INDÍCIOS

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Se em noites longínquas eu não houvera habitado o seu corpo; se eu não ouvisse ainda, às vezes, sua voz ela-mesma, ao telefone; se o seu próprio nome não estivesse bem visível na capa do livro que você efetivamente escreveu eu diria, Daniel, que você não existe.

Pressupondo-se que a Gráfica que compôs seu livro, a Editora que o publicou e a Distribuidora que o espalhou pelas livrarias da cidade não se tenham unido em um complô para enganar-me; que, tanto as pessoas que nos apresentaram um ao outro, quanto aquelas com quem compartilho as notícias sobre você que todas sabem, não tenham sido todas e nem continuem sendo, tais inumeráveis pessoas, presas de ilusões de ótica, auditivas, tácteis, olfativas... e se não houvesse a presença, óbvia para mim, desses seus alteregos que me invadem os dias sem nome identificável e sem que você mesmo saiba, alteregos que por dentro obliteram-lhe a percepção própria de um ser único que efetivamente você se saiba, eu diria que você existe, Daniel.

Quantos indícios são necessários como prova da existência de alguém?

Quando as pessoas telefonam perguntando por Ana, quando Ana é reconhecida na rua, quando Ana olha, na carteira de identidade, o retrato antigo onde permanece o rosto reconhecível pelo imperativo da memória e, por fim, quando Ana se vê no ESPELHO, eu quase posso afirmar que existo.

Quantos indícios são necessários como prova da não-existência de alguém?

Quando Daniel manifesta as mesmas dúvidas sobre a minha existência, tão repleta como a dele de indícios de existência, chego à quase certeza de que ambos realmente existimos, porque só quem existe realmente é capaz de duvidar tanto de tal fato. E os outros todos, para si mesmos: existem; não existem? Como se sentem diante de ambas tais possibilidades?