Sobre ter que fazer, querer fazer e fazer o que é certo fazer.

Dizem que nós, seres humanos, nos diferenciamos das demais espécies por causa de nossa racionalidade. Dizem também,que somos os únicos animais a raciocinar, os demais respondem ao instinto. Sobre isso, suspendo juízo. Será que nós também não respondemos ao instinto?

Dizem que nós, só nós humanos temos lembranças... O que dizer dos nossos animais de estimação que ficam depressivos com nossa falta? Dizem que eles sentem falta de algo, mas não sabem o que é. Também suspendo o juízo!

Já que estou no topo da escala evulotiva (?),vou tentar usar minha racionalidade pra tentar entender essas três ações que tanto me incomodam na vida...

Por vivermos em sociedade temos direitos e deveres. Entretanto, nem sempre os deveres são de nossa concordância e os direitos nos dão prazer. Então, muitas vezes nos deparamos com essas três macabras indecisões que na maioria das vezes nos tiram o sono, nos atormentam por dias, meses, anos; dependendo de nossa resistência.

Sou uma pessoa que procuro seguir as regras. Nunca quebro-as. Primeiro porque acredito que regras devam ser cumpridas. Segundo pra se quebrar uma regra há que se arcar com as consequências que virão, com toda certeza.

Por mais que a gente ache que algo poderia ser diferente, poderia ser melhorado, sempre tem uma porção de gente que acha que está bom do jeito que está, que se “melhorar, estraga!” Frase que ouvi muitas vezes em minha vida.

Embora as regras sejam para a coletividade, muitas vezes elas começam a incomodar a individualidade de alguém.

Quando uma regra começa a incomodar alguém,inicialmente essa pessoa é excluída de algum modo do círculo social. Se a voz da pessoa começa a ecoar, começam a aparecer adeptos e como a união faz a força: a regra muda.

Isso geralmente acontece com o que chamamos de preconceitos.

Bom, só que existem regras que são imutáveis. Por exemplo, matar, roubar, perseguir, destruir a natureza e um monte que são nomeadas de valores morais ou virtudes. Algumas virtudes do passado não cabem mais agora, isso eu sei, não é dessas que estou falando. Estou falando daquelas que, se quebradas, podem destruir o planeta e a raça humana. E olha que estamos quase lá. Estamos tão sem valores, tão largados neste planetinha em agonia, que fica difícil nomear alguma sem cair em demagogia ou mesmismo.

Estou fugindo do assunto proposto? Não, só estou respirando.

Embora adepta às regras, sou humana e muitas vezes algo não se encaixa bem e eu não quero fazer. Daí surge a indecisão...

Acredito que, na maioria das vezes a gente age por instinto. A gente nem pensa pra fazer algo. Fazemos simplesmente, ou porque é correto fazer, ou porque temos que fazer.

Mas existem coisas que temos que medir, ponderar. Muitas delas implicarão na infelicidade ou prejuízo de alguém. Pelo menos para aqueles que de uma certa forma conseguiram desenvolver a compaixão por seus semelhantes. Porque aqueles que se acham os escolhidos, os iluminados, os semideuses, nada os atinge, nada tira seus sonos. Afinal, sentem-se o último biscoito do pacote!

É aí, que a coisa pega. Porque no mundo em que estamos, é o de quem sabe tirar vantagem de tudo e de todos, sentimo-nos muitas vezes os fracassados, os otários.

Se a gente tem claro que somos meros beija-flores tentando apagar o incêndio da floresta, então faremos nossa parte. Faremos o que é certo fazer, sempre, sem se importar se “A” ou “B” vai sair ganhando. A gente sabe que no compto geral, todos saem ganhando, que a lei universal é pra todos. Afinal, fazemos parte desse grande organismo chamado universo.

No entanto, de uma forma bem sutil, eu fui distanciando da ideia inicial, aquela que me levou a sentar e começar escrever. Acredito que fui clara quanto à minha posição em ter que fazer, querer fazer e fazer o certo para o outro, para o planeta. Mas... e comigo?

Sempre ouvi dizer que se não nos amamos não amamos o outro. Se não sabemos cuidar de nós, não sabemos cuidar do outro...

Hoje com cinquenta e dois anos, muito bem sofridos e vividos. A ordem não altera a vida que tive. Olho pra mim e vejo que o que eu chamava de desamor por mim, nada mais era do que não saber fazer diferente.

Como não quebro regras, como a compaixão e o amor pelos meus, são e foram minha mola mestra, eu simplesmente esqueci de mim e dediquei-me a todos e a tudo com todo o amor que eu tenho para doar. E olha, isso não me torna melhor que ninguém, o mundo está cheio de pessoas assim, muito mais que a gente sabe. Tudo é uma questão de educação, cultura e do que a pessoa assimila ao longo de sua vida. Eu não me odiava, eu esqueci de mim, deixei-me de lado. Não conseguia fazer duas coisas ao mesmo tempo.

Dizem que a gente vem em primeiro lugar. Não entendia e não entendo isso. Quando um filho pedia ajuda, quando tinha que trabalhar pra sustentá-los, quando tinha que engolir sapos e lagartos (todos bem calóricos) no trabalho, em casa... O certo é que me perdi de mim...

E foi por isso que comecei o texto...

Diferenciar o que fazer, do que tem pra fazer, do querer fazer, para o outro, pra mim é fácil. O problema é quando o outro não está na jogada. O outro sou eu. Aí sim, começa o inferno interior.

Sartre disse que o outro é meu céu, meu inferno. Pode até ser que ele usou essa frase quando se tenha que escolher entre mim e o outro. Não sei em que contexto ele disse isso, só ouvi várias vezes essa frase. Se for esse o contexto, tudo bem, eu concordo com ele, entretanto, discordo dele totalmente se o outro for meu modelo, meu norte a seguir. Eu sou meu céu, meu inferno.

Embora cumpridora de regras, nunca quis ser ninguém mais que eu. Senti inveja? Sim, além de humana, não tive uma vida cor de rosa todo tempo, como a grande minoria da humanidade. Ela teve nuances negros, embora muitos momentos rosa. Só que o engraçado é que eu sentia que as pessoas queriam me moldar, as pessoas queriam me fazer diferente. Aliás, as pessoas queriam me fazer igual. E muitas vezes por não quebrar regras, me meti em seus moldes.

Fui vítima? Sou vítima? Não, eu só não conseguia fazer diferente. Não conseguia gritar que eu queria ser eu.

Mas quem eu sou? O que sou tão diferente? O que eu queria? E o que as pessoas queriam? Olha Sartre rindo no túmulo!...

Relendo muitas vezes os dois últimos parágrafos, percebo que, não foram as pessoas que só quiseram me mudar, mas eu também queria que elas se encaixassem no meu molde, nas minhas expectativas de mundo. Tudo em minha vida foi por culpa de uma não aceitação de como as coisas eram. Olhando friamente pra trás, eu percebo o quanto eu sofri em vão.

Bom, isso é passado. Eu não consigo mudar o passado e nem quero, pois qualquer mudança com certeza eu não estaria onde estou. E eu estou bem como e onde estou. Sei que preciso de muitas mudanças, muitas melhoras. No entanto, só pelo fato de saber que já não estou como estava lá atrás, já é um grande avanço, me deixa mais livre.

Sei que essas três questões ainda vão mexer muito comigo na hora de colocar-me à frente, de escolher e cuidar de mim. Sei também que o outro em minha vida é outro diferente de mim. Se não couber no meu mundo, deixo-o seguir, como fiz com muitos, só que com a diferença de não sofrer pela perda. Eu agora entendo e aceito que tudo ou se encaixa ou se muda. Nada na natureza está fora de lugar.

Darlene Polimene Caires
Enviado por Darlene Polimene Caires em 20/08/2009
Código do texto: T1764022
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