Schopenhauer e o Pessimismo
SCHOPENHAUER (1788/1860) é popularmente conhecido como o “Filósofo do Pessimismo” e esse adjetivo o remete para a categoria dos “Malditos”. Afinal, pessimismo não se coaduna com o que se espera de Indivíduos que vivem em nosso Tempo, onde se é “obrigado” a ser feliz; pois, infelizes ou pessimistas não consomem (com a honrosa [sic] exceção dos ansiolíticos, antidepressivos, “anti” qualquer outra coisa).
Contudo, para SCHOPENHAUER ser rejeitado nunca deixou de ser uma constante. A primeira rejeição veio de sua própria mãe e quase todas as outras chegaram através dos seguidores de HEGEL, que à época era a “Estrela Inconteste da Filosofia”. SCHOPENHAUER cheio de rancor e de inveja devotou-lhe um ódio vitalício que, aliás, em nada lhe ajudou, pois o reinado de HEGEL continuou inalterado, enquanto SCHOPENHAUER só foi reconhecido postumamente. Mas, é natural que não foi isso que lhe deu o epíteto de “Pessimista” e, aqui, será oportuno fazermos uma análise mais apropriada sobre o termo “Pessimismo”:
Segundo o dicionário “Aurélio”, em Filosofia, “o termo indica a Doutrina segundo a qual o Mal predomina sobre o Bem, valendo mais ‘Não Ser’ do que ‘Ser’. Ainda segundo o mesmo, em termos coloquiais é “a disposição de espírito que leva alguém a encarar tudo pelo lado negativo; a esperar sempre pelo pior”. Vê-se, então, que há uma grande diferença entre os sentidos do termo, a qual pode ser resumida da seguinte maneira:
1 – Em Filosofia, tem-se uma postura Ontológica. Ou seja, sem nenhum atributo. Não é um adjetivo.
2 – Em termos coloquiais têm-se uma expectativa ou retrospectiva de cunho negativo sobre todos os Fenômenos (lembrando que Fenômeno é tudo aquilo que os Sentidos [tato, olfato, paladar, visão e audição] conseguem captar).
Para SCHOPENHAUER o “SER (ou Existir)” é a causa primeira do Sofrimento. Existir é Querer (ter VONTADE) e por isso, sofrer; enquanto que seu oposto, a Felicidade, é claro, será o NÃO QUERER. Nesse ponto, faz-se necessária outra consideração: essa Idéia (ou esse Ideal) não é originalmente do Filósofo, que só chegou a ela após estudar os textos hindus, principalmente as UPANISHADS (conjunto de textos filosóficos que enfatizam, grosso modo, a identificação entre ATMAM e BRAHAMN). Também é sabido que a Filosofia e a Religião Judaica Cristã ocidental são derivadas do modo de pensar Hindu e, por isso, pode-se afirmar que a Filosofia de SCHOPENHAUER é, de certo modo, o que se vê em algumas prédicas cristãs que enfatizam a inconsistência e futilidade dos bens materiais, como, por exemplo, em “meu reino está no céu” dentre outras similares.
Na seqüência adentraremos em alguns Conceitos básicos que SCHOPENHAUER expôs, principalmente, em sua obra “O Mundo como Vontade e Representação” para que nos situemos sobre a forma em que o filósofo entendeu o Mundo.
• A Substância ou Essência do Mundo (ou do Universo) é a Vontade. É o querer, o desejar, que dá a partida no motor que faz todos os fenômenos acontecerem. Tudo acontece ou existe porque alguém ou algo “QUIS” que acontecesse ou existisse.
• E é essa Vontade, que por ser imperiosa, “obriga” os Seres (inclusive os Humanos) a existirem. Todos existem porque seus genitores QUISERAM copular e, conseqüentemente, perpetuar a espécie.
• Todos os Seres (inclusive os Humanos) são escravos da VONTADE. Sempre querem algo. Desde os instintos mais básicos (comer, dormir, copular) até os mais sofisticados. Drummond, por exemplo, QUIS escrever seus belíssimos poemas.
• E para que se consiga atender ao imperativo da VONTADE os Seres (inclusive os Humanos) tem que lutar, trabalhar, degenerar-se etc. Ou seja, tem que sofrer.
• Logo, para satisfazer a VONTADE é necessário sofrer.
• Porém, logo que se satisfez àquela VONTADE o Homem (ao contrário dos outros Seres), sente o TÉDIO, que por sua vez é, também, sofrimento.
• Assim, para livrar-se do sofrimento causado pelo Tédio, o Homem imagina novos objetivos a serem conquistados. E, note-se, que aqui os desejos não são (diretamente) apenas os básicos. Já não se referem apenas à comida, sexo ou similares. Chega-se a se criar Necessidades, para evitar-se o TÉDIO e se têm, então, as vontades que chamaremos de SUPERFICIAIS (no sentido de que não implicam na necessidade de sobrevivência). Eu “quero” um carro mais veloz; uma geladeira maior; namorar muitas mulheres (ou homens) etc. Novas necessidades que “PRECISAM” ser saciadas.
• E para que se conquistem essas novas “Necessidades”, de novo, haverá luta e sofrimento. Uma vez conquistadas, virá um novo Tédio e tudo recomeçará.
• Essa ciranda perpétua de Querer e Tédio gera o sofrer e a insatisfação contínuas e é por isso que a Dor e o Sofrimento são, em última análise, a Essência da Vida.
• Mas qual será então o Sentido, o Objetivo de tudo isso. O Homem nasceu para sofrer? Não haverá forma de escapar dessa roda de dor?
• Em relação ao Objetivo do Homem nascer, SCHOPENHAUER nada explicita. Ele analisa o Homem já existente. O autor desse ensaio, por sua vez, também nada dirá, deixando que cada leitor tenha a sua crença nos motivos do Homem existir.
• Quanto às formas de se escapar do jugo da Vontade, vemos na filosofia hindu a forte tradição de desapego à matéria (e em algumas Correntes, como o Jainismo, chega-se até mesmo ao suicídio por inanição) como forma de escapar do Desejo Constante. E como as religiões Ocidentais são meras derivações ou cópias do Hinduísmo, é lógico que também preguem a inutilidade dos ganhos materiais como modo de se atingir a paz, ou no caso, o Paraíso. É claro que não é o que acontece, mas essa questão não será tratada aqui, por fugir do escopo deste Ensaio.
• Já na Grécia Clássica esse desapego era proposto com o nome de ATARAXIA que pode ser traduzido de maneira ampla como “o estado de espírito de quem nada quer e por isso não sofre com as imposições da Vontade”. SCHOPENHAUER endossa esse pensamento, mas como sabe que nunca será realizado, até porque a Vontade é de tal forma potente que inibe rebeliões contra sua existência (note-se, por exemplo, que o suicídio é execrado em quase todas as culturas, enquanto que as conquistas materiais são exaltadas como prova de diligência e superioridade) admite que o Sofrimento seja a única Essência do Homem e do próprio Universo, partindo do pressuposto que esse último só existe porque é captado pelo primeiro. Afinal, o Universo continuará existindo após o Indivíduo morrer? Para os crédulos, sim. Para os incrédulos, não.
• Mas, como então, escapar da Vontade, da obrigação de sempre Querer? Além do suicídio, que para SCHOPENHAUER também não é uma solução porque elimina apenas um Indivíduo e não a Espécie há outro modo de escapar do Perpétuo Desejar: através da arte. Embora, seja efêmero, é um momento em que NÃO se deseja. Por exemplo, ao se ouvir a Bachiana n° 5 de Heitor Villa-Lobos entra-se em tal estado de êxtase que naqueles minutos nada se quer. Viaja-se naqueles acordes. Idem, por exemplo, quando se contempla a “Monalisa” de Leonardo da Vinci. Mas fora desses pontos de escape, SCHOPENHAUER não aponta outras saídas para a maioria dos Ocidentais.
• Talvez, os orientais adeptos fervorosos do Hinduísmo, ou os ocidentais de almas elevadas que desprezam os bens materiais, consigam certa paz, mas serão sempre as exceções e não a regra e é sobre a regra que SCHOPENHAUER construiu seu Sistema Filosófico, onde NÃO SER (e para ser é preciso ter, ou seja, obedecer à Vontade) é a felicidade.
• Segundo ele, esses indivíduos que atingem a Felicidade Possível (que alguns chamam de Nirvana) não diferem dos outros por serem mais bondosos. Não! Diferem por serem mais inteligentes e saberem que todos (ele e os demais) constituem apenas o Fenômeno (a manifestação que pode ser captada) da Essência, que é a Vontade. E por saberem que são apenas partes de um só Todo, tudo que fizerem (de bom ou de ruim) irá repercutir em si mesmo.
Adiante, entraremos em maiores detalhes sobre os pontos de vista desse alemão pensador que junto com Kant e Hegel, constituem o tripé em que se sustenta a filosofia alemã moderna, a qual ecoa nos filósofos contemporâneos conforme veremos alhures.
DOR, a ESSÊNCIA do MUNDO
Sempre se deseja e sempre se sofre para conseguir o que se almejou. Àquilo conquistado sobrevém o Tédio, do qual se foge desejando outra coisa, que conquistada, produz novo tédio etc. E assim continuamente. Fica cristalina, desse modo, a Constância da Dor. Primeiro a dor da luta e do sofrimento empregados para a conquista (ou da frustração por não ter atingido a meta). Em segundo, a dor do tédio que sobrevêm à conquista (até porque, na maioria das vezes, percebe-se que o que tanto esforço demandou, nem eram bem aquilo que se imaginava).
O mito de SISIFO representa com justeza a condição humana: rolar a pedra (ou a vida) ladeira acima, sem um motivo real. Sempre e sempre. Tarefa e condição ingrata das quais poucos têm consciência. A maioria, tateando, busca eliminar essa Dor Constante aumentando seus desejos (gastando mais tempo para realizá-los) ou buscando outras formas de suportar o sofrimento (escrevendo textos sobre SCHOPENHAUER, por exemplo). Porém, para SCHOPENHAUER, a supressão da Dor (se efetivada) NÃO é a Felicidade. É apenas uma Negativa. A Negação das causas da dor.
O homem considerado bom busca minorar seu tédio ao ocupar seu tempo no auxilio aos necessitados. Geralmente é dotado de Empatia e ao ajudar o próximo, crê que se ajuda. Não chora por uma Dor direta, mas após representá-la em sua mente (e por ter Empatia sabe o quão ela é intensa. Enxerga, por essa representação, o quanto é digno de pena quem a sofre). Entende e compartilha o choro daquele que foi afetado diretamente; ou, então, porque vê no sofrimento de alguém a triste condição da Humanidade.
Outro motivo comum para lágrimas é a Morte. Menos pela falta e futura saudade e mais pela constatação que tudo acaba (inclusive quem chora). Mesmo sem querer, torna-se clara a constatação, que não admite subterfúgios, que tudo caminha para o Nada. Chora-se pela (re) descoberta da Falta de Sentido de todas as lutas e sacrifícios do falecido, as quais são análogas às de quem lamenta.
Tudo isso colocado é quase inevitável que se pergunte o porquê da Vida? Se ela é só sofrimento, ainda que contenha momentos alegres, por que não terminá-la? Para SCHOPENHAUER, pela ação do Instinto de Conservação. Ao que, modestamente, o autor deste ensaio, acrescenta o Sentimento de Esperança, o qual, no entanto, reconheço ser apenas uma das ferramentas contidas no Instinto de Conservação da Espécie. O que restou da Caixa de Pandora (a Esperança) é eficaz ao evitar o suicídio em massa e ao criar promessas de futuras recompensas como que se verá na seqüência.
A BONDADE E A MALDADE
Bom, é aquilo que indica a conveniência (estética ou utilitária) de algo para determinado Individuo. E, atente-se, que não necessariamente para o grupo do qual ele faz parte. É completamente relativo. Será sempre o que for conveniente à VONTADE de cada fenômeno. Segundo o filósofo, o BOM pode ser dividido em:
1° o que proporciona a satisfação imediata de um desejo pontual e atual da VONTADE.
2° o que se refere ao médio prazo.
A 1ª Satisfação refere-se ao deleitável, enquanto que a 2ª Satisfação ao que for útil.
Também o Homem é classificado segundo esse mesmo critério. O indivíduo que age conforme querem a VONTADE (ou ESSENCIA) dos outros Indivíduos é de tal modo agradável e útil, que passa a ser adjetivado como um “Bom Homem”. Ele cede, e sempre cederá às outras VONTADES.
Em relação ao MAL e/ou o MAU nada se tem a dizer além de que é o oposto exato do BOM. Por resistir à VONTADE alheia, e não raro, avançar sobre ela torna-se o conteúdo do rótulo: O Homem Mau.
Pois bem, sobre esses dois vocábulos é que se assenta o conjunto de regras ou normas que ganhou o nome de “MORAL”, que é totalmente relativa e mutável (há c. de 150 anos a escravidão, por exemplo, era aceitável). E, também, a ÉTICA que já não é tão mutável, pois alguns de seus princípios (não matar, por exemplo) são mais duradouros. Abarcando, então, esses coletivos (Moral e Ética) é que observamos a gênese dos Sistemas Religiosos (e em menor escala, os Filosóficos). E tanto a Filosofia quanto a Religião (essa última, com exclusividade) buscam associar a “Felicidade” com a “Virtude”. E isso que denominam “Virtude” é, ao cabo, “Renúncia”. Ou seja, a NEGAÇÃO DA VONTADE.
Os filósofos tentam fazer com que esse despojamento aconteça através da Razão, enquanto que os Religiosos através da Fé. Mas essa “Renúncia” é contrária à Vontade, que, por sua vez, também pode ser dividida em vários “Quereres”, inclusive o “Querer gozar de bens materiais”. O problema é que esse último não está disponível para todos. Apenas para os mais fortes (física, financeira ou intelectualmente), que enriquecem e desfrutam de confortos; ou os mais fortes que desfrutam do gozo de impor seus desejos aos outros. Ora, se é acessível a uma minoria, há de causar inveja, ressentimentos e quejandos e, por isso, convencionou-se que estes desfrutes são insalubres, imorais e quetais e que quem os desfruta comete um atentado primeiramente contra a Moral e, depois, contra a Ética. E como conseqüência natural, estabeleceu-se que o “Bem Total” é a Anulação da Vontade (ou da satisfação dos Prazeres a ela associados).
Embora tais soluções fossem questionadas por alguns Pensadores e seus seguidores (Hedonistas, Nietzsche e outros), solidificaram-se; provavelmente por atenderem ao ressentimento da maioria absoluta que é composta por aqueles que não se destacam por ficarem ricos, ou fortes ou outros requisitos. Popularmente dir-se-ia: “se eu não puder, ninguém mais poderá”. E, também, ai se localiza a gênese do deus juiz, ou vingador.
Nesse ponto julgo oportuno fazer uma diferenciação entre a Renúncia à Matéria no Hinduísmo e nas outras religiões que lhe são derivadas: no primeiro caso, o adepto Não QUER os bens materiais. Nas religiões ocidentais, o Indivíduo Não PODE ter os bens materiais.
Resta-lhes o consolo de “não sofrerem” com a luta necessária para aquisição dos bens e o de estigmatizarem como “Pecadores” os que conseguiram. Ainda que os bajulem. Todavia, do tédio (e da frustração de uma vida de privações) os “despojados” não podem escapar e, assim, tentam minimizá-lo com crenças em quimeras como: “felicidade na vida pós-morte”, “fingir para si próprio (e para os outros) uma importância irreal” e tantos outros artifícios que já foram citados alhures. Mas, mesmo esses subterfúgios falham por serem inconsistentes desde a origem e é comum que o “Homem” mostre-se irritado, ressentido, maldoso e com outras características malévolas.
Naqueles mais cruéis (ou mais decididos, ainda que perversamente) e com algum tipo de poder, a Tortura que sentem internamente é “compensada” com a infração de sofrimento que causam em outros. É o caso, por exemplo, dos psicopatas, tiranos, maus policiais, maus médicos e tanto outros. Após infringirem a Maldade, sentem certo alivio por exerceram o que consideram como “justiçamento”. Advém-lhes o sentimento de “Vingança Justa”, talvez como justificativa para a maldade que acabaram de cometer. E como a vingança só pode ser relacionada ao Passado, e obviamente não como preventiva e inibidora de ações futuras, fica claro que sua origem ignominiosa é a de servir apenas como um paliativo ao torturador.
Outra dor que se associa à maldade é a do remorso. Mesmo o mais cruel dos indivíduos, em certo momento, sente-o – ainda que opacamente – pois intui que a sua essência é a mesma daquele a quem torturou. E que, o que fez, no fim, foi auto flagelar-se. É o caso, por exemplo, do ex-caçador que se torna defensor dos animais; ou, então (como ocorre aqui mesmo, no Brasil) de ex-torturadores da Ditadura negarem peremptoriamente seus atos, naquela ocasião. Não que ele (a) se solidarize com suas vitimas. A causa de seu arrependimento, como já se escreveu, nasce da conscientização de que a (auto) agressão passada ser-lhe-á cobrada, pois a Vontade está além do Tempo e o castigará de alguma forma; ainda que indiretamente (seu filho será malvisto na Escola, por exemplo). Atente-se, aqui, que SCHOPENHAUER quase que transpôs literalmente as idéias Hinduístas da SAMSARA e do KARMA.
Ainda sobre dores, há que se mencionar aquela que se relaciona com o apego (instintivo ou não) à vida física e, conseqüentemente, o quão se é escravo da mesma e dos sofrimentos que lhe são inerentes. Por causa desse apego, intui o Homem que para sobreviver terá que ser capaz dos piores atos e estará à mercê do remorso que essas ações acarretarão. É interessante observar que o Passado Não deveria inquietar a Consciência, pois a Vontade (ou Essência) é independente do Tempo, mas os atos do pretérito continuam causando pesar, pois mesmo que intuitivamente, o Indivíduo sabe que haverá uma cobrança e que essa pode estar relacionada à vida física.
Para SCHOPENHAUER o trecho da prece cristã em que se diz “não nos deixe cair em tentação” deve ser entendido como um pedido antecipado de ajuda. O Homem sabe que “cairá em tentação”, posto estar em sua Essência (afinal, ele é apenas um “pedaço” da Vontade Universal) esse Eterno Desejar. Inclusive, se não principalmente, desejar o que não lhe seria de direito. Aliás, esse Desejar Contínuo poderá nos remeter à velha questão: o Homem é essencialmente mau?
Talvez a resposta seja sim, ainda que isso desagrade nosso desejo de nos imaginarmos superiores aos outros animais e, por isso, “bons”. E não se pode deixar de pensar que o Homem só não exerce sua Maldade continuamente porque é tolhido pela Moral e pelo medo que a Maldade do outro possa lhe causar. Mas, então, como explicar a “docilidade” de certas pessoas ou, mais comumente, de uma criança? Aqui, é possível observar que não se trata de bondade genuína, mas sim de maior obediência à Moral e, no caso das crianças, porque sua fragilidade lhes impede de exercer por completo esse ímpeto. Porém, lembremos que naquela faixa etária que ainda não é contida por castigos e ameaças; ou seja, os bebês, vemos que eles não hesitam em chorar às três horas da madrugada para saciar seu instinto básico de comer, pouco lhe importando se tal comportamento será maléfico para quem lhe atender o desejo. Todavia, poder-se-á insistir que há efetivamente indivíduos Bons (e, nessa linha, Maus), mas o autor desse Ensaio arriscará a opinião de que os “OS Bons” são apenas aqueles mais resignados a acatarem as Regras Morais, seja por uma questão genética, física ou de outra natureza. Ou, por outro, são os mais incapazes de afrontar os “Bons Costumes”, pois sabem serem incapazes de suportar os castigos por essa ousadia. Grosso modo, seriam os mais covardes.
Contudo, o mais correto será entender que BOM e MAL são meras e efêmeras convenções humanas (há c. de um século era “Bom” desmatar o terreno) e que, por isso, atingem apenas os Fenômenos e não a Essência, pois a Vontade (ou Essência) sempre QUER, independentemente do que seus fenômenos pensam (quando e se é que pensam).
É oportuno lembrar que a Moral é apenas uma ferramenta que a Vontade introjeta em seus fenômenos para evitar a diminuição (não desejada naquele momento) pelo suicídio ou lutas fratricidas, do número deles. Mas será preciso sempre que a Moral se baseie em algum fundamento sólido, firme, palpável. Não poderá ser uma discussão meramente Abstrata, pois se assim fosse, não seria alcançada pelos mais simples e nem ensejaria qualquer Ação. Nesse caso, Permissão ou Restrição.
A Moral só afeta ao fenômeno e dessa forma a “Lei da Causalidade (ou de Causa e Efeito)” só atingirá o Ego; mas, paradoxalmente, tudo que provém do Egoísmo é sem valor Moral. Ganância, usurpação, violência e outros são eventos produzidos pelos Egoísmos e considerados Imorais. Outrossim, abnegação, renúncia etc. são, precisamente, a Anulação do Ego. Logo, a Moral, em sua gênese primeira, não pode ser um produto do Fenômeno. Não estará nele a fonte da “Virtude Verdadeira”, como SCHOPENHAUER lhe chamou. Para ele, a origem está para além da Sensibilidade (dos sentidos: tato, olfato etc.) dos Fenômenos. Estará na INTUIÇÃO (um “super sentido”?) que faz os Seres (inclusive os humanos) reconhecerem noutros, preferencialmente de sua espécie, a mesma Essência que é a sua e que a tudo permeia.
Destarte, o “Virtuoso Verdadeiro” é o Indivíduo capaz de reconhecer o que a sua INTUIÇÃO já lhe diz: o Outro compartilha a sua Essência, portanto fazer-lhe mal é fazer mal a si mesmo. Ambos são Fenômenos de uma só Vontade, logo e conforme o Cristianismo – dentre outras doutrinas – “são irmãos e, portanto, nada lhe faça que não queira para si”. O Egoísta vê um vasto abismo separando-o dos outros, enquanto que o “Homem Bom”, não enxerga qualquer separação.
Isto dito resta a questão: o Virtuoso nasce assim ou é ensinado a agir desse modo? Em relação à herança genética nada se comentará aqui, tanto por ignorância do autor deste Ensaio, sobre o tema; quanto pelas incertezas que ainda persistem sobre o assunto. Mas em relação ao Ensinamento, pode-se arriscar que, talvez, um de seus produtos seja um melhor Entendimento sobre o fato de sermos meros Fenômenos de uma única Essência (Vontade) e que ao atingir-se um terceiro, atinge-se a si próprio. Obvio, que rarissimamente esse aspecto, digamos, mais profundo da Educação é percebido. Esse Ensinamento, o (a) leitor (a) compreenderá que não se relaciona com o estudo formal, mas com a aquisição de Sabedoria, a qual lhe mostra que para a Vontade tanto faz que o Fenômeno acumule fortunas ou as reparta, pois são apenas matérias que perecerão de igual forma que o próprio Fenômeno.
Em termos Morais a maneira como se comporta este ou aquele Fenômeno pode ser aplaudida ou repudiada e até alterar os rumos da Vontade, mas nunca será capaz de suprimir a Essência (ou essa mesma Vontade). Até porque, salvo raríssimas exceções, a benemerência, na verdade, é só a esperança de se obter alguma recompensa: do aplauso dos pares a um lugar no Céu ou, ainda, uma reencarnação mais suave (há quem tenha muita visão de Futuro sic). Por tudo isso, para ser o mais Virtuoso possível é necessário reconhecer-se como simples “pedaço” de uma Essência e que ao não agredir outro “pedaço”, está-se preservando o Todo de que ele próprio é parte.
Mas, então, será correto afirmar que o Fenômeno é Mau por natureza e incapaz de se corrigir. Pode-se até concordar com essa afirmativa se não fosse pelo simples fato de que Mal e Bom não existem de fato. São apenas convenções humanas (o leão que mata violentamente a gazela é mau?) feitas para garantir a máxima obediência à Vontade. Feitas para dar ao maior número de Fenômenos a oportunidade de exercitarem a própria Vontade, ou o “Querer Viver”.
A VERDADEIRA BONDADE
Para SCHOPENHAUER, no entanto, é possível a existência da Verdadeira Bondade, desde que a Inteligência penetre no Individuo. Admitiremos que essa “Inteligência” é o mesmo que a “Sabedoria” hindu, a qual, como já se falou algures é o reconhecimento de que somos “pedaços” de uma mesma Essência e que, por isso, qualquer “injustiça (ou avanço)” contra outrem, é uma autoflagelação. E que, ademais, a inutilidade ou precariedade da matéria não valem o sofrimento que acarretam. A palavra grega “ATARAXIA” serve com exatidão para descrever esse Estado da Alma em que os Sentidos e Desejos são aquietados (o que é um estágio superior ao dos Estóicos que queriam alcançá-lo); o estado em que o Espírito admite a existência dos Desejos, não os combate, mas se contenta em dedicar-lhes a mais completa indiferença. E nesse ponto, é possível que alguém pergunte: quem conseguiu atingir tal Estado? Chegou, de fato, à ATARAXIA? É uma questão difícil de ser respondida, nas arriscarei o nome de Buda, ou melhor, Sidarta Gautama, ou de Diógenes ou de outra pessoa que teve o mérito de desprezar o que para os outros era importante. Mas antes de prosseguir, acho oportuno fazer um hiato e tecer algumas considerações sobre o que se chama de BUDISMO:
• Quando Gautama se deparou com a miséria humana, constatou o quanto eram (e ainda são) inúteis os Rituais praticados pelos BRAHMANES. Vivia-se a Época do Hinduísmo Bramânico e o excesso de Ritos afastava continuamente o Hinduísmo de sua pureza original.
• Em resposta, Gautama afastou-se do Mundo, renunciando a tudo. Inclusive, e principalmente, a Religião.
• Nas décadas de 1960/1970 da Era Comum, o Ocidente “descobriu” as Religiões do Oriente, as quais, dentre outros Ídolos, adorava e venerava SHIDARTA, que haviam nomeado “Buda”. E GAUTAMA tornou-se, também, um “Santo” (como os do Catolicismo, por exemplo) a ser louvado.
• Foi assim, tanto lá quanto cá, que o Homem que se afastou da Religião por ver a sua inutilidade (ou sua utilidade perniciosa para alguns) acabou sendo transformado em ícone em torno do qual se fundou uma Religião.
• E, triste ironia, essa Religião repete as demais com seus rituais, relíquias, cismas, imagens, Sagradas Escrituras etc. Tudo que ele, SIDHARTA, a quem chamam de BUDA, repudiou em vida. Ao invés de lhe seguir o exemplo, seus devotos apenas trocaram o objeto de veneração.
• Exercitando-se a imaginação, pode-se vê-lo retorcido em seu tumulo. Em seu nome fizeram exatamente aquilo que o levou a renunciar ao Mundo. Seria hilário se não fosse trágico.
Voltando a SCHOPENHAUER, veremos que a Verdadeira Bondade também pode ser questionada por aqueles que se prendem ao superficialismo cultural e creditam à Moralidade uma origem Divina e, portanto, perfeita. Senão, vejamos: o próprio SHIDARTA, por exemplo, foi Maldoso e Malvado ao se afastar do Mundo, causando dor naqueles que o amavam e, tampouco, auxiliou quem dele necessitasse. Contudo, é aí que entra a visão de SCHOPENHAUER contra a dos Moralistas, pois em ambos os casos o que se ressentiu foram os Fenômenos, pois quem precisa de auxilio é só aquilo que é efêmero. E não a Essência. Logo, a Bondade Verdadeira só estará no nível da Essência.
A Bondade Verdadeira pára nesse ponto. O Máximo é não cometer “injustiça”. Quanto àqueles que se sacrificam em prol de terceiros, a nobreza do gesto fica apenas no plano fenomênico e tais gesto sempre trazem embutidos algum “querer”. No mínimo, o desejo de ser reconhecido como herói, mártir ou santo.
Seguindo, então, esse raciocínio, poder-se-á perguntar se até os pais e as mães se enquadram nessa caracterização? Sim e Não. Nesses casos, no estado mais puro e desinteressado, o que se observa é apenas o cuidado instintivo de proteger a espécie, através de sua cria. E nos estados Não tão (com interesses explícitos ou não) puros, há o “querer” ser amado (e de bônus amparado na velhice). Aqui, pedirei licença ao amigo (a) leitor para fazer um novo recorte:
PIEDADE, em seu sentido puro refere-se apenas à obediência Religiosa e só por uma indevida extensão é que foi associada à bondade. Destarte, sobre esse vocábulo nada falaremos.
NEGAÇÃO DO QUERER VIVER
Como já se escreveu a Bondade ou Virtude, ambas verdadeiras, provém da renúncia à vida. Se eu NÃO QUERO, NÃO avanço sobre o Outro. Simples e fácil? Não! Nascemos dotados do “Querer” e a Sociedade valoriza aquele que “Mais Quer (e que mais consiga)”, pois ele é “interessado, ousado, audaz etc. (sic).
Convenhamos, são duas forças poderosíssimas. Quase tudo leva o Individuo a Desejar. Sempre mais. Deseja-se, inclusive, vencer a Morte deixando obras que vão das Pirâmides, das saudades até aos textos que se escreve nesse WEBSITE, na esperança de continuar existindo, ainda que só na mente alheia.
Acima, usou-se o vocábulo “quase”, pois algumas raras situações fogem dessa condição de “motor dos desejos”. Dentre elas, quase que soberana, achar-se-á a condição de se Saber que a Vontade é a Essência, e talvez, a única Realidade de tudo. Disso consciente, enxerga-se, automaticamente, duas conseqüências necessárias:
1. Os desejos materiais são inúteis e efêmeros. Tanto quanto a necessidade de TER mais que os outros.
2. O que existe, realmente, é a Essência e NÃO os Fenômenos. Ora, se estes são meras ilusões (o véu de Maya, conforme o Hinduísmo) não há porque apegar-se ao Ego, oriundo do chamado “Principio da Individuação (que é quando o “pedaço” desgarrado do “Todo” toma consciência de si próprio. De que existe. Distinto e à parte do “Todo” onde antes estava amalgamado).
Pois bem, superado esse Egoísmo e o apego à Matéria, o que se tem é uma relativa autonomia sobre a “Vontade”. Ou sobre os Instintos (básicos ou não). Quebrou-se de certo modo a força da VONTADE e o Sofrimento que ela impõe. Mas esse enfraquecimento da Vontade não lhe é prejudicial como se poderia pensar. Inibida a volição, a Vontade se livra dos “Prazeres Físicos” que lhe vinculavam à finitude. A Vontade passa a se ver em seu Fenômeno como de fato é: eterna. E o Homem, que lhe é a concretização, chega, então, à Ataraxia; ie, à renúncia e à resignação. Este Homem é “O Individuo que não quer”. Por ter avançado para além do “Principio da Individuação”, já consegue alguns vislumbres da “Verdadeira Natureza das Coisas” (a “Coisa-em-si”, de Kant?) e, então, despreza os Fenômenos ilusórios. É claro que a sua Essência (que é a Vontade) não desapareceu; apenas se transformou. Esse é o asceta.
E esse Asceta já não se vê obrigado a “Amar ao Próximo como a Si mesmo”, pois sabe que o “Próximo” não lhe é igual. Ao contrário, é um Individuo embebido daquilo de que ele escapou: a “Vontade Bruta”. O Asceta detesta o “Querer Viver”, a Essência de um Mundo que para ele é desolador; e “na impossibilidade de exterminar a humanidade, resta-lhe (ou restaria) o suicídio”. Essa sentença poderia ser uma solução para aquele que se situa para além da Matéria, mas esse auto-extermino também seria inútil, pois o Asceta sabe que estaria eliminando apenas o Fenômeno. A vida, mesmo com o Instinto fragilizado, continua a lhe ser uma obrigação e para cumpri-la ele busca o caminho mais ameno que lhe restou: a misantropia. Conseguirá, desse modo, escapar pelo menos da tola competição dos Homens em busca de reconhecimento por seus dotes e/ou posses. Ou em casos mais suaves: a adesão a uma forma de vida que lhe dispense o jugo da antiga “Vontade”, tornando-se, por exemplo, um Eremita ou similar.
Antes de encerrar esse tópico, gostaria de adentrar na questão do “Conhecimento” ou “Inteligência”, citada anteriormente. De onde vem esse Saber que nos livra – ainda que parcialmente – do “Querer Incessante”? Alguns defendem a Tese de que é a Intuição. Outros, que é a Educação. O autor deste ensaio, modestamente, arriscaria que a fonte seria a junção dessas opiniões, pois de nenhuma valia haveria em se ter a Intuição sem que haja um aprimoramento da mesma. E, por outro, uma Educação esmerada pode, sem a Intuição, produzir o efeito contrário: ou seja, ser usada para alavancar o “Eterno Querer (e a consecução dos quereres).
Mas perguntará o (a) leitor (a): essa conjunção é atributo de poucos? Aqui, o autor, novamente, fará nova especulação: sim! Porque isso interessa à “Vontade”, por razões incognoscíveis, da mesma forma que Ela produz diferentes espécies, diferentes indivíduos e diferentes quereres.
Aliás, o fato de que esse Conhecimento deve ser produto de sólida educação e potente convicção pode ser visto, inclusive, em alguns axiomas cristãos, como o das “Tentações”, ou aquele que diz: “A Verdade vos Libertará” etc.
Por fim, concluindo este Ensaio, deixo a critério do (a) leitor (a) o modo de como classificar o Pensamento de SCHOPENHAUER nas categorias que ordinariamente usamos: perverso, maldoso, pessimista e outros adjetivos de teor semelhante. Ou, por outro lado, classificar seu Sistema como efetivamente honesto por desnudar a Essência dos Seres; como verdadeiramente corajoso por nos mostrar como de fato somos.
Campinas, 10 de agosto de 2009
Este Ensaio foi elaborado a partir do texto encontrado na obra “Historia da Filosofia”, cuja organização e texto final são da ELISABETH SIQUEIRA ABRÃO, e do Livro “O Mundo como Vontade e Representação” de Schopenhauer, pela Editora Ediouro.