COISA DE CINEMA



Não pretendo fazer humor neste texto, se por ventura alguém achar graça, não mereço crédito algum...


Uma das questões que mais me encanta em relação à sétima arte é a sua capacidade de, não apenas conter, mas despertar fantasias. E passei a refletir sobre as peculiaridades desta arte em contraposição à outras.


No teatro, os atores contam uma história e nos convidam a assistir a ação transcorrer no exato instante em que ela acontece diante dos nossos olhos. Os artistas, ao vivo e em tempo real, criam uma espécie de cumplicidade que liga o palco à platéia.


Podemos identificar os personagens, próximos fisicamente da audiência, reconhecer seus traços e refletir questões, dentro de um processo ligado à realidade (no sentido físico, temporal e espacial) porque somos, além de platéia, outro elemento vivo do jogo cênico.


A audiência e sua energia podem influir no desempenho e até no resultado final da obra. Nas comédias esse fator pode ser determinante porque uma platéia em silêncio é a morte do riso. E ao contrário, nos dramas, uma platéia inquieta e impaciente pode ser desconcertante para os atores.


Essas características, a meu ver, colaboram para nos tornar um pouco mais "conscientes" enquanto assistimos a peça, assim como suponho que os atores não consigam abstrair totalmente nossa presença em momento algum.


Além disso, a palavra falada tem seu lugar de excelência no palco e exige raciocínio atento. A distância entre um plano e outro (o palco e a platéia) é menor, não apenas em metros, o que dificulta "desligarmos" totalmente do fato: estamos ali para assistir uma representação.


E no cinema? Como nossa consciência recebe, decodifica e percebe esse mundo da imagem em movimento?


A sétima arte surge em uma tela que está em branco antes do início da sessão. Não sei quanto a você, mas isto desperta minha imaginação e me faz pensar na pintura. Todo quadro nasce deste mesmo branco estampado na tela. Um filme seria uma sucessão de quadros "pintados" pelo diretor? Sua fotografia poderia nos recordar a importância da luz e perspectiva presentes nos quadros dos mestres da pintura?


Por outro lado, no cinema, estamos diante de uma obra finalizada, reproduzida nesta imensa tela que traz outra escala de tamanho aos atores. Não são eles diante de nós, ao vivo, como ocorre no teatro, mas sua representação em imagem que não corresponde à realidade física.


O fato de olharmos para algo que está ali (na tela), mas não lá, é uma diferença essencial para a imaginação e, consequentemente, a fantasia, desenhando outra perspectiva, totalmente diversa para a platéia.


Então, assistir um filme é sonhar de olhos abertos.


Não é à toa que alguns cineastas nos contam suas histórias, numa espécie de "linguagem dos sonhos" , onde não há uma relação exata entre tempo e espaço, e às vezes, nem de sentido. Se nos lembrarmos de nossos sonhos, pela manhã, teremos a sensação de um fio condutor entre as ações aparentemente desconexas.


Por razões pertinentes à estrutura do cinema, não seria mais ou menos assim que um cineasta filma? Numa seqüência que não é aquela vista na obra final?


Assim como teremos uma idéia ampla e profunda do sonho somente ao interpretá-lo, por exemplo, em análise, dando um sentido a todo o encadeamento das ações e encontrando um significado para os símbolos ali colocados.


Se por um lado o trabalho de montagem e edição do cinema me faz pensar na abordagem psicanalítica do sonho, por outro, lembra também uma outra modalidade, dentro do terreno das artes: a escultura.


O ato de esculpir lapida para dar forma. E assim, a pedra bruta se transforma em obra de arte. Qual seria a pedra fundamental do cinema, de onde surgiriam esculpidos planos e seqüências de suas cenas? O roteiro? Ou ainda anterior a ele, a idéia que o originou?


Estas indagações são fruto do meu encantamento pela sétima arte. Não tenho a menor pretensão em definir respostas ou defender posturas. Sou apenas mais uma pessoa seduzida pelo cinema sem nenhum compromisso acadêmico ou profissional neste campo.


Talvez, por isso, imagine a arte acima de qualquer tentativa de "capturá-la" em uma tradução que não seja a da própria experiência que promove.


E o cinema, em particular, mostra a amplitude desta experiência ao povoar o imaginário com inúmeras obras-primas.




(*) Imagem: Google

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Dolce Vita
Enviado por Dolce Vita em 05/08/2009
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