O lamento das coisas
HOJE UMA poesia de ninguém menos que Augusto dos Anjos. Nela, o poeta se coloca à escuta de tudo o que se perde, de tudo o que não é aproveitado. E esta “energia” desperdiçada chora. Eis o que ele ouve. Entenda-se por ela as vidas que se perdem porque nasceram, riquezas que somem na promiscuidade esplêndida das moléculas: a natureza é indiferente a todos os talentos e a ela pouco ou nada importa se são bem ou mal aproveitados. Em outro lugar, refere-se à natureza como “Semeadora de defuntos”. Não seriam os seus versos o choro de quem ou do que irá se perder para nunca mais? De um ateísmo mórbido, são com os sagrados termos das ciências que os Anjos de Augusto fazem as suas preces. A religião profana a que por muito contragosto pertence tem em seu livro santo o Apocalipse no lugar do livro de Gênesis.
O lamento das coisas
Triste, a escutar, pancada por pancada,
A sucessividade dos segundos,
Ouço, em sons subterrâneos, do Orbe oriundos,
O choro da Energia abandonada!
É a dor da Força desaproveitada
— O cantochão dos dínamos profundos,
Que, podendo mover milhões de mundos,
jazem ainda na estática do Nada!
É o soluço da forma ainda imprecisa...
Da transcendência que se não realiza...
Da luz que não chegou a ser lampejo...
E é em suma, o subconsciente ai formidando
Da Natureza que parou, chorando,
No rudimentarismo do Desejo!
(espelhosemimagem.blogspot.com)