Pestinha Italiano

Marinardi

Giuliette vê da cozinha que Marinardi pega o volante da limousine!

Marinardi !!! Grita aterrorizada. O garoto saíra desembestado com a limousine e o coleguinha ao seu lado.

- Vamos passear, Bernardi?

- Dom Giuseppe !!! Meu Deus, salvai-me !!! Grita a coitada.

Rodrigo, o motorista, urinando nas calças, não acreditava no que via. Havia parado atrás de uma das árvores do grande jardim para urinar.

- O garoto está com a limousine !!! Gritava.

Don Giuseppe, na sacada do 1º andar, grita também esbaforido! – Ma que? Estão todos loucos?

O jardim da mansão é imenso e as pistas para os veículos são largas. Marinardi já havia tomado sua primeiras “aulas” com Rodrigo quando ia para o colégio diariamente.

- Rodrigo, pr’a que é isso? É a alavanca de mudanças, respondia o motorista, pacientemente.. Para a frente, você engata todas as marchas para a frente automaticamente e a letra R é para trás. Depois, é só acelerar que o motor faz tudo!

- Que maravilha, diz Marinardi. Obviamente, o futuro havia chegado e Marinardi não sabia.

- Um dia terei meu carro e passearei com Bernardi..., falou baixinho.

Giuliette sabia que levaria a pior, pois o garoto há esta hora já deveria estar no banho para o almoço, mas ela havia atrasado os serviços na cozinha e não reparou na chegada de Marinardi da escola.

- Meu Deus, Don Giuseppe vai me matar! Adeus emprego! E se Marinardi se acidentar? Pensava aflita.

O garoto continuava a acelerar e os doze pistões do veículo estavam à todo vapor, alegres por serem despertados de uma rotina de idas e vindas lentas pelo centro da cidade, cheia de engarrafamentos. Parecia até que o carro estava a compartilhar da travessura de Marinardi. Parecia sorrir, com sua grade frontal polida, brilhando ao sol daquela primavera que irradiava sua beleza nas flores daquele jardim.

A grama verde, molhada pelo jardineiro, serviu como escape para os jovens da limousine, que depois de rodopiar umas quatro vezes, teve o motor interrompido, não antes de dar um susto de morte no pobre Farias, o jardineiro, que estava de joelhos plantando uma muda de crisântemo.

- Jesus! Balbuciou o pobre. Aquela frente enorme do Lincoln Continental, com seus pára-choques e grades cromados, refletindo os raios do sol, quase cegando-o, aparecia em sua frente dando tempo apenas de olhar quem estava ao volante.

- Marinardi, balbucia num suspiro, e desmaia em seguida com a planta no rosto.

Marinardi não entende! Nos seus sete anos de vida, por uma aventura igual não havia passado, mas seus carrinhos de brinquedo só paravam quando as pilhas acabavam!

- O que aconteceu, Bernardi? Bernardi, quatro anos, não cogitava sequer largar o pirulito que não saíra da sua boca nem um pôr um momento!

- Não sei... Balbucia.

Pudera, não dava prá enxergar nada mesmo, sentado no banco dianteiro do carona, refastelado na poltrona macia, no alto dos seus 95 centímetros.

- Esse menino é pequeno para a idade dele! Comentava sempre Giuliette na cozinha quando via o garoto.

- Pudera, não come direito!

Sabia pelos vizinhos, que Bernardinho só gostava de mingau (ainda usava mamadeira) e não comia verduras!

Marinardi debruçara-se ao volante tentando enxergar o pobre do Farias, jaz no chão, esparramado em seu desmaio. Já estava sonhando que chegava no céu, num Lincoln Continental, todo branco, e ele vestido de dourado, alegre, radiante, agradecia ao motorista que o levara: - Aqui está bom para eu saltar, Marinardi... Obrigado.

- Marinardi! Quem dirigia a limousine???

Farias acorda com o susto e a raiva do sonho imposto compulsòriamente e avança para o garoto com a faca de cortar plantas que estava nas mãos. A cena dava a impressão que ia trucidar o pestinha, mas ao ver aqueles olhos verdes, brilhantes com o reflexo das folhagens (são azuis), acorda para o fato de que a faca não deveria estar em sua mão para não assustar o menino, largando-a incontinenti, para pegá-lo ao volante e colocá-lo na grama!

- Você ia me matar, Farias?

Farias senta na grama, chorando do susto e raiva, pois não sabe como seu coração ainda resiste à um baque desses, nos seus 59 anos de vida.

A turma toda corre ao encontro dos três. Bernardi continua a chupar o pirulito que está uma delícia, isso o diga o estofado branco, de couro, que havia recebido uma bela babada do garoto!

Acorrem Giuliette, Rodrigo fechando as braguilhas todo mijado, e Don Giuseppe, com o rosto cheio de espuma pois não havia terminado sua barba e só não se cortou pois estava acostumado aos gritos da casa. Ele mesmo, gritava muito. Mas nos seus 78 anos, um pouco pesado para sua estatura, (87 quilos e 1,72 de altura), com o roupão de seda/cetim meio aberto mostrando os pêlos brancos do peito, ofegava correndo ao encontro daquele que teria vindo para mudar toda a história de sua vida.

Marinardi era o bisneto que viria para resgatar muito do seu passado. Sua neta, Teresa, após muitas tristezas dadas, decidiu partir para uma alegria. Deu ao avô um bisneto!

Não que ele, Giuseppe, houvesse pedido. Mas a mãe de Teresa, a senhora Lucy, ao abandonar o marido para viver com seu grande amor, Alfredo, esqueceu um pouco a educação da filha para entregar-se à luxúria do sexo desvairado e à uma união totalmente voltada para a conjunção carnal. A moral ficara a desejar. Todos diziam. Teresa havia crescido junto ao avô, pois ele a adorava.

Mas o motoqueiro, seu namorado, sempre vestido à James Dean, não demorou a mostrar que também sabia trabalhar. Tascou um filho na coitada, que só tinha dezessete anos e sumiu no mundo quando soube da besteira que fizera. Havia conhecido a garota há quinze dias. Como pôde fazer isso?. Pensava , quando estava lúcido sem as drogas.

Teresa não sabia o que fazer, mas o vovõ Giuseppe nunca a deixou na mão e apesar de rude em muitas coisas, não conseguia se conter com crianças. Abôrto? Nem pensar! Don Giuseppe já tivera uma briga séria com a filha Lucy pois esta queria tirar Teresa! Ela dizia que não dava para ser mãe. De fato, provou isso depois, mas fez a sua parte, parindo, e o velho já a havia perdoado.

Enfim, o coração já estava mais calmo ao chegar ao carro, e o velho Giuseppe só pôde balbuciar, abraçando o pequeno levado.

- Marinardi, quer nos matar à todos? Pelo amor de Deus, você só tem sete anos; espere um pouco que o mundo será seu, todinho. Vamos entrar para tomar uma sopa de verduras que a Giuliette preparou agora. Chame seu amiguinho...

Bernardi, ao ouvir a palavra sopa, chegou a engüiar, mas logo esqueceu, pois o sabor do pirulito ainda estava intenso.

Carregando Marinardi ao colo, Don Giuseppe passou a mão na cabeça do jardineiro, antigo companheiro de jornada.

- Farias, meu velho, obrigado por salvar meu garotinho!

Farias , sorriso amarelo no rosto, não tinha voz para nada. Quem salvou quem? Pensou. Se alguém salvou alguém, foi Deus quem me salvou da morte, pensou bem baixinho...

Giuliette deu a mão para o Bernardi saltar do carro e enquanto Rodrigo tentava fazer o carro pegar pois havia afogado o motor, os quatro vinham conversando pelo gramado até a casa principal para a refeição do dia que Marinardi mais gosta, o almoço.

- Vovô, hoje tem Lasanha?

Sangue italiano, Marinardi não dispensa uma boa massa!

- Não Marinardi, hoje fiz um lindo espaguete com bolinhos de carne só para você, disse Giuliette.

- Ôba, vou comer tudo!

Enquanto Bernardinho, segurando com uma mão a de Giuliette, segurava o pirulito com a outra, lambendo-o sem parar, provavelmente para ver se a fome passava, pois odiava almoçar!

Pierre Guido