Autoconhecimento para ser feliz

Todos os dias enfrentamos dois tipos de batalhas: com o mundo e com a gente mesmo. Contra um mundo de adversidades, precisamos lutar para sobrevivermos. Contra nossas próprias dificuldades, precisamos batalhar para sabermos viver.

Para vencer no mundo, é preciso aprender, experimentar, buscar, querer. Para vencer nossas fraquezas, nossos defeitos e as características que não gostamos em nós, é preciso conhecermo-nos.

Com o famoso lema “conhece-te a ti mesmo” (nosce te ipsum, em grego), Sócrates queria dizer que tornar-se consciente da ignorância é o ápice da sabedoria.

Na entrada do Templo de Apolo, na cidade grega de Delfos, havia a seguinte inscrição:

Te advirto, sejas tu quem fores!

Oh! Tu que desejas sondar os arcanos da natureza,

que se não achas dentro de ti mesmo aquilo que buscas,

tão pouco poderás achar fora.

Se tu ignoras as excelências de tua própria casa,

como pretendes encontrar outras excelências?

Em ti está oculto o tesouro dos tesouros.

Oh! Homem! Conhece-te a ti mesmo

e conhecerás o universo e os Deuses...

As respostas que procuramos encontram-se dentro de nós próprios. Se alguém não entende nem a si mesmo, não entenderá mais nada ou mais ninguém.

O clássico A Arte da Guerra nos ensina que “se conhecemos o inimigo e a nós mesmos, não precisamos temer o resultado de uma centena de combates. Se nos conhecemos, mas não ao inimigo, para cada vitória sofreremos uma derrota. Se não nos conhecemos nem ao inimigo, sucumbiremos em todas as batalhas.”1

É muito fácil ser arrastado pelo pessimismo. São muitos os inimigos internos: medo, ansiedade, insegurança, comodismo, conformismo, frustração, baixa auto-estima, depressão, sentimento de que a meta é impossível ou que não somos capazes de atingi-la.

Daisaku Ikeda escreveu que a vitória na vida define-se a partir da nossa decisão: “A causa da derrota não se encontra no obstáculo ou no rigor das circunstâncias; está no retrocesso na determinação e na desistência da própria pessoa. (...) Em se tratando de dificuldades, tudo era realmente difícil. Em se tratando de impossibilidades, tudo era realmente impossível. Quando um ser humano regride em sua decisão, os problemas que se erguem a sua frente acabam parecendo maiores e confundem-no como uma realidade imutável. A derrota encontra-se exatamente nisso. A chave da vitória ou derrota encontra-se na luta contra a covardia que habita o coração das pessoas.”2

Artigos de psicologia relatam que para conhecermos nossas forças e fraquezas, a literatura clássica pode ajudar muito. Autores consagrados sabem traçar com maestria a alma humana e possivelmente tudo o que você sente estará minuciosamente descrito em seus personagens. Podemos exemplificar os russos Leon Tolstoi e Fiodor Dostoievski, os franceses Victor Hugo e Alexandre Dumas, o alemão Johann Wolfgang Goethe, o italiano Dante Alighieri, o americano Walt Whitman e o brasileiríssimo Machado de Assis.

Entre as diversas interessantíssimas metáforas de Rubem Alves, encontramos esta: “O que é que se encontra no início? O jardim ou o jardineiro? É o jardineiro. Havendo um jardineiro, mais cedo ou mais tarde um jardim aparecerá. Mas, havendo um jardim sem jardineiro, mais cedo ou mais tarde ele desaparecerá. O que é um jardineiro? Uma pessoa cujo pensamento está cheio de jardins. O que faz um jardim são os pensamentos do jardineiro. O que faz um povo são os pensamentos daqueles que o compõem.”3 Isto significa que nós somos exatamente aquilo o que pensamos.

Enxergar a nós próprios é muito difícil. E ver os defeitos dos outros é tão fácil! Como Nitiren Daishonin afirmou, não somos capazes de ver nem nossas próprias sobrancelhas.4 Por isso, é importante observar ao nosso redor. Tudo que acontece à nossa volta é uma extensão da nossa vida. A reação das outras pessoas, por exemplo, depende da impressão que lhes causamos.

O autoconhecimento conduz ao autodomínio, ou seja, o controle da nossa própria vida e suas inter-relações. Peter Senge chamou isto de “domínio pessoal” e o definiu como “a disciplina do crescimento e aprendizado pessoais”.5 E “encarar a vida como um trabalho criativo, vivê-la da perspectiva criativa, e não reativa.”6

Além disso, ao longo de um capítulo inteiro do seu livro, Senge descreve os atributos das pessoas com altos níveis de domínio pessoal, listados a seguir:

- Expandem continuamente sua capacidade de criar na vida os resultados que almejam

- Enxergam claramente o que querem e a realidade atual

- São continuamente comprometidas a ver a realidade de forma cada vez mais precisa

- Vêem a realidade atual como aliada e não como inimiga

- Têm um senso de propósito especial que está por trás das suas visões e metas

- Aprendem a perceber e trabalhar com as forças da mudança, ao invés de resistir a elas

- São profundamente curiosas

- Vivem em um estado de aprendizagem contínua

- Aprendem mais rápido

- Tomam mais iniciativa

- Comprometem-se mais

- Sentem-se conectadas aos outros e à vida em si

- Acreditam ser parte de um processo criativo maior, que pode ser influenciado mas não controlado unilateralmente

- Têm senso mais abrangente e profundo de responsabilidade pelo seu trabalho

- Não sacrificam sua singularidade, sua individualidade

No entanto, ainda de acordo com Senge, domínio pessoal não é algo que se possua. É um processo. É uma disciplina para a vida inteira. As pessoas com alto nível de domínio pessoal são profundamente conscientes da sua ignorância, de sua incompetência e de seus pontos a serem melhorados. E têm grande autoconfiança. Paradoxal? Só para aqueles que não vêem que a jornada é a recompensa.7

Um dos aspectos mais fascinantes das pessoas com grande domínio pessoal, conforme afirma Senge, é sua capacidade de realizar tarefas extremamente complexas com grande facilidade.

O “extraordinário” na verdade está profundamente relacionado a aspectos tão “comuns” de nossas vidas que praticamente nem notamos. Nossas vidas estão repletas de tarefas muito complexas com as quais lidamos com certa competência, como quase nenhum pensamento consciente. Faça uma experiência: coloque a mão na cabeça. Agora responda: como você conseguiu fazer isso? A resposta é algo como: “Bem, eu simplesmente pensei na minha mão sobre a minha cabeça – ou, eu formei uma imagem mental da minha mão na minha cabeça – e lá estava”. Porém, no nível neurofisiológico, levar a mão à cabeça é uma tarefa extraordinariamente complexa, envolvendo centenas de milhares de mensagens neurais sob a forma de sinais transmitidos do cérebro para o braço e de volta para o cérebro. Toda essa complexa atividade é coordenada sem que tenhamos consciência dela. Da mesma forma, se tivéssemos que pensar em todos os detalhes do ato de andar estaríamos em apuros. Andar, falar, comer, calçar os sapatos e andar de bicicleta são atos realizados sem que prestemos atenção a eles – no entanto, de fato, todas são tarefas extremamente complexas.8

Segundo Senge, o que distingue as pessoas com grande domínio pessoal das outras é o seu grau de comunicação entre a "consciência" e o "subconsciente".

É por isso que, por exemplo, as pessoas comprometidas com o desenvolvimento contínuo do domínio pessoal praticam alguma forma de meditação. Seja sob a forma de prece contemplativa ou outros métodos destinados a silenciar a mente consciente, a prática regular da meditação pode ser extremamente útil para se trabalhar com a mente subconsciente de forma mais produtiva.

O subconsciente parece não ter vontade própria. Ele também não gera seus próprios objetivos nem determina seu foco. É altamente sujeito à orientação e ao condicionamento – aquilo a que prestamos atenção assume importância especial para o subconsciente. Em nosso estado mental normal, altamente ativo, o subconsciente fica repleto de pensamentos e sentimentos contraditórios. Em um estado mental mais calmo, quando nos concentramos em algo particularmente importante, algum aspecto da vida, o subconsciente fica totalmente focalizado.9

Com autoconhecimento e autodomínio, tornamo-nos perfeitamente cientes do que somos capazes e do que podemos nos tornar capazes. Podemos fazer pleno uso de nossas habilidades e expandir o nosso potencial. É isto que nos conduz ao sentimento de realização e à vitória.

Notas:

1. Sun Tzu, A arte da guerra, RJ, Record, 2001, 26ª ed, p.28.

2. Daisaku Ikeda, Nova Revolução Humana, SP, Ed. Brasil Seikyo, 1995, v.3, p.8-9.

3. Rubem Alves, Entre a ciência e a sapiência, SP, Loyola, 2005, 13ª ed., p.24-25.

4. Cf. Nitiren Daishonin, As Escrituras de Nitiren Daishonin, SP, Ed. Brasil Seikyo, v.1, p.413.

5. Peter M. Senge, A quinta disciplina, Rio de Janeiro, BestSeller, 2006, 21ª ed., p.168.

6. Ibidem, p.169.

7. Cf. Ibidem, p.170.

8. Ibidem, p.190.

9. Ibidem, p.191.

Hélio Fuchigami
Enviado por Hélio Fuchigami em 17/09/2009
Reeditado em 17/09/2009
Código do texto: T1815674
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