Tudo depende do ponto de vista…
 
Questiono-me às vezes sobre a validade do conceito de verdade. Sem querer debandar para um discurso filosófico sobre o sentido da realidade, não consigo deixar de buscar uma resposta para esta questão que tanto me aflige.

Pois não é verdade que um mesmo fato pode tomar conotações tão extremamente variadas de acordo com o interessa da pessoa que está narrando? E é nesse sentido que me pergunto até que ponto estamos livres para acreditar em todas as informações que se veicula nos meios de comunicação.

Para ilustrar o que estou tentando dizer, podemos ver abaixo duas descrições de um mesmo ambiente enfocadas sob pontos de vista diferentes, ambas de minha autoria:


“Uma manhã no campo. Desperto preguiçosamente com a luz morna do sol entrando pelas frestas da casinha de madeira onde estou instalado. É um dia fresco, com a benção do orvalho ainda resvalando e escorrendo das folhas tão verdes das plantas na pequena horta atrás da casinha.

Saio pela porta na direção do velho poço, para buscar água para o dia. O vigoroso som da bomba de água funcionando enche a manhã silenciosa e logo o líquido tão valioso começa a escorrer pela mangueira de borracha e encher a bacia, que seguro com as mãos firmes.

Olho ao redor, sentindo lufadas de ar fresco acariciarem meu rosto, fazendo eriçarem-se os cabelos em minha nuca. Noto então os pássaros cantando em uma árvore próxima, o som forte de seu canto predominando até mesmo sobre o com mecânico da bomba de água que desligo agora.

Estou pronto para um banho frio, como deve ser no campo, e um dia cheio de gratificante trabalho, em meio às vacas leiteiras que habitam comigo neste pedaço de paraíso.”



Por outro lado, verificamos como ficaria diferente a mesma cena, se o narrador desejasse passar uma visão diferente ao leitor:


“Mais uma manhã neste fim de mundo! Antes das seis da manhã o sol já entra em meu quarto, acabando com qualquer possibilidade de uns minutos a mais de sono.

Por que diabos eu fui morar em uma casa de madeira no meio de um matagal que não consegue ao menos bloquear o sol e o frio?

Pelo frio que passei durante a noite, já sei que a grama ao redor da casa vai estar molhada de orvalho, e a barra da minha calça vai ficar molhada nos primeiros dez minutos.

A porta da cozinha, emperrada e velha, demorou um pouco para abrir, o que piorou ainda mais meu humor. Porque mesmo eu moro aqui? Mas minha situação não melhora quando dou de cara com o poço nos fundos da casa, velho e com pedaços de tijolos e cimento descolados e caídos ao redor. Bato com a mão no interruptor, com seus fios soltos parecendo uma obra mal feita e inacabada, e a bomba começa a trabalhar.

O barulho que vem do poço é ensurdecedor. O motor a diesel da bomba não respeita nem mesmo o silêncio de uma manhã e quase faz tremer a casa, também caindo aos pedaços.

Quase vermelho de raiva, volto para dentro de casa, tentando fingir não notar aqueles pássaros que se esforçam para gritar ainda mais alto que a bomba de água, deixando minha cabeça latejando de dor. E lá vou eu para o banheiro, metade de madeira e metade de alvenaria, tomar uma porcaria de um banho gelado, já que não se consegue uma extensão de energia nesse fim de mundo.

Mas, para meu desespero, o pior ainda está por vir. Depois de sair tremendo do banheiro, e talvez até mesmo espirrando de gripe, tenho que sair para o pasto, pisando e cheirando bosta de vaca até não poder mais agüentar.

E, olhando desolado o pasto à frente, com o cheiro nauseante dos inúmeros pequenos montes esverdeados espalhados por todo o lado invadindo meu nariz enojado, mais uma vez me pergunto:

O que estou fazendo nesse fim de mundo?”
 


É por isso que sempre digo, meu amigo leitor, cuidado com o que você lê, assiste ou ouve. Use seu senso crítico para separar a informação da interpretação passada pelo narrador.
 
 
200909
Fábio Codogno
Enviado por Fábio Codogno em 19/09/2009
Reeditado em 21/09/2009
Código do texto: T1819139
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