Ouroboros
O homem se sentia desolado, então partiu. Não partiu para outro lugar: partiu dali. Partiu-se em pretérito e futuro, partiu-se em sete ou nove. Sentiu-se visceral, novo, primata, e por essas e outras, decidiu nunca mais voltar. No caminho, tudo era como imaginava: abismos, pedras, bandidos, crianças, galhos secos e nenhuma letra. Isso era vivo, isso era real. Em seu desolamento inicial, nada disso havia... Tudo, diziam, era tangível, tudo removível. A pureza era divina, contradições eram banidas. E cada árvore dava frutos igualmente sumosos. Disparate! O mundo, ele agora via, não o continha, simplesmente. Ele continha um mundo, e outros muitos, talvez.
Contudo, evidente, nada se descobre em estalo. Precisa-se escorregar os pés do estribo e cair no estribilho. Precisa-se descobrir o que vem errado, antes do que vai certo. Tudo era como imaginava. Círculos que pareciam não se desatar lhe amedrontavam. O mundo era feito, ele agora via, de voltas, voltas, voltas. E tudo o que ele ia vivendo era novo, com sabor de amarrotado. Tudo era pó de tudo, e tudo era a pá, e tudo era ossada. Tudo era como imaginava. E sua imaginação era uma flecha mirando uma maçã sobre a cabeça de seu filho.
O homem sabia que lhe ocorria apenas o que lhe ocorreria sempre. O homem ia sempre, com a cabeça dos que sabem aonde se vai. O homem ia, apenas, com sua eternidade disparada em pulsações. E tudo que via era como imaginava.
Arre! Na maçã, em cheio. O homem, cheio de confiança na flecha de sua alma, descobre, então, que o futuro é certo, é estreito e é, apenas. O homem se vê dono do futuro, logo antes do fim do mundo. Tudo era como imaginava. Com o futuro embainhado, vai voar com fé ao abismo final, e cai.
O homem está em seu desolamento inicial, onde tudo é entulho de sua jornada. Eis que surge, imponente dentre os destroços daquele limbo estranhamente familiar, um ser com corpo de leão, asas de águia e cabeça de mulher. Tudo era como imaginava. Sabia até o que aquele ser perguntaria, e a resposta já lhe era iminente. Tudo era como imaginava. Abre a boca o monstro:
- Devora-me ou te decifro!
Eis que o homem, atingido, vara sua flecha ao próprio peito e cobre a flecha na vã tentativa de parecer invisível à esfinge, que a este ponto já lho havia decifrado e procurava um lugar para dormir.