente, o momento, e solta uma frase de futuro. Comentei com uma companheira de sala. Ela disse que iria pensar sobre e me dizer depois...

Hoje no café da manhã estava vendo a chuva pela janela do meu apto. Moro no sétimo andar e vejo uma mata ao fundo. A cidade que moro tem muito verde, muitos bosques e praças. As ruas são todas arborizadas. Amo essa cidade, ela contém minha energia e meu pé de chupeta.

Bom, voltando à janela. Entre os dois lados da janela tem duas enormes samambaias. Dizem as más línguas que tenho fermento nas mãos e que meu cuidado é que as fazem crescer desse jeito. Eu só as molho e de vez em quando, muito raramente coloco adubo. Mas uma coisa é certa, elas são a moldura de minha janela. Até as cortinas rendem-se a elas. Ficam abertas de uma maneira que não é nada bonito, até parece desleixo, mas que permitem a entrada de claridade em cada uma delas.

E nesse cenário mágico perguntei-me como aprendi a gostar tanto de plantas? Quem me incentivou o cuidado, o amor, a paciência de esperar pelo crescimento? E a resposta veio em forma dessa linda história que minha mãe me contava.

Talvez alguns céticos pensem: Que bela mentira te contou? Fizeram-te de idiota!

Confesso que se eu estivesse em minha fase arrogante e pessimista, eu teria pensado isso. Mas não, existem mentiras que nos salvam de uma vida sem magia, sem beleza, crua e triste.

Não sou adepta a mentiras. Mas que humano nunca mentiu? Que humano nunca contou a seus filhos a mentira do papai Noel, do coelhinho de páscoa? Somente aquele adulto que teve uma infância muito triste, muito sem graça, sem magia, sem fantasia. A fantasia faz parte de nossa sanidade. É claro que estou falando de fantasias naturalmente sadias, que não prejudicam nosso físico, nem nosso espírito.

Uma coisa é fantasia, outra é ilusão. Eu ainda me emociono quando vejo um papai Noel, dá vontade de sentar no seu colo e sentir-me protegida. Outra é esperar acordada que o papai Noel concretize meus sonhos!

E ao revisar o texto percebi que não há conexão entre o título e o desenvolvimento do texto. Essa conexão é muito sutil. Ao esperar pelo nascimento da chupeta, eu desenvolvi sentimentos que me moveu no mundo: a esperança, a determinação, a felicidade.

Esperar por um pé de chupeta fez-me molhar todo o dia o vaso. Isso acontece muito com a gente quando sonhamos ou desejamos. Focamos no objeto e fazemos de tudo pra concretizá-lo.

Com a concretização, a gente curte rapidamente e novamente nossos olhos e sentimentos crescem pra outro objetivo. E não nos damos conta de como é rápida a felicidade com o objeto em nossas mãos! Deixamos de lado toda a determinação, luta, todo o caminho que trilhamos pra chegar onde estamos. E a vida passa...

Na meia idade nos damos conta que estamos cansando, que se tivemos muito, perdemos muito. Se ganhamos muito, perdemos muito. E ainda temos tanto a fazer, tantos sonhos a realizar... Que uma vida é muito pouco pra realizar tudo.

Muitos caem em desânimo, depressão. A vida perde o sentido! Nos perdemos...

E num dia chuvoso, em frente a um quadro emoldurado pelas samambaias percebemos que o sentido não está na concretização dos sonhos e sim no sonhar. Que o final da trilha pode não ser tão belo como o trilhar. Mas que valeu cada momento, cada conquista, cada decepção porque foram eles que nos empurraram pra um amanhã trabalhado no hoje. Londrina,21/09/2009.

Darlene Polimene Caires
Enviado por Darlene Polimene Caires em 21/09/2009
Código do texto: T1822335
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