PRECIOSOS LEGADOS PORTUGUESES AO POVO BRASILEIRO
Sérgio Martins PANDOLFO*
“Pensar a formação do Brasil sem olhar para Portugal é um esforço tão inútil quanto estudar a nação portuguesa deixando de lado sua notável expansão colonial.”
Joaquim Romero de Magalhães, Professor de História da Universidade de Coimbra. Historiador.
Cumpriu-se, a 10 de junho de 2006, mais um Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas. A data, que tem muito a ver conosco – brasileiros, amazônidas, sobramistas, como logo se evidenciará -, foi solenemente comemorada pela Comunidade Luso-Brasileira do Pará, na bela sede social do Grêmio Literário e Recreativo Português, dentre outros modos com a exibição, em "avant première", do filme “Cariaú-Catu – A Grande Expedição de Pedro Teixeira”, produção luso-parauara que narra a saga da viagem desse desbravador lusitano pelo rio-mar, no século XVII.
Os portugueses, nossos descobridores e colonizadores, legaram-nos acervo patrimonial de tamanha envergadura, como não se encontra paralelo em outros países. Em primeiro lugar, esta riqueza incomensurável representada pela Língua Portuguesa, hoje um dos mais importantes e difundidos idiomas do Globo Terrestre, que todos devemos cultuar, difundir e dela nos ufanar. A seguir, na mesma linha de importância, a vastidão de nosso território, de dimensões continentais, que abriga, em sua maior porção, a Amazônia, dádiva da Mãe-Natureza que nos pertence, hoje, graças à intrepidez e determinação deste bravo pioneiro, o expedicionário Pedro Teixeira, copartícipe, com Castelo Branco, da fundação de Belém, que em 1637, comandando uma expedição composta por pouco mais de 100 brancos e cerca de 1.500 índios com suas mulheres e filhos, subiu em canoas, no contrafluxo de seu caudal, o portentoso rio Amazonas (maior e mais caudalosa massa fluvial do mundo), nesse percurso destroçando fortins e assentamentos nucleares espúrios de anglos, francos e batavos, eliminando-os ou pondo-os para correr em desabrida fuga, chegando até quase à outra margem - a pacífica - do continente sul-americano, tomando posse das terras percorridas em nome da Coroa Portuguesa, para fixar a marca delimitadora dessa conquista no rio Napo; epopéia, a nosso ver, mais temerária e dificultosa que aquela consumada por Vasco da Gama em busca do caminho marítimo para as Índias, daí porque é ele havido como “o conquistador da Amazônia”. Amazônia em que se inserta nosso soberbo Estado do Pará, cuja capital, primitiva atalaia do Norte, é agora seu portal e metrópole principal. Pois bem! “A terra que o bravo lusitano Pedro Teixeira conquistou empurrando o Meridiano de Tordesilhas até o Napo, recuado para o Javari mais tarde, é hoje mais que nunca, objeto de atenção mundial”, adverte-nos Jarbas Passarinho.
Para além disso não podemos esquecer, ou deixar de referenciar, o extraordinário patrimônio cultural e, principalmente, arquitetural, que nossos avoengos lusitanos nos deixaram espalhados pelo solo pátrio, que, entre outros ângulos pela importância histórica e riqueza de feitura e originalidade, justificaram o tombamento, para fins de preservação, pelo Patrimônio Nacional; ou, em âmbito ainda mais amplo, pelo Patrimônio Mundial, sob supervisão da UNESCO, órgão das Nações Unidas, à distinção de Patrimônio da Humanidade, sejam eles simples edificações coloniais, como a Igreja de São Miguel das Missões, no RS, passando por bairros ou distritos inteiros, tais o Pelourinho, em Salvador, o Centro Histórico de Olinda, o de Belém (V. foto no alto da página) e o de São Luís, até cidades completas, tais quais Ouro Preto e Tiradentes, em Minas, Parati no Rio de Janeiro, Goiás Velho, no estado homônimo, sem esquecer que a Prefeitura de Belém e o IPHAN elaboram projeto para inclusão de nossa capital no rol dessas maravilhas arquitetônico-culturais que a UNESCO reserva e preserva para as futuras gerações. Graças a esses monumentos incrementa-se o turismo receptivo e avultam-se as receitas dele decorrente. O passado preservado alimenta o viver presente e amplia os horizontes do porvir.
Portugal, diferentemente de todos os outros paises, escolheu para celebrar sua data magna a que assinala a morte da maior expressão da literatura e da Língua Portuguesa de todos os tempos, Luis de Camões, tomando-o, destarte, como o símbolo da nacionalidade lusitana. Não conhecemos caso semelhante ocorrente em outra nação. Camões, na sua genialidade prodigiosa estabeleceu ditames, aformoseou, enriqueceu e fez nivelar a “última flor do Lácio” ao subido patamar de língua culta, equiparando-a às que então se distinguiam. Sua obra poética é das mais ricas e belas e seu épico “Os Lusíadas”, "opus magnum" de sua superior cerebração, rivaliza, distinguidamente, com as criações maiores do humano engenho.
A Língua Portuguesa, falada em todos os recônditos do solo brasileiro foi, sem ponta de dúvida, fator primacial para a manutenção da integridade territorial pátria, após a independência. Língua que hoje une e aproxima nada menos que oito Estados soberanos, que formam a comunidade lusófona internacional, e tem livre curso nos seis continentes. Língua de que se valem e deliciam os sobramistas para o cometimento de nossos escritos, sejam eles em prosa e/ou verso.
Outro legado da maior expressão foi à manutenção da integralidade do território pátrio, após a descolonização, contrariamente ao sucedido na América espanhola, que se fragmentou em múltiplos e divergentes Estados independentes, ou à pulverização das ex-colônias francesas, holandesas e inglesas na África e na Ásia.
O sentido de unidade nacional nos foi garantido não só pela ocupação territorial lusitana de fato, mas também pela integração dos povos envolvidos. Tal integração fundiu três raças de extraordinário valor, representadas pelos brancos europeus, mormentes portugueses, os naturais (ameríndios), de raça amarela (a miscigenação se deu franca, consentida e permanente, estimulada mesmo por leis oriundas da Coroa), a elas se ajuntando, mais tarde, entre outros grupos, negros africanos em especial; conúbio que, contrariando as previsões catastróficas e doutrinas racistas, discriminatórias, dos “sábios” da época, forjou, ao revés, uma “raça brasileira”, excepcionalmente bem conformada, privilegiadamente dotada em todos os aspectos: intelectual, físico-corpóreo e psicológico, expressão de um povo trabalhador, criativo, pacifista, amistoso, solidário, produtivo e ufano de suas origens, de seus valores e de seu porvir. Que mal se pergunte: alguma outra potência colonialista da época deixou, a exemplo, lição como a nossa?
Mas há mais, muito mais do que acode o nosso vão conhecimento, do legado lusitano à sua colônia da “quarta parte nova” (a América, nos versos camonianos d’Os Lusíadas), transladado, através do “mar-oceano”, entre as duas beiras de seu gigantesco caudal e disso faremos restrito e sucinto relato.
Na esfera educacional temos a destacar, desde os primórdios da governação colonial, as centenas (quiçá milhares) de colégios e seminários (dos jesuítas, dos franciscanos, dos carmelitas, dos antoninos) espalhados por todos os rincões do vasto território pátrio, que ministravam, a par da catequese dos ameríndios, estudos das primeiras letras e ensino básico (os colégios) e instrução técnico-profissional e humanística diversificada (os seminários), formação que era, quando desejada e pleiteada, complementada pela diplomação superior, facilitando a ida de milhares de cidadãos brasileiros às universidades européias, em especial a de Coimbra.
Fato da maior relevância constituiu, sem ponta de dúvida, a criação, em 1808, das Escolas Médico-Cirúrgicas, na Bahia a 18 de fevereiro e no Rio de Janeiro a 05 de novembro, por D. João VI. Em 11 de agosto de 1827, sob D. Pedro I, foi criado o primeiro Curso Jurídico, em São Paulo. Outros mais, de igual importância, se seguiram (Farmácia, Veterinária), a permitir, aqui, a formação superior de nossos profissionais. Igualmente auspiciosa foi a criação, no Rio de Janeiro, por D. João VI, logo que aqui chegou com a Corte portuguesa, da Real Biblioteca Nacional, valendo-se, para tanto, de todo o acervo da Livraria (biblioteca) de Lisboa, recheado de obras raras e preciosidades históricas e das ciências (ademais da coleção particular do Regente, que dela tinha justificado orgulho), possibilitando a que essa vetusta instituição nos dias correntes, já bicentenária, seja tida como a terceira em importância e cabedal, no mundo. Não se há ainda de omitir, por expressiva, a participação especial e mais-valia representada pelos Gabinetes de Leitura, os Liceus, os Grêmios Literários e as Casas de Portugal, todos eles disponibilizando bibliotecas fartas e diversificadas, como preciosos organismos subsidiadores da educação e da cultura luso-brasileira.
No âmbito da atenção à saúde e promoção social é enorme, igualmente, o acervo da portugalidade.
Cremos de todo desnecessário tecer considerações abonatórias às ações desenvolvidas pelas Santas Casas, hoje disseminadas por toda a vastidão de nossas plagas, na prestação de assistência médico-hospitalar aos desvalidos da sorte, da fortuna e da saúde. Instituição multissecular, genuinamente portuguesa, surgida antes mesmo de nosso “achamento”, as Misericórdias aqui se instalaram concomitantes com as primeiras ações colonizadoras.
As Beneficências, estabelecimentos de certo modo assemelhados às Santas Casas, estão aí também disponíveis, com elevado nível de qualificação e eficiência, muitas de excelência, nas principais capitais e cidades de nosso chão urbano.
De mais-valia são, do mesmo modo, muitos organismos de promoção e auxílio social, tais as Associações (Comerciais, Beneficentes), os Clubes (Vasco, Portuguesa, Tuna), os Centros de Ação Filantrópica e de Previdência, as Mútuas, maioria deles viva e atuando com satisfatória eficácia.
Na seara da agricultura destacaríamos algumas espécies que hoje dão riqueza ao Brasil, trazidas com a colonização, tais como:
Cana-de-açúcar – Provinda da Ilha da Madeira já em 1502. No meado do século XVII nosso País tornou-se o maior produtor mundial dessa gramínea, durante o chamado ciclo da cana-de-açúcar e, ainda hoje, figuramos como um dos principais fornecedores mundiais de açúcar e álcool. Para além disso, o Brasil, durante a grande crise do petróleo, introduziu o álcool-combustível, utilizado em motores automotivos e de outras aplicações, desenvolvidos com tecnologia puramente nacional. A cachaça, bebida genuinamente brasileira, é, agora, marca registrada, privativa nossa, e está em franca expansão e ascensão, trazendo-nos divisas e divulgação no exterior.
Café – Originário da Etiópia, foi introduzido no Grão-Pará por Francisco de Melo Palheta, astutamente subtraído da Guiana Francesa, em 1727, de onde passou para o Maranhão e depois para o Rio de Janeiro, São Paulo e Paraná. O Brasil tornou-se, em pouco tempo, o maior produtor da rubiácea, chegando a comercializar nove décimos do suprimento mundial, durante o ciclo do café. Declinou a seguir por fatores diversos, mas segue sendo um dos mais importantes itens em nossa pauta de exportações do agronegócio, aportando recursos e empregos.
Cacau - Originário das regiões tropicais da América Central essa arvoreta chegou ao Brasil no século XVIII pelo Estado do Pará. Em solo parauara grassou exuberantemente chegando a ser uma das mais importantes “drogas do sertão” exportadas para a Europa, cevando o real erário. Posteriormente foi levado para a Bahia, onde o clima quente e úmido do litoral propiciou rápida ascensão da esterculiácea (Theobroma cacao) e crescente produção frutífera, tornando-se símbolo da região e abastecedor mundial, até hoje importante item na pauta de nossas exportações, mantendo o Brasil na lista dos principais exportadores do mundo. Na Amazônia o Pará segue sendo, junto com Rondônia, os maiores produtores nacionais..
Laranja- Nativa do SE asiático, foi introduzida no Brasil à volta de 1530. Já somos hoje o maior produtor e fornecedor de suco de laranja, desbancando os EUA, até há pouco maiorais.
Dendê- Palmeira africana transplantada inicialmente para a Bahia, onde grassou e se tornou espontânea graças à boa aclimatação, estendendo-se atualmente ao Pará (seguindo projeto pioneiro da SUDAM), que já é o maior produtor do óleo de palma, extraído do coco, utilizado em culinária e diversificado leque de aplicações industriais, valendo salientar, para muito breve, sua já aprovada utilização como óleo combustível (biodiesel).
Soja – Essa leguminosa, de cuja produção mundial nosso País detém na atualidade a maior parcela, destronando os EUA, constituindo-se em um dos mais salientes itens da balança comercial, tem como provável sua introdução entre nós ainda na fase colonial. Nativa da Ásia oriental, onde já era conhecida desde os tempos mais remotos, passou a ser cultivada nos jardins botânicos da Europa desde há cerca de dois séculos. Conquanto os primeiros experimentos de cultivo agrícola em solo pátrio tenham ocorrido no meado do Século XIX, na Bahia, há seguras evidências de que já no início da centúria as primeiras mudas foram semeadas em solo baiano, oriundas das estufas (viveiros de aclimatação de mudas e sementes) lisboetas.
Trigo – Gramínea introduzida in Terra Brasilis pelos primeiros colonizadores, espalhou-se a diversas áreas, sobretudo nas regiões subtemperadas ao sul. Na atualidade é crescente e florescente a produção nacional e amplia sua utilização na indústria (produtos alimentícios) e no comércio (panificação).
Coqueiro – Trazido da Polinésia, onde é espontâneo e frequente, disseminou-se no solo brasileiro de forma exuberante, principalmente nas faixas litorâneas, chegando a constituir-se quase a palmeira-símbolo da Bahia (coco-da-baía) e referência paisagística de Maceió e Natal. Tem na atualidade inúmeras aplicações comerciais, industriais e culinárias, valendo pôr destaque na recente aplicação da casca do coco para a confecção do estofo de bancos de veículos, empreendimento pioneiro e muito promissor, desenvolvido pelo projeto POEMA, da UFPA.
Mangueira – A "Mangífera índica", de origem asiática, produz frutos deliciosos (hoje exportados para a Europa e EUA) e tem larga utilidade urbanística na arborização de parques e ruas. Antônio Landi a trouxe da Bahia para o Grão-Pará no último quartel do setecentos e Antônio Lemos a utilizou, nos alvores da centúria passada, para refrigério e sombreamento da capital parauara, a “Cidade das Mangueiras”, que todos amamos.
Jaqueira - Originária da Ásia e extremamente difundida no Brasil. Árvore de grande porte dá frutos deliciosos, de grande aplicabilidade culinária e industrial e sua excelente madeira amarela é aproveitável e de boa qualidade.
Muitas outras importantes espécies poderíamos repertoriar, como as chamadas especiarias da Ìndia (cravo, canela, pimenta-do-reino, noz-moscada, gengibre) e o importante acervo medicinal (benjoim, canafístula e vários tipos de incenso) que foram para cá trazidos por ser a viagem de Portugal até o Oriente longa e penosa. Valeria ressaltar, por nos interessar de perto, a cultura da pimenta-do-reino, desenvolvida no século passado em solo paraense pelos japoneses de Tomé-Açu, que levou o Pará à condição de maior produtor mundial dessa "commodity".
No campo da pecuária, em especial, o colonizador lusitano foi pioneiro na iniciativa, disseminador incansável das estirpes animais e definitivo nos resultados, bastando recordar, por autoeloquente, que: a) na Carta que Pero Vaz de Caminha escreveu ao Venturoso D. Manoel referencia, em certo trecho, que “eles não lavram nem criam, nem há aqui boi, nem vaca, nem cabra, nem ovelhas, nem galinhas ou qualquer outra alimária, que acostumada seja ao viver dos homens”; b) já na segunda metade do Século XVI, o notável evangelizador jesuíta, Pe. José de Anchieta, poeta e literato bilíngue (latim e tupi), assim se refere: “Há nesta terra abundância de gados, como bois, porcos, galinhas, perus, patos, carneiros, cabras, ainda que não muitos, porque começam agora e tudo isso veio do Reino” (grifamos).
Somos hoje o maior criador de gado vacum e maior exportador de carne bovina. Temos enorme rebanho suíno e importante criação de caprinos e ovinos. Somos também o maior produtor de frango, exportando para vários países. No tocante ao gado convém aludir à imponente manada de búfalos sediada na Ilha de Marajó, em franca expansão, proveniente da Ìndia, que aqui se aclimatou à regalia e é, hoje, a mais numerosa.
Ainda que possa afigurar-se de menor valia, não havia cães domésticos nas Américas. Os portugueses os introduziram premidos pela necessidade deles na caça, nas lides com o gado e na guarda às propriedades rurais e urbanas, tendo sido para aqui transferidos espécimes de variedades já consolidadas na Europa. Isso possibilitou, inclusive, a formação da única raça oficialmente reconhecida do Brasil, o Fila brasileiro, em cuja constituição entrou forte a genética de animais vindos com os açorianos da Ilha Terceira, o Fila terceirense, que em cruzamentos sucessivos e bem direcionados com outras linhagens resultou em nosso belo e valente cão nacional, insuperável nessas tarefas.
Para finalizar, uma breve referência: em virtude da fartura de madeira e disponibilidade de locais privilegiados para tal, a Coroa Portuguesa fez instalar, em vários pontos do território brasílico, estaleiros para a construção de suas embarcações, de todos os modelos e tamanhos, transferindo, destarte, preciosos conhecimentos dessa arte em que os lusos foram, por vários séculos, mestres e senhores. Aqui mesmo, no Grão-Pará, o Real Arsenal de Marinha teve intensa atividade e soberbo destaque, e até hoje é notória a mestria e competência de nossos artífices navais.
A redizer A. Gomes da Costa: “A estigmatização do passado é recurso dos que têm vergonha de sua brasilidade – e esses ácidos por natureza ao nascer já amaldiçoavam o colostro da mãe... Como dizia Fernando Pessoa na Elegia na Sombra – pesa neles o passado e o futuro, dorme neles o presente”.
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(*) Médico e escritor. SOBRAMES/ABRAMES.
Do Instituto Histórico e Geográfico do Pará - IHGP
E-mail: serpan@amazon.com.br - sergio.serpan@gmail.com
Site: www.sergiopandolfo.com
Sérgio Martins PANDOLFO*
“Pensar a formação do Brasil sem olhar para Portugal é um esforço tão inútil quanto estudar a nação portuguesa deixando de lado sua notável expansão colonial.”
Joaquim Romero de Magalhães, Professor de História da Universidade de Coimbra. Historiador.
Cumpriu-se, a 10 de junho de 2006, mais um Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas. A data, que tem muito a ver conosco – brasileiros, amazônidas, sobramistas, como logo se evidenciará -, foi solenemente comemorada pela Comunidade Luso-Brasileira do Pará, na bela sede social do Grêmio Literário e Recreativo Português, dentre outros modos com a exibição, em "avant première", do filme “Cariaú-Catu – A Grande Expedição de Pedro Teixeira”, produção luso-parauara que narra a saga da viagem desse desbravador lusitano pelo rio-mar, no século XVII.
Os portugueses, nossos descobridores e colonizadores, legaram-nos acervo patrimonial de tamanha envergadura, como não se encontra paralelo em outros países. Em primeiro lugar, esta riqueza incomensurável representada pela Língua Portuguesa, hoje um dos mais importantes e difundidos idiomas do Globo Terrestre, que todos devemos cultuar, difundir e dela nos ufanar. A seguir, na mesma linha de importância, a vastidão de nosso território, de dimensões continentais, que abriga, em sua maior porção, a Amazônia, dádiva da Mãe-Natureza que nos pertence, hoje, graças à intrepidez e determinação deste bravo pioneiro, o expedicionário Pedro Teixeira, copartícipe, com Castelo Branco, da fundação de Belém, que em 1637, comandando uma expedição composta por pouco mais de 100 brancos e cerca de 1.500 índios com suas mulheres e filhos, subiu em canoas, no contrafluxo de seu caudal, o portentoso rio Amazonas (maior e mais caudalosa massa fluvial do mundo), nesse percurso destroçando fortins e assentamentos nucleares espúrios de anglos, francos e batavos, eliminando-os ou pondo-os para correr em desabrida fuga, chegando até quase à outra margem - a pacífica - do continente sul-americano, tomando posse das terras percorridas em nome da Coroa Portuguesa, para fixar a marca delimitadora dessa conquista no rio Napo; epopéia, a nosso ver, mais temerária e dificultosa que aquela consumada por Vasco da Gama em busca do caminho marítimo para as Índias, daí porque é ele havido como “o conquistador da Amazônia”. Amazônia em que se inserta nosso soberbo Estado do Pará, cuja capital, primitiva atalaia do Norte, é agora seu portal e metrópole principal. Pois bem! “A terra que o bravo lusitano Pedro Teixeira conquistou empurrando o Meridiano de Tordesilhas até o Napo, recuado para o Javari mais tarde, é hoje mais que nunca, objeto de atenção mundial”, adverte-nos Jarbas Passarinho.
Para além disso não podemos esquecer, ou deixar de referenciar, o extraordinário patrimônio cultural e, principalmente, arquitetural, que nossos avoengos lusitanos nos deixaram espalhados pelo solo pátrio, que, entre outros ângulos pela importância histórica e riqueza de feitura e originalidade, justificaram o tombamento, para fins de preservação, pelo Patrimônio Nacional; ou, em âmbito ainda mais amplo, pelo Patrimônio Mundial, sob supervisão da UNESCO, órgão das Nações Unidas, à distinção de Patrimônio da Humanidade, sejam eles simples edificações coloniais, como a Igreja de São Miguel das Missões, no RS, passando por bairros ou distritos inteiros, tais o Pelourinho, em Salvador, o Centro Histórico de Olinda, o de Belém (V. foto no alto da página) e o de São Luís, até cidades completas, tais quais Ouro Preto e Tiradentes, em Minas, Parati no Rio de Janeiro, Goiás Velho, no estado homônimo, sem esquecer que a Prefeitura de Belém e o IPHAN elaboram projeto para inclusão de nossa capital no rol dessas maravilhas arquitetônico-culturais que a UNESCO reserva e preserva para as futuras gerações. Graças a esses monumentos incrementa-se o turismo receptivo e avultam-se as receitas dele decorrente. O passado preservado alimenta o viver presente e amplia os horizontes do porvir.
Portugal, diferentemente de todos os outros paises, escolheu para celebrar sua data magna a que assinala a morte da maior expressão da literatura e da Língua Portuguesa de todos os tempos, Luis de Camões, tomando-o, destarte, como o símbolo da nacionalidade lusitana. Não conhecemos caso semelhante ocorrente em outra nação. Camões, na sua genialidade prodigiosa estabeleceu ditames, aformoseou, enriqueceu e fez nivelar a “última flor do Lácio” ao subido patamar de língua culta, equiparando-a às que então se distinguiam. Sua obra poética é das mais ricas e belas e seu épico “Os Lusíadas”, "opus magnum" de sua superior cerebração, rivaliza, distinguidamente, com as criações maiores do humano engenho.
A Língua Portuguesa, falada em todos os recônditos do solo brasileiro foi, sem ponta de dúvida, fator primacial para a manutenção da integridade territorial pátria, após a independência. Língua que hoje une e aproxima nada menos que oito Estados soberanos, que formam a comunidade lusófona internacional, e tem livre curso nos seis continentes. Língua de que se valem e deliciam os sobramistas para o cometimento de nossos escritos, sejam eles em prosa e/ou verso.
Outro legado da maior expressão foi à manutenção da integralidade do território pátrio, após a descolonização, contrariamente ao sucedido na América espanhola, que se fragmentou em múltiplos e divergentes Estados independentes, ou à pulverização das ex-colônias francesas, holandesas e inglesas na África e na Ásia.
O sentido de unidade nacional nos foi garantido não só pela ocupação territorial lusitana de fato, mas também pela integração dos povos envolvidos. Tal integração fundiu três raças de extraordinário valor, representadas pelos brancos europeus, mormentes portugueses, os naturais (ameríndios), de raça amarela (a miscigenação se deu franca, consentida e permanente, estimulada mesmo por leis oriundas da Coroa), a elas se ajuntando, mais tarde, entre outros grupos, negros africanos em especial; conúbio que, contrariando as previsões catastróficas e doutrinas racistas, discriminatórias, dos “sábios” da época, forjou, ao revés, uma “raça brasileira”, excepcionalmente bem conformada, privilegiadamente dotada em todos os aspectos: intelectual, físico-corpóreo e psicológico, expressão de um povo trabalhador, criativo, pacifista, amistoso, solidário, produtivo e ufano de suas origens, de seus valores e de seu porvir. Que mal se pergunte: alguma outra potência colonialista da época deixou, a exemplo, lição como a nossa?
Mas há mais, muito mais do que acode o nosso vão conhecimento, do legado lusitano à sua colônia da “quarta parte nova” (a América, nos versos camonianos d’Os Lusíadas), transladado, através do “mar-oceano”, entre as duas beiras de seu gigantesco caudal e disso faremos restrito e sucinto relato.
Na esfera educacional temos a destacar, desde os primórdios da governação colonial, as centenas (quiçá milhares) de colégios e seminários (dos jesuítas, dos franciscanos, dos carmelitas, dos antoninos) espalhados por todos os rincões do vasto território pátrio, que ministravam, a par da catequese dos ameríndios, estudos das primeiras letras e ensino básico (os colégios) e instrução técnico-profissional e humanística diversificada (os seminários), formação que era, quando desejada e pleiteada, complementada pela diplomação superior, facilitando a ida de milhares de cidadãos brasileiros às universidades européias, em especial a de Coimbra.
Fato da maior relevância constituiu, sem ponta de dúvida, a criação, em 1808, das Escolas Médico-Cirúrgicas, na Bahia a 18 de fevereiro e no Rio de Janeiro a 05 de novembro, por D. João VI. Em 11 de agosto de 1827, sob D. Pedro I, foi criado o primeiro Curso Jurídico, em São Paulo. Outros mais, de igual importância, se seguiram (Farmácia, Veterinária), a permitir, aqui, a formação superior de nossos profissionais. Igualmente auspiciosa foi a criação, no Rio de Janeiro, por D. João VI, logo que aqui chegou com a Corte portuguesa, da Real Biblioteca Nacional, valendo-se, para tanto, de todo o acervo da Livraria (biblioteca) de Lisboa, recheado de obras raras e preciosidades históricas e das ciências (ademais da coleção particular do Regente, que dela tinha justificado orgulho), possibilitando a que essa vetusta instituição nos dias correntes, já bicentenária, seja tida como a terceira em importância e cabedal, no mundo. Não se há ainda de omitir, por expressiva, a participação especial e mais-valia representada pelos Gabinetes de Leitura, os Liceus, os Grêmios Literários e as Casas de Portugal, todos eles disponibilizando bibliotecas fartas e diversificadas, como preciosos organismos subsidiadores da educação e da cultura luso-brasileira.
No âmbito da atenção à saúde e promoção social é enorme, igualmente, o acervo da portugalidade.
Cremos de todo desnecessário tecer considerações abonatórias às ações desenvolvidas pelas Santas Casas, hoje disseminadas por toda a vastidão de nossas plagas, na prestação de assistência médico-hospitalar aos desvalidos da sorte, da fortuna e da saúde. Instituição multissecular, genuinamente portuguesa, surgida antes mesmo de nosso “achamento”, as Misericórdias aqui se instalaram concomitantes com as primeiras ações colonizadoras.
As Beneficências, estabelecimentos de certo modo assemelhados às Santas Casas, estão aí também disponíveis, com elevado nível de qualificação e eficiência, muitas de excelência, nas principais capitais e cidades de nosso chão urbano.
De mais-valia são, do mesmo modo, muitos organismos de promoção e auxílio social, tais as Associações (Comerciais, Beneficentes), os Clubes (Vasco, Portuguesa, Tuna), os Centros de Ação Filantrópica e de Previdência, as Mútuas, maioria deles viva e atuando com satisfatória eficácia.
Na seara da agricultura destacaríamos algumas espécies que hoje dão riqueza ao Brasil, trazidas com a colonização, tais como:
Cana-de-açúcar – Provinda da Ilha da Madeira já em 1502. No meado do século XVII nosso País tornou-se o maior produtor mundial dessa gramínea, durante o chamado ciclo da cana-de-açúcar e, ainda hoje, figuramos como um dos principais fornecedores mundiais de açúcar e álcool. Para além disso, o Brasil, durante a grande crise do petróleo, introduziu o álcool-combustível, utilizado em motores automotivos e de outras aplicações, desenvolvidos com tecnologia puramente nacional. A cachaça, bebida genuinamente brasileira, é, agora, marca registrada, privativa nossa, e está em franca expansão e ascensão, trazendo-nos divisas e divulgação no exterior.
Café – Originário da Etiópia, foi introduzido no Grão-Pará por Francisco de Melo Palheta, astutamente subtraído da Guiana Francesa, em 1727, de onde passou para o Maranhão e depois para o Rio de Janeiro, São Paulo e Paraná. O Brasil tornou-se, em pouco tempo, o maior produtor da rubiácea, chegando a comercializar nove décimos do suprimento mundial, durante o ciclo do café. Declinou a seguir por fatores diversos, mas segue sendo um dos mais importantes itens em nossa pauta de exportações do agronegócio, aportando recursos e empregos.
Cacau - Originário das regiões tropicais da América Central essa arvoreta chegou ao Brasil no século XVIII pelo Estado do Pará. Em solo parauara grassou exuberantemente chegando a ser uma das mais importantes “drogas do sertão” exportadas para a Europa, cevando o real erário. Posteriormente foi levado para a Bahia, onde o clima quente e úmido do litoral propiciou rápida ascensão da esterculiácea (Theobroma cacao) e crescente produção frutífera, tornando-se símbolo da região e abastecedor mundial, até hoje importante item na pauta de nossas exportações, mantendo o Brasil na lista dos principais exportadores do mundo. Na Amazônia o Pará segue sendo, junto com Rondônia, os maiores produtores nacionais..
Laranja- Nativa do SE asiático, foi introduzida no Brasil à volta de 1530. Já somos hoje o maior produtor e fornecedor de suco de laranja, desbancando os EUA, até há pouco maiorais.
Dendê- Palmeira africana transplantada inicialmente para a Bahia, onde grassou e se tornou espontânea graças à boa aclimatação, estendendo-se atualmente ao Pará (seguindo projeto pioneiro da SUDAM), que já é o maior produtor do óleo de palma, extraído do coco, utilizado em culinária e diversificado leque de aplicações industriais, valendo salientar, para muito breve, sua já aprovada utilização como óleo combustível (biodiesel).
Soja – Essa leguminosa, de cuja produção mundial nosso País detém na atualidade a maior parcela, destronando os EUA, constituindo-se em um dos mais salientes itens da balança comercial, tem como provável sua introdução entre nós ainda na fase colonial. Nativa da Ásia oriental, onde já era conhecida desde os tempos mais remotos, passou a ser cultivada nos jardins botânicos da Europa desde há cerca de dois séculos. Conquanto os primeiros experimentos de cultivo agrícola em solo pátrio tenham ocorrido no meado do Século XIX, na Bahia, há seguras evidências de que já no início da centúria as primeiras mudas foram semeadas em solo baiano, oriundas das estufas (viveiros de aclimatação de mudas e sementes) lisboetas.
Trigo – Gramínea introduzida in Terra Brasilis pelos primeiros colonizadores, espalhou-se a diversas áreas, sobretudo nas regiões subtemperadas ao sul. Na atualidade é crescente e florescente a produção nacional e amplia sua utilização na indústria (produtos alimentícios) e no comércio (panificação).
Coqueiro – Trazido da Polinésia, onde é espontâneo e frequente, disseminou-se no solo brasileiro de forma exuberante, principalmente nas faixas litorâneas, chegando a constituir-se quase a palmeira-símbolo da Bahia (coco-da-baía) e referência paisagística de Maceió e Natal. Tem na atualidade inúmeras aplicações comerciais, industriais e culinárias, valendo pôr destaque na recente aplicação da casca do coco para a confecção do estofo de bancos de veículos, empreendimento pioneiro e muito promissor, desenvolvido pelo projeto POEMA, da UFPA.
Mangueira – A "Mangífera índica", de origem asiática, produz frutos deliciosos (hoje exportados para a Europa e EUA) e tem larga utilidade urbanística na arborização de parques e ruas. Antônio Landi a trouxe da Bahia para o Grão-Pará no último quartel do setecentos e Antônio Lemos a utilizou, nos alvores da centúria passada, para refrigério e sombreamento da capital parauara, a “Cidade das Mangueiras”, que todos amamos.
Jaqueira - Originária da Ásia e extremamente difundida no Brasil. Árvore de grande porte dá frutos deliciosos, de grande aplicabilidade culinária e industrial e sua excelente madeira amarela é aproveitável e de boa qualidade.
Muitas outras importantes espécies poderíamos repertoriar, como as chamadas especiarias da Ìndia (cravo, canela, pimenta-do-reino, noz-moscada, gengibre) e o importante acervo medicinal (benjoim, canafístula e vários tipos de incenso) que foram para cá trazidos por ser a viagem de Portugal até o Oriente longa e penosa. Valeria ressaltar, por nos interessar de perto, a cultura da pimenta-do-reino, desenvolvida no século passado em solo paraense pelos japoneses de Tomé-Açu, que levou o Pará à condição de maior produtor mundial dessa "commodity".
No campo da pecuária, em especial, o colonizador lusitano foi pioneiro na iniciativa, disseminador incansável das estirpes animais e definitivo nos resultados, bastando recordar, por autoeloquente, que: a) na Carta que Pero Vaz de Caminha escreveu ao Venturoso D. Manoel referencia, em certo trecho, que “eles não lavram nem criam, nem há aqui boi, nem vaca, nem cabra, nem ovelhas, nem galinhas ou qualquer outra alimária, que acostumada seja ao viver dos homens”; b) já na segunda metade do Século XVI, o notável evangelizador jesuíta, Pe. José de Anchieta, poeta e literato bilíngue (latim e tupi), assim se refere: “Há nesta terra abundância de gados, como bois, porcos, galinhas, perus, patos, carneiros, cabras, ainda que não muitos, porque começam agora e tudo isso veio do Reino” (grifamos).
Somos hoje o maior criador de gado vacum e maior exportador de carne bovina. Temos enorme rebanho suíno e importante criação de caprinos e ovinos. Somos também o maior produtor de frango, exportando para vários países. No tocante ao gado convém aludir à imponente manada de búfalos sediada na Ilha de Marajó, em franca expansão, proveniente da Ìndia, que aqui se aclimatou à regalia e é, hoje, a mais numerosa.
Ainda que possa afigurar-se de menor valia, não havia cães domésticos nas Américas. Os portugueses os introduziram premidos pela necessidade deles na caça, nas lides com o gado e na guarda às propriedades rurais e urbanas, tendo sido para aqui transferidos espécimes de variedades já consolidadas na Europa. Isso possibilitou, inclusive, a formação da única raça oficialmente reconhecida do Brasil, o Fila brasileiro, em cuja constituição entrou forte a genética de animais vindos com os açorianos da Ilha Terceira, o Fila terceirense, que em cruzamentos sucessivos e bem direcionados com outras linhagens resultou em nosso belo e valente cão nacional, insuperável nessas tarefas.
Para finalizar, uma breve referência: em virtude da fartura de madeira e disponibilidade de locais privilegiados para tal, a Coroa Portuguesa fez instalar, em vários pontos do território brasílico, estaleiros para a construção de suas embarcações, de todos os modelos e tamanhos, transferindo, destarte, preciosos conhecimentos dessa arte em que os lusos foram, por vários séculos, mestres e senhores. Aqui mesmo, no Grão-Pará, o Real Arsenal de Marinha teve intensa atividade e soberbo destaque, e até hoje é notória a mestria e competência de nossos artífices navais.
A redizer A. Gomes da Costa: “A estigmatização do passado é recurso dos que têm vergonha de sua brasilidade – e esses ácidos por natureza ao nascer já amaldiçoavam o colostro da mãe... Como dizia Fernando Pessoa na Elegia na Sombra – pesa neles o passado e o futuro, dorme neles o presente”.
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(*) Médico e escritor. SOBRAMES/ABRAMES.
Do Instituto Histórico e Geográfico do Pará - IHGP
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Site: www.sergiopandolfo.com